“Quem
vos recebe, é a mim que está recebendo; e quem me recebe, está recebendo Aquele
que me enviou” (Mt 10,40)
Certamente
todos já viram um invento recreativo para crianças, composto de um globo
inflável que flutua sobre um reservatório de água; ali elas são introduzidas, e
ficam se movendo prazerosamente.
Tal
invento evoca um comportamento muito frequente nas pessoas atualmente. Sem se
darem conta, elas mesmas fabricam uma bolha e se fecham nela como num reduzido
microcosmo. Elaborado pela mente e inflado pelo ego, esse pequeno globo
enclausura-as em um mundo muito definido e estreito: o êxito, a vaidade, o dinheiro,
os bens materiais, um ambiente raquítico de espaço e tempo, torna-se sua única
realidade. A presença do outro, sobretudo do “diferente”, é totalmente
desprezada.
No entanto, para quem é seguidor(a) de
Jesus, poderíamos perguntar se há algo mais além, por detrás dessa bolha, desse
globo fechado no qual todos brincam como crianças inconscientes.
Despertar o “eu profundo e universal” é
descobrir-nos como habitantes de um universo novo e espaçoso, um “eu sou” com
sabor de infinito, com a consciência expandida que rompe a bolha e nos faz
sentir a liberdade amorosa dos filhos e filhas de Deus.
Deus “se fez diferente” e é na
“diferença” que Ele vem ao nosso
encontro como chance de enriquecimento vital e de intercâmbio criativo.
Deixemo-nos surpreender pelo Deus da vida que rompe esquemas, crenças,
legalismos, bolhas...; ou nossa vivência de fé se reduzirá a um ritualismo
fechado, impedindo sair de nós mesmos.
“Aprendi que Deus, não tendo
domicílio, só aceita a mística do ‘porta-em-porta’” (Frei Cláudio)
Também os muros estão
voltando à moda. Não podemos esquecer que os muros foram criados para a
segregação. O muro econômico e social se visibiliza no muro que segrega os
excluídos e marginalizados. Um muro é uma ordem, um silêncio forçado e
prolongado, é vontade de poder.
Muros são pedras no sapato dos poetas. Como tirá-los do caminho? Muros
não têm semente, ainda que se multipliquem pelo mundo. O muro é um veneno.
Muros são concretos: muros entre ricos e pobres, entre homens e mulheres, entre
ignorantes e doutores, entre negros e brancos, entre centro e periferia...
Muros são urros. Muros são murros, são muito burros! Todos os muros
deviam envergonhar, pois se os muros pudessem ensinar alguma coisa, desistiriam
de serem muros.
Muitas vezes, os muros, as
cercas e as portas nos protegem da diversidade, blindam nossa individualidade e
parecem itens indispensáveis à sobrevivência. Assim, somos prisioneiros de nossa
estreita visão de mundo e fazemos de nossa habitação uma couraça que
enclausura. Melhor a viagem que nos faz
vulneráveis do que a segurança que nos rouba o caminho. Melhor enfrentar a
vertigem do horizonte e usufruir da liberdade do que inventar cercas e muros
reconfortantes que nos fazem cativos e solitários.
A
vivência do seguimento de Jesus Cristo implica romper a bolha que asfixia a
vida e derrubar os muros que cercam o coração, atrofiando a própria existência.
Hospitalidade é a palavra-chave na identificação com
Aquele que se fez andarilho e buscou hospedagem. Hospitalidade é abrir um
espaço para o outro.
Muitas
vezes, ser hospitaleiro não é colocar alguém dormindo na nossa própria casa. É
escutar alguém que é totalmente diferente de nós; é ter a capacidade de dar
espaço à fala de alguém diferente.
Para abrir espaço para o
outro é preciso nos desalojar do nosso próprio espaço; é preciso ser deslocado
da nossa ideia de “estar sempre certo”, das nossas próprias convicções, dos
nossos próprios sentimentos. Porque o peregrino tem o potencial de subverter,
despertando ansiedades enterradas e aflições contidas.
Quem oferece a hospitalidade
está rompendo com seu modo habitual de ser e viver. Abrir-se ao outro é sair de
sua própria comodidade. O anfitrião, ao ser deslocado, encontra valores e atitudes
dentro de si que o enriquecem. A melhor metáfora desta hospitalidade é a imagem
da mãe que “faz espaço dentro de si para acolher o
outro”, e
assim multiplica a vida.
Tal hospitalidade se
apresenta como um valor humano, espiritualmente vital e conectado com a vulnerabilidade
de todo ser humano que sempre requer ser acolhido; e, para acolher o outro, é
precisa criar espaços habitáveis e abandonar lugares inóspitos.
Se
quisermos que a vida cristã tenha a marca da Ressurreição, é necessário
compreender que ela é chamada a um compromisso
diferente e mais profundo: sair
da reclusão do nosso próprio mundo para entrar na grande “casa” de Deus; romper com o tradicional para acolher a surpresa;
deixar a “margem conhecida” para
vislumbrar o “outro lado”; desnudar-nos de
ilusões egocêntricas; afastar
a “pedra” da entrada do coração para
poder viver com mais criatividade...
As respostas do passado às questões atuais
já não satisfazem; as velhas razões para fazer coisas novas, simplesmente já
não movem os corações num mundo repleto de novos desafios.
Não
há razão para permanecer nas bolhas e condomínios quando todas as
circunstâncias mudaram.
A
mudança de mente, de coração, de esperança, de paradigmas...
exige que todos, de tempos em tempos, revisem suas vidas, conservando umas
coisas, alterando outras, derrubando ideias fixas, convicções absolutas, modos
fechados de viver... que impedem a entrada do ar para arejar a própria vida.
Há, em todo ser humano, uma tendência a
cercar-se de muros, a encastelar-se, a criar uma rede de proteção. Também os
cristãos não estão imunes a esta tentação.
No entanto, nada mais contrário ao
espírito cristão que a vida instalada e uma existência estabilizada de uma vez
para sempre, tendo pontos de referência fixos, definitivos, tranquilizadores...
Numa vida assim faltaria por completo o
princípio da criatividade, a capacidade de questionar-se, a
audácia de arriscar, a coragem de fazer caminho aberto à aventura.
Texto bíblico: Mt 10,37-42
Na
oração:
O
que é o específico do(a) cristão(ã)?
Buscar, no
seguimento, fazer e viver o que fez e viveu Jesus. Para isso adota as
atitudes, o olhar e a capacidade de contemplação da realidade que o mesmo Jesus
adotou. Ele abraçou diferenças e novos
horizontes. O Seu ministério ultrapassou as fronteiras. Ele rompeu com
os muros do preconceito social, racial, religioso, de gênero...
- Como cristãos, a graça que recebemos é
estar com Ele e com Ele caminhar, olhando o mundo com os Seus olhos,
amando-o com o Seu coração e penetrando no seu íntimo com a Sua infinita
compaixão. Nossa
vocação é a de construir pontes e ser presença reconciliadora em
situações de fronteira, optando por uma “globalização na solidariedade”.
- Sua vivência cristã: risco da aventura
ou medo asfixiante? Contínua surpresa ou perene rotina? Espaço de liberdade ou vivências dentro de
bolhas asfixiantes e muros de proteção?
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