Apresentamos a seguir o texto do Pe. Adroaldo Palaoro, sj (Centro de Espiritualidade Inaciana - CEI), como sugestão para rezar o Evangelho do 14º Domingo do Tempo Comum - Ano A.
“...porque sou
manso e humilde de coração, e encontrareis descanso para vós” (Mt 11,29)
Em
toda visão antropológica, o coração ocupa o centro profundo de nosso
ser, o nosso cerne mais íntimo, o coração do coração, que não consiste no mero
sentimento, mas trata-se do centro existencial que nos permite orientar-nos
como um todo e plenamente em direção ao bem, à verdade, à justiça...
O coração é uma dessas palavras sobre a
qual toda a multiplicidade se torna uno.
Ele simboliza, para a
grande maioria das culturas, o centro da pessoa, onde se unificam todas suas
dimensões. Uma pessoa com coração não é a dominada pelo sentimentalismo, senão
aquela que alcançou uma unidade e coerência, um equilíbrio de maturidade que lhe
permite ser objetiva e cordial, lúcida e apaixonada, intuitiva e racional;
nunca fria, mas sempre acolhedora; nunca cega, mas realista.
Ter coração equivale
a ser uma personalidade integrada. O coração é o símbolo da profundidade e da
interioridade. Só quem chegou a uma harmonia consciente com o profundo de seu
ser consegue alcançar a unidade e a maturidade pessoais.
O coração
do ser humano é a própria fonte de sua personalidade consciente, inteligente e
livre. É o lugar de suas escolhas decisivas, fonte das bem-aventuranças,
santuário da ação misteriosa de Deus e do encontro com Ele.
Recordações, pensamentos,
projetos e decisões são alguns dos componentes essenciais do órgão vital por
excelência. O que acontece nele tem caráter decisivo. “O mistério interior
do ser humano, tanto na línguagem
bíblica como na não bíblica, se expressa com a palavra coração” (Xavier León-Dufour).
Por isso é importante
permanecer atento aos seus movimentos. É a única forma de nos conhecer e de conhecer
verdadeiramente uma pessoa. O coração pode palpitar ao ritmo da soberba ou da
humildade, do amor ou do ódio, do egoísmo ou da generosidade. E está cheio de
mesclas: de trigo e de joio.
Vivemos imersos em
uma multiplicidade de realidades, imagens, ofertas, caminhos, ideias diferentes...
No entanto, quando procuramos reunir e estruturar nossa busca e orientá-la para
a realidade última de nossa existência, recorreremos a expressões, palavras,
imagens que brotam do mais profundo de nós mesmos, do nosso coração.
Trata-se, pois, de chegar à unificação de
nossa pessoa, integrando a afetividade, a sensibilidade, a razão, os
desejos..., para além da bela expressão de Pascal: “O
coração tem razões que a razão não conhece”. O fato é que há “olhos no coração” que permitem compreender o que nem os
olhos do corpo, nem a razão são capazes de perceber:
“Rogo a Deus que ilumine os olhos dos vossos corações, para que
conheçais qual é a esperança à qual fostes chamados” (Ef.
1,18).
A
antropologia bíblica considera o coração como o interior do ser humano, num
sentido muito mais amplo que o das línguas latinas; não o coração
entendido como o órgão da afetividade (uma zona muito inconsistente e
instável), mas uma dimensão mais interna e transparente, que se converte em
“sede” do espírito. Já
no AT, o coração designava o
complexo mundo interior do ser humano.
Fechamento,
insensibilidade, indiferença, impassibilidade, surdez, falsidade,
murmurações... eram razões mais que suficientes para exortar a uma mudança de
atitude. “Eu lhes darei um só coração e
infundirei neles um espírito novo:
tirarei de seu peito o coração de pedra e lhes darei um coração de carne”
(Ez 11,19). A conversão devia empapar todo o ser,
especialmente o coração petrificado.
Segundo
a tradição bíblica, o que mais nos desumaniza é viver com um “coração
fechado” e endurecido, um “coração de pedra”, incapaz de amar e de
crer. Quem vive “fechado em si mesmo”, não
pode acolher o Espírito
de Deus, não pode deixar-se guiar pelo Espírito de Jesus.
Quando nosso coração está “fechado”, nossos
olhos não veem, nossos ouvidos não ouvem, nossos braços e pés se atrofiam e não
se movimentam em direção ao outro; vivemos voltados sobre nós mesmos,
insensíveis à admiração e à ação de graças. Quando nosso coração está
“fechado”, em nossa vida não há mais compaixão e passamos a viver indiferentes
à violência e injustiça que destroem a felicidade de tantas pessoas. Vivemos
separados da vida, desconectados. Uma fronteira invisível nos separa do Espírito
de Deus que tudo dinamiza e inspira; é impossível sentir a vida como Jesus
sentia.
Quando vivemos a
partir do coração, escutamos com mais paciência, olhamos com cumplicidade, tocamos
com ternura, sofremos com fortaleza, assumimos o risco com naturalidade,
misturamos nossa vida com a dos outros e avançamos em comunidade realizando
projetos solidários.
Jesus
dava decisiva importância ao coração: “a boca
fala daquilo que está cheio o coração” (Lc. 6,45); “Bem-aventurados
os puros de coração, porque verão a Deus” (Mt. 5,8). “Onde está teu
tesouro, ali está teu coração” (Mt. 6,21).
Jesus vivia a partir de
seu coração e contagiava com a força poderosa de seu amor e de sua entrega.
Nele
se realizou definitivamente sua promessa. Ele nasceu com um coração de carne,
ou seja, humano, absolutamente divino. Estava chamado a ser o coração de todos,
o centro nevrálgico da humanidade.
Jesus é o homem para
os outros, que tem coração, um coração não de pedra, mas de carne. Sua vida, um
sinal do bem amar, do saber amar. Mas, sobretudo, Jesus, em seu Coração, é a
profundidade mesma do ser humano e de Deus. Nele está a fonte do Espírito que
brota como água fecunda até a vida eterna.
Graças à Encarnação,
o Filho de Deus trabalhou com mãos humanas, pensou com inteligência humana,
sentiu com vontade humana, amou com coração humano.
O coração de Jesus
nos fala de iniciativa, de liberdade, de entrega absoluta e amor profundo. O
coração de Jesus revela que sua vida implica um movimento de saída, que provoca
encontros pessoais, que transforma a vida daqueles (as) que o seguem,
abrindo-lhes novos horizontes, ampliando a visão e descentrando-os de sua
própria lógica.
O evangelho
deste domingo mostra um dos mais vivos exemplos de coração agradecido que
podemos encontrar. Jesus, que acaba de passar por uma profunda experiência de
rejeição por parte das cidades da Galiléia, explode no canto que começa:
“Eu te louvo, Pai, porque escondeste estas coisas
aos sábios e entendidos”.
O coração de Jesus é
sustentado, alimentado, irrigado pelo amor cuidadoso e providente do Pai.
É no coração que
também nós, seus (suas) seguidores (as), poderemos estar em segurança,
profundamente repousados. É no coração, “última
solidão do ser”, que decidimos por Deus e a Ele aderimos. Aqui Deus marca
“encontro” com cada um de nós. “Deus é mais
íntimo a cada um de nós do que nós mesmos” (S. Agostinho).
Texto bíblico: Mt 11,25-30
Na oração:
Todos estamos no coração de Cristo.
Todos estamos no Amor de Deus. Todos fomos introduzidos na Sagrada Humanidade d’Aquele que,
sendo Deus, se fez semelhante a nós para que possamos todos nos sentir n’Ele.
O coração se revela como imagem de
amor, de humanidade, de entranhas compassivas. Identificamos as pessoas por seu
bom coração, por terem entranhas de misericórdia.
- Você deixa transparecer seu
coração na relação com as pessoas? As atividades que você realiza tem coração?
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