quinta-feira, 25 de abril de 2024

Essência do seguimento: permanecer no Jesus “podado”

Texto do Pe. Adroaldo Palaoro, SJ, como sugestão para rezar o Evangelho do 5º Domingo da Páscoa (2024).

“Permanecei em mim e eu permanecerei em vós” (Jo 15,4)

 

No Evangelho de João encontramos expressões com as quais estamos acostumados e que, infelizmente, escutamos ou lemos de modo superficial. Na verdade, quando as lemos ou escutamos como palavras do Ressuscitado vivo, do Senhor no meio de sua comunidade, é que nos sentimos capacitados a acolhê-las como palavras de verdade e de vida. Estamos vivendo o tempo pascal e o tema “vida” perpassa todo esse tempo litúrgico.

O relato deste domingo é tirado dos chamados “discursos de despedida” (cf. Jo 13, 31-16,33), palavras que o Ressuscitado glorioso e vivo dirige à sua Igreja. Jesus afirma: “Eu sou a videira verdadeira e meu Pai é o agricultor”. Para um judeu piedoso, a videira era uma planta familiar, que, junto com o trigo e a oliveira, marcava a terra de Israel; é a planta da qual se extrai “o vinho que alegra o coração humano(Sl 104, 15); é a planta cultivada desde sempre na terra da Palestina, símbolo de uma vida fecunda que brota de um chão árido e pedregoso, símbolo da vida abundante e alegre.

A imagem da videira também já tinha sido assumida pelos profetas como imagem do povo de Israel, da comunidade do Senhor: videira escolhida, arrancada do Egito e transplantada na terra prometida pelo próprio Deus, cultivada com cuidado e amor pelo Senhor, que dela esperava frutos. Deus é o vinhateiro que ama a sua vinha, mas fica frustrado com ela; Ele é o vinhateiro que chora pela sua vinha, outrora exuberante, mas agora queimada e desolada; Deus é o vinhateiro invocado em socorro da sua vinha devastada e cortada.

Mas o que é radicalmente novidade com relação ao AT é que Jesus se apresenta a si mesmo como a “Videira verdadeira”. Ele é a Vinha que recapitula em si toda a história do povo de Deus, assumindo seus fracassos, suas quedas e seus sofrimentos. Ele é, ao mesmo tempo, a testemunha do amor fiel de Deus que, na sua misericórdia inesgotável, renova a aliança com o seu povo.

Já não se trata somente de um povo a quem Deus consola e assiste. Deus mesmo, em Jesus, é a “seiva” que corre por esta comunidade-videira. Cada um, nesta comunidade, é como o sarmento, ramo nascente, destinado a dar fruto; mas a planta da videira é sempre uma, e uma só seiva a faz viver!

Toda a videira é um ser vivo: raiz, cepa e ramos estão atravessados pela mesma vida; mas, para manter a vida e produzir frutos, é preciso dos três elementos. O agricultor experiente sabe que, se os ramos não são podados, eles podem bloquear a transmissão da seiva e não dar fruto. Por isso, é necessário que sejam regularmente podados. Sem poda não há criatividade, nem fruto e nem futuro.

Quando é podada, a videira é despojada de todos os ramos; só fica um tronco áspero e escuro, sem uma única folha verde. Quem não sabe de podas dirá que a videira está absolutamente morta, em pleno inverno. Só ficam presos ao tronco uns centímetros de alguns ramos que deram fruto em outro tempo e que agora parecem “cotocos” sem futuro

Na videira, não só são podados os ramos que foram férteis; também são cortados aqueles que não dão fruto, aqueles que crescem muito, chamam a atenção porque são brilhantes e ostentosos, exibem protagonismo, ocupam espaço ao sol, absorvem a seira que sobe pelo tronco, mas são estéreis.

Jesus nos diz na parábola que o Pai é o agricultor, que realiza a poda para que a videira tenha mais vida; só Ele pode transformar a destruição de uma poda em uma nova videira que dará melhores frutos. Ele pode orientar para a vida um golpe dirigido para a morte. Ele é o agricultor que ama sua vinha e que sempre trabalha no fundo do húmus da realidade com criatividade infinita.

A parábola de Jesus é completamente atual. A poda sempre será necessária em nossa vida. Todo o “novo” que assumimos, com o tempo esvazia-se, porque os “ramos existenciais” trazem dentro de si uma dose de ambiguidade e, aos poucos, vão acumulando “excessos” que exigem um consumo muito grande de seiva; na realidade, em vez de produzir frutos, se revelam infecundos e estéreis. Então, faz-se necessária uma poda para eliminar os “pesos”.

De fato, levamos “cargas pesadas” em nosso interior, e são justamente elas que dificultam nossa caminhada pela vida; é preciso desfazer-nos de cargas incômodas para andar com maior desenvoltura e alegria pela vida.

O medo de perder “algo” no futuro atrapalha viver intensamente o presente. Quantos “pesos mortos” arrastamos em nossa vida, com recordações, lembranças, apegos, afetos desordenados...!

O apego às coisas, bens, lugares, títulos, pessoas... impede-nos de mover com facilidade. Perdemos o “fluxo” da vida, o impulso do movimento, a suavidade do “deslizar pela existência”.

A fidelidade ao Deus da Vida fica interditada e o seguimento de Cristo fica fragilizado.

Quando o agricultor faz uma poda na videira, continuam saindo pelos cortes pequenas gotas de seiva como se ela chorasse a perda, buscando desorientada o mesmo caminho de sempre que já não existe mais.

O importante é acolher a poda, viver o luto, despedir-se do que foi perdido, e não se trancar numa queixa obsessiva que gira sobre si mesmo, paralisando o futuro. Quando não se faz o luto e não se assume a perda, as feridas se prolongam no tempo e deixam uma esteira de dor que nunca cicatriza.

Durante semanas, na vinha podada não acontece nada por fora, mas por dentro, célula por célula, vai sendo gestada a primavera com processos diminutos e invisíveis. A vida nova se revela no escondimento da interioridade. O ritmo é lento e não responde às impaciências do agricultor nem à hostilidade do clima que a cerca. Todo o trabalho é interior e silencioso. São as ressonâncias bíblicas do “pequeno resto de Israel”, que em tantas ocasiões foi o começo de movimentos radicalmente novos como surpresas de Deus.

Quando chega a primavera, a casca ressequida e endurecida da videira começa a abrir-se a partir de dentro pela fortaleza da vida que cresceu em seu interior. O rigor do frio vai se afastando de seu entorno. Aparecem os brotos, os ramos, as folhas e os cachos de uvas. É tempo de surpresa, um despertar da consciência de uma vitalidade assombrosa em sua pequenez e vulnerabilidade, que já é impossível de esconder e deter debaixo da casca.

Uma palavra se repete várias vezes na parábola tão breve deste domingo: “permanecer”. É como uma obsessão que tece todo o texto, a chave que tudo explica. Nas podas, o importante é “permanecer” conectado ao tronco de onde nos chega a vida, embora tudo parece morto.

Este relato evangélico nos revela uma relação muito poderosa, sem a qual, continuamos desconectados, secos, como mortos. É uma vinculação profunda com Jesus, fonte de vida e de ação. “Sem mim nada podeis fazer”. Nossas atitudes e especialmente a fecundidade das ações mais simples dependem desta vinculação profunda com Jesus. Do contrário, aquilo que fazemos “separados” ou por nossa conta, será caduco, nos faltará profundidade e sentido. O “nada” do ramo cortado e destinado ao fogo se opõe ao “muito fruto” duradouro daquele que permanece no amor criador; a seiva nunca deixará de chegar, vindo do próprio Jesus, ao lado das mesmas cicatrizes da poda.

Somos fecundos na humildade de Deus quando temos nossas raízes bem plantadas na realidade onde Ele está oculto e de onde tudo refaz; seu amor ao mundo e sua imaginação criativa abrem na história possibilidades sempre novas, atualizadas em cada circunstância. Nosso futuro só é possível se estiver enraizado na humildade de Deus, que é o mais profundo de seus mistérios. A humildade fecunda de Deus se oculta na longa história que vai desde a dor da poda, até o sabor do vinho da nova colheita que compartilhamos.

Texto bíblico: Evangelho segundo João 15,1-8

Na oração:

Eu canto por ser ramo, unido à Videira.

Sou ramo que se alarga, ampliando a minha vida. Eu deixo vida feita folha verde e cachos de uvas. Sou ramo e jorro minha vida feito vinho saboroso. Sou ramo desde a origem. Sou ramo ligado à Videira. Sou ramo alimentado pelo vigor incontido da seiva. Alguém vive em mim no silêncio. Alguém que conhece o bem, a verdade, a liberdade.  

Sua Vida é minha vida. Seu viver é meu viver. Para mim, a vida é sua Vida. Sou ramo.

Sou ramo e quero gritar bem alto. Sou ramo e vivo. Amo minha vida e não quero abafá-la. Amo minha vida e não quero morrer sufocado, desconectado da Videira. Grito a ti Videira, Fonte de minha vida!” 

quinta-feira, 18 de abril de 2024

Bom Pastor: amigo das pessoas, não guardião de “gado”

Texto do Pe. Adroaldo Palaoro, SJ, como sugestão para rezar o Evangelho do 4º Domingo da Páscoa (2024).

“Conheço as minhas ovelhas, e elas me conhecem” (Jo 10,14) 

A liturgia do quarto domingo de Páscoa sempre celebra a imagem do Ressuscitado como “Bom Pastor”.

Terminados os relatos de Aparições do Ressuscitado, continuamos com textos pascais que nos falam de “dar a Vida”; a experiência pascal é que Jesus nos comunica Vida. Nós temos a possibilidade de fazer nossa essa Vida; trata-se da Vida mesma de Deus, que é a chave do tempo pascal. João não nos fala de uma vida para o mais além, mas de uma Vida que deve ser vivida como ressuscitada, aqui e agora.

Para a grande maioria de nossos contemporâneos, a imagem do “pastor” se revela anacrônica, provocando alergia em muitos. Em primeiro lugar, porque nos encontramos muito distantes daquela cultura agrícola e pecuarista na qual nasceu esta imagem; por outro, porque resistimos às imagens que se movem em chave de poder/submissão, e que arrastam, com frequência, uma história de dominação.

Concretamente, a imagem do pastor evoca, por si mesma, a da “ovelha” e do “rebanho”. E o contraste entre ambas faz aflorar na consciência de muitos a contraposição entre autoritarismo, por um lado, e submissão e alienação, por outro. Sem dúvida, a imagem do “pastor”, bem como a do guru ou do mestre, muitas vezes serve de pretexto para justificar abusos de diversos tipos, todos eles baseados no “poder religioso” que aquelas mesmas imagens conferem.

Não é “pastor” quem procura domesticar, manipular e dominar as “ovelhas”, mas quem “conhece pessoas”. Biblicamente falando, “conhecer” é criar relações de amor entre pessoas, no sentido amplo; assim se diz que homem e mulher se “conhecem” quando se amam; assim se “conhecem” filhos e pais, amigos, companheiros... O bom pastor não só “conhece” as ovelhas, mas também “é conhecido” por elas.

“Bom pastor” é o que cria relações de solidariedade com seus amigos e amigas; não os utiliza em favor próprio, não está acima deles(as), mas que os(as) ama e se deixa amar por eles(as); reconstrói os laços de liberdade solidária e comunhão, em vida e até na morte. O “pastor” verdadeiro não manipula consciências, não alimenta medo e nem cria dependências; pelo contrário, o pastor tem “autoridade” no sentido de ativar a autonomia e a autoria de quem o segue. Por isso, os seguidores e seguidoras de Jesus não são “servos(as)”, mas “amigos” do Bom Pastor e amigos uns dos outros.

A imagem de “ovelhas e pastor” deve ser usada com cuidado, porque pode justificar a existência de duas categorias na Igreja: quem manda e quem obedece.

Na Comunidade d’Aquele que disse que “quem quiser ser o primeiro que seja o último e o servidor de todos”, todos somos “pastores” de todos, todos somos responsáveis e todos podemos contribuir com nossos dons. Não se nega a função de coordenação ou de liderança. O que se nega é a sacralização do “poder religioso” em nome de Deus e que tem alimentado uma submissão doentia.

Esta alegoria do “Jesus Pastor” apresenta três características ou elementos principais:

- Pastor é Aquele que se esvazia de sua condição divina e se faz servidor de seus irmãos e irmãs; não vive para aproveitar-se deles(as), mas para acompanhá-los e ajudá-los;

- A essência mais profunda de todo pastor é o conhecimento: Jesus é verdadeiro pastor porque “conhece” às ovelhas, dialogando com elas em intimidade de coração;

- Pastor é quem “dá a vida”. Não se aproveita das “ovelhas”, vive para elas, em gesto de conhecimento e de entrega, em comunhão de vida.

Jesus sempre se revelou como “Pastor” desprovido de poder, de prestígio, de manipulação das consciências.

Sua identidade de “pastor” esteve centrada na arte do cuidado que é gesto amoroso para com o outro, gesto que protege e traz serenidade; o “cuidado” é sempre uma atitude de benevolência d’aquele que quer estar junto, acompanhar e proteger. Jesus, como Bom Pastor, sempre se revelou como um “Ser de cuidado”, pura transparência do Pai cuidador e providente.

Cuidar é entrar em sintonia com... Disso emerge a dimensão de alteridade, de respeito, de sacralidade...

Cuidar é envolver-se com o outro, mostrando zelo e preocupação.

Quer conhecer o outro com o coração e não com a cabeça. O cuidado abre caminho para viver, com mais intensidade, a própria humanidade. E viver “humanamente” significa viver em vulnerabilidade.

Quem não aceita a própria vulnerabilidade e inter-dependência não desenvolve atitudes de cuidado. Quem não aceita ser cuidado, também não está disposto a cuidar dos outros. Somos educados para sermos “super-homens” ou “supermulheres”; aprendemos a não admitir e a não aceitar o limite, a vulnerabilidade, o fracasso... O ser humano é finito, portanto, vulnerável. Ele não se basta a si mesmo; necessita de relações com o seu meio, com os seus semelhantes e com o Transcendente, dando sentido à sua existência.

Cuidar do outro significa, antes de tudo, velar por sua autonomia; significa ativar a capacidade de dar direção à sua própria vida. O exercício de cuidar não deve ser visto como uma forma de imposição sobre o outro, e menos ainda como um modo de exercer um controle, atrofiando a autonomia e a liberdade do outro. Pelo contrário, quando alguém se dispõe a cuidar compassivamente o outro, faz todo o possível para que esse outro possa viver e expressar-se conforme determina seu coração, mesmo quando isto não coincide necessariamente com a intenção do cuidador.

A identidade do verdadeiro pastor está na capacidade de “dar a vida”, como equivalente de um amor que não tem medida. No extremo oposto da voracidade egóica, que vê os outros e as coisas como objetos com os quais saciar o próprio vazio, o amor de quem transcendeu seu “eu” não busca outra coisa senão oferecendo, doando a vida, dia a dia.

Na medida em que o(a) seguidor(a) de Jesus vive como “ressuscitado”, sua vida se torna Vida maior e, assim estará disposto(a) a “gastar” a vida em função dos outros. Esta Vida é um “movimento a partir de dentro”, ou seja, sair de si mesmo para ir ao encontro dos outros e potenciar suas vidas; tal movimento que tem sua origem na mesma Vida do Ressuscitado mobiliza o que há de “melhor” em cada um para que viva de maneira mais oblativa e comprometida no cuidado para com todos.

A partir desta perspectiva, podemos reconhecer a Jesus Ressuscitado como o “espelho” daquilo que já somos. Ele vive o que é na sua essência, e isso faz com que se desperte em nós o que somos, numa identidade compartilhada.

Todos somos pastores, mestres e discípulos. Todos nos encontramos em um processo de aprendizagem. Podemos, sem dúvida, reconhecer as pessoas que nos ajudaram e que despertaram o melhor de nós mesmos. Mas, não foi porque se impuseram e se empenharam em conduzir nosso caminho, mas porque, sendo humildes e transparentes, nos remeteram ao nosso próprio “pastor e mestre interior”.

Não precisamos de pastores nem gurus, mas companheiros(as) de caminho, acompanhantes lúcidos e humildes, compartilhando aquilo que cada um nos proporciona experimentar.

Texto bíblico: Evangelho segundo João 10,11-18

Na oração:

- Abrir espaço interior para que a Graça des-vele seu próprio interior: quem predomina aí dentro? O pastor cuidadoso ou o lobo voraz?

- Fazer memória do seu nobre “ministério do pastoreio”: na sua família, comunidade, ambiente de trabalho, relações sociais...

terça-feira, 9 de abril de 2024

Viver como ressuscitados é aprender das próprias feridas

Texto do Pe. Adroaldo Palaoro, SJ, como sugestão para rezar o Evangelho do 3º Domingo da Páscoa (2024).

“Vede minhas mãos e meus pés; sou eu mesmo!” (Lc 24,39)

“Há feridas que em vez de abrirem nossa pele, abrem nossos olhos”, afirma o poeta chileno Pablo Neruda.

Jesus, que nos desconcertou ao curar tantas feridas, na ressurreição não fechou as suas próprias feridas; Ele as mostrou para que fosse reconhecida a sua identidade, para que ficasse claro que elas são a marca da entrega e que nunca se apagarão.

Quando o Senhor se apresentou diante de seus discípulos, depois de sua morte, não tinha dinheiro, nem prestígio; não veio sentado em um trono de ouro nem desembainhou a espada para derrotar os inimigos. Simplesmente mostrou as feridas da crucifixão, as marcas da doação total. Porque, “Jesus Cristo é o mesmo, ontem, hoje e sempre” (Hb 13,8).

Para despertar a fé dos discípulos, Jesus não lhes pede que olhem Seu rosto, mas suas mãos e pés. Quer que vejam suas feridas de crucificado; que tenham sempre diante dos olhos seu amor entregue até a morte. Não é um fantasma: “Sou eu mesmo!”. O mesmo que conheceram, seguiram e amaram pelos caminhos da Galileia.

Olhando as mãos de Jesus, os discípulos faziam “memória” das mãos que curavam os doentes, cuidavam dos frágeis, elevavam os caídos, abençoavam e acariciavam as crianças, acolhiam os pecadores e pobres...

Olhando os pés de Jesus, os discípulos faziam “memória” dos pés peregrinos, que rompiam distâncias, que faziam a travessia em direção à “margem”, que os aproximavam dos excluídos, que ultrapassavam fronteiras religiosas e culturais... Contemplando as mãos e pés de Jesus, os discípulos tomaram consciência que eles estavam com as mãos atrofiadas e os pés paralisados pelo medo.

A experiência do encontro com o Ressuscitado destrava as mãos e pés dos discípulos, arrancando-os do lugar fechado e lançando-os para os outros. Suas mãos e pés são o prolongamento das mãos e pés de Jesus Ressuscitado. Mãos e pés marcados com as feridas da doação, da entrega; mãos e pés carregados de vida: pés que facilitam fazer-se presentes juntos às vidas feridas, excluídas...; mãos que se fazem vida ao sustentar a vida fragilizada.

A verdadeira identidade do(a) seguidor(a) de Jesus está nas mãos e pés que se comprometem com a vida, que se humanizam e humanizam os outros. Mãos e pés que despertam as mãos e pés petrificados e atrofiados dos outros. Somos chamados a ser testemunhas das mãos e pés do Ressuscitado.

Mãos e pés ressuscitados nos fazem sair de nossos lugares fechados e estreitos, nos arrancam de nossos preconceitos e de nossos medos... e nos movem em direção a largos horizontes.

Por isso, Ressurreição é movimento e ação: é movimento, porque é saída de si; é ação porque é construção, compromisso em favor da vida.

As cicatrizes que Jesus mostrou em seu corpo depois da ressurreição, nunca desaparecerão. Trazia uma mensagem nova registrada em seu próprio corpo: que só permanecerão em nossa vida as cicatrizes deixadas pela vivência do amor e da doação. Esse é o “céu” que somos chamados a “antecipar” e a encarnar: a cultura do encontro, a presença samaritana, o cuidado amoroso, o serviço gratuito, a vida nascida do amor esculpido à imagem e semelhança d’Aquele que viveu intensamente a Paixão pelo Reino.

As “marcas” com as quais se revestiu o Filho ao vir ao mundo são aquelas que perduram, porque são próprias do Ser Divino: pobreza, transparência, simplicidade, verdade... A mesma humildade que mostrou ao vir ao mundo nos saudará às portas da vida eterna; a mesma voz que nos convocou voltará a ressoar em nossos ouvidos; o mesmo corpo, despojado e livre de artifícios, nos abraçará; Aquele mesmo que se ajoelhou para lavar os pés dos discípulos nos receberá, convidando-nos a passar adiante.

Quais costumam ser nossas credenciais quando queremos nos identificar diante dos outros? Normalmente tiramos do bolso nossa carteira de identidade. E se a coisa é mais séria, apresentamos outros documentos. Ou seja, nos identificamos com papéis.

Qual deveria ser nossa verdadeira “carteira de identidade” como seguidores(as) de Jesus? Nossas mãos abertas em sinal de acolhida; nossas mãos estendidas para levantar a quem está caído; nossas mãos calosas de partir o pão que compartilhamos, endurecidas no trabalho para ajudar nossos irmãos; nossas mãos feridas de tanto atender os demais...

Nossa carteira de identidade deveria ser os pés feridos de tanto caminhar em busca daqueles que estão longe, de tanto peregrinar saindo ao encontro do irmão solitário; pés feridos pelos constantes deslocamentos para ajudar o irmão necessitado, para encontrar nossos irmãos marginalizados nas periferias das cidades...

Mãos crucificadas; pés crucificados. Ressuscitar é despertar, levantar-se, pôr-se de pé, renascer à nova e autêntica vida no Espírito. Ressuscitar é despertar para a Vida, transformar-nos e viver para sempre...

Portanto, à luz da ressurreição, o ser humano se define pelas mãos e pés, e não pelo rosto; não adianta ter um rosto se as mãos e os pés estão petrificados. As mãos e os pés expressam aquilo que vem do coração: se o coração está cheio de medo, dúvidas, perturbações, ressentimentos, mágoas... as mãos e os pés revelam-se atrofiados; se o coração está cheio de compaixão, de acolhida, de espírito solidário... as mãos e os pés se expressam como serviço, colocando a pessoa em movimento em direção aos outros.

As mãos e os pés são os membros que nos alargam, nos ampliam para o encontro; eles nos tiram de nossa estreiteza de atitudes, de ideias... Por isso são membros que mais nos “humanizam”, ou seja, nos fazem “descer” ao “húmus” de nossa existência, ao chão da vida, abrindo-nos aos outros.

Fazer a experiência da Ressurreição é ter mãos e pés do Ressuscitado: membros a favor da vida.

    - em direção de quem nos levam os pés?

    - em favor de quem usamos nossas mãos? A serviço de quem?...

Sempre que pretendemos fundamentar a fé no Ressuscitado com nossas vazias reflexões, nós o transformamos num “fantasma”. Infelizmente, muitos cristãos só estão preocupados em seguir um “fantasma”, pois não se identificam com o Jesus histórico, comprometido com a causa dos mais pobres e excluídos; seguem uma “religião fantasma”, feita de ritualismos e devocionismos vazios, sem compromisso com a transformação da realidade injusta, geradora de crucificados; vivem uma “espiritualidade fantasma”, constituída de discursos moralistas e fixações legalistas que alimentam culpa e angústia.

Quem vive focado nos “fantasmas” não tem “feridas” a apresentar, não têm consistência humana e sua história desaparecerá como fumaça.

Para encontrar-nos com Jesus, temos de percorrer o relato dos Evangelhos: descobrir as mãos que abençoavam os enfermos e acariciavam as crianças, os pés cansados de caminhar ao encontro dos mais esquecidos; descobrir suas feridas e sua paixão. Esse é Jesus o que agora vive ressuscitado pelo Pai.

Os relatos das aparições do Ressuscitado são especialmente clarificadores e confirmadores sobre o que Ele viveu neste mundo e que permanecerá para sempre. Isso tem um significado fundamental, pois não podemos gastar energias com “fantasmas” que não deixam marcas em nossa vida e em nossa história. Só permanecem as feridas da doação, da entrega, do serviço...

Texto bíblico: Evangelho segundo Lucas 24,35-48

Na oração:

Na vivência pascal tomamos consciência de que nossas “feridas”, com seus incômodos e adversidades, são a mediação através da qual Deus “entra” em nossa vida e nos conduz a um conhecimento mais real, mais vivo e profundo do sentido de nossa própria existência. É através da integração das feridas que recebemos uma iluminação nova que nos capacita a “ordenar” a Deus todas as coisas e re-orientar para Ele toda nossa vida. Então, cresce a consciência que o mesmo Deus encontra mais facilidade de “entrar” em nossa vida através dos fracassos, feridas, fragilidades...

- Ser capaz de “celebrar os fracassos” e “dar graças pelas feridas” é sinal de maturidade espiritual.

- Por isso, a memória agradecida é o húmus natural de onde brota a gratidão, que ativa em cada um o ânimo e a generosidade diante do futuro de sua vida e missão.

sexta-feira, 5 de abril de 2024

Ressuscitar é abrir portas à vida

Texto do Pe. Adroaldo Palaoro, SJ, como sugestão para rezar o Evangelho do 2º Domingo da Páscoa (2024).

“...estando fechadas as portas do lugar onde os discípulos se encontravam...” (Jo 20,19)

O contexto do evangelho deste domingo é de obscuridade (“ao anoitecer”) e de medo (“com as portas fechadas”). Os discípulos têm a sensação de estarem sufocados, como numa prisão, na qual a inquietude, a insegurança, a confusão, o vazio, a ansiedade e a tristeza são inevitáveis. É nesse ambiente de morte que o Ressuscitado se faz presente e tudo se transforma: chega a paz e, com ela, a alegria e o consolo. 
A ressurreição de Jesus é também uma vitória solidária; Ele vai ressuscitando seus amigos e amigas, reconstruindo vidas feridas pelo fracasso e pela dor, abrindo novo horizonte de sentido e impulsionando-os a prolongarem a Sua missão.
Neste relato catequético de João, que se prolonga com a cena de Tomé, há referência a alguns dados significativos. As duas aparições acontecem “no primeiro dia da semana”; o relato está simplesmente dizendo ao leitor duas coisas: que a ressurreição é uma “nova Criação”, e que as aparições “acontecem” no domingo, na celebração comunitária da eucaristia ou “fração do pão”. 
Com isso, o relato está nos convidando a descobrir o Ressuscitado na refeição comunitária compartilhada, onde é feita a memória das palavras e atos do Jesus histórico. De fato, Tomé não “vê o Senhor” porque estava ausente, fora da comunidade.
Por outra parte, o Ressuscitado ao se colocar no meio dos seus amigos, os convoca à missão e os envia para que prolonguem seu modo original de se fazer presente entre as pessoas, durante a vida pública: “Como o Pai me enviou, também eu vos envio”. O centro da missão é a de comunicar e favorecer a vida, já que Ele veio “para que todos tenham vida, e a tenham em abundância” (Jo 10,10). A missão confiada não tem nada a ver com fazer proselitismo ou comunicar uma nova religião. É algo muito mais profundo, gratuito e descentrado. Sentir-se “enviado” é, simplesmente, reconhecer-se como “canal” através do qual a Vida flui e se expressa; é possibilitar que todos possam viver já como ressuscitados.
Mas Jesus sabe que seus discípulos são frágeis. Mais de uma vez ficou surpreso com a fé tão pequena deles. Precisam de seu próprio Espírito para cumprir a missão. O leitor do evangelho já sabe que uma das grandes promessas de Jesus foi o dom do Espírito. Por isso, Ele se dispõe a fazer com os discípulos um gesto muito especial. Não lhes impõe suas mãos nem os abençoa, como fazia com os enfermos e os pequenos; “sopra sobre eles” e lhes diz: “recebei o Espírito Santo”.
O gesto de Jesus tem uma força que nem sempre conseguimos captar. O verbo “soprar”, usado por João, é o mesmo que encontramos em Gn 2,7. Segundo a tradição bíblica, Deus modelou o ser humano de barro e logo soprou sobre ele seu “alento de vida”; e aquele “barro” se tornou um ser “vivente”.
Isso é o ser humano: um pouco de barro, mas, ao mesmo tempo, portador da “Ruah de Deus” (Espírito). Agora Jesus lhes comunica o Espírito da verdadeira Vida. Trata-se da nova criação do ser humano. Essa nova Vida é a capacidade de amar como Jesus ama. O Espírito é o critério para discernir as atitudes que brotam dessa Vida. Jesus “desperta” seus discípulos para que se façam conscientes do dinamismo e da força do Espírito que os re-cria. É este Espírito que “rompe” o que está fechado, que derruba o que aprisiona, que mobiliza quem está paralisado.
Assim somos todos, seguidores(as) de Jesus: frágeis e de fé pequena, cristãos de barro, comunidades de argila... Só o Espírito de Deus nos converte em comunidade viva. Onde este Espírito não é acolhido, tudo permanece morto e causa danos a todos, pois impede atualizar sua presença viva entre nós.
Atualizando este texto, podemos dizer que o Espírito Santo hoje está “fechando muitas portas” de um tipo de sociedade, de economia, de política, de templos... que não geram vida, mas discriminação, violência, ódio e intolerância. O contexto tecnocrático pós-moderno e o sistema político-econômico vigente provocam mortes e vítimas. Não nos parece estranho que o Espírito feche portas e que isto gera em nós uma sensação de fracasso, de incertezas sobre o futuro, de caos e confusão.
Mas o Espírito, soprado pelo Ressuscitado, está “abrindo para nós outras portas”: um outro mundo possível, com uma economia solidária, com prioridade dos pobres e descartados da sociedade, um mundo mais ecológico, mais simples e participativo, que não invista em armas, mas em saúde e trabalho, um mundo mais interconectado e pacífico, mais próximo do projeto do Reino de Deus.
Para nós cristãos, o Espírito também nos abre uma porta para uma Igreja menos clerical e mais sinodal, a uma vida cristã com maior participação comunitária de todo o Povo de Deus, não fechado nos templos cumprindo práticas religiosas alienadas, mas formando uma “Igreja em saída”, mais fermento que cimento. Não tentemos abrir as portas que o Espírito já fechou!
Assim, a Páscoa se torna Pentecostes. Mas isto não é algo mágico pois pede a nossa colaboração, nossa criatividade, iniciativa e conversão para construir entre todos um mundo diferente, solidário e justo, para transfigurar esta realidade e abri-la à nova Terra, a uma Vida sem fim, o Reinado de Deus.
Seremos capazes de discernir hoje, nestas portas que se fecham e se abrem, um novo sinal dos tempos, uma sempre nova e surpreendente ação do Espírito do Ressuscitado?
O mundo, aparentemente, continua igual, parece que não aconteceu nada relevante. A Ressurreição é também gestada na simplicidade do cotidiano e no extraordinário do ordinário. As mesmas “marcas” da Encarnação de Jesus, como as que estiveram presentes em sua vida e em sua paixão, continuam no acontecimento último de sua ressurreição gloriosa: o grão de trigo, o fermento na massa, a semente de mostarda, a moeda perdida e encontrada, a ovelha nos ombros, o semeador, a pequena esmola da viúva, os lírios do campo...; aí está a força do Vivente que não obriga, não se impõe, nem quebra, nem rompe; continua em meio a nós, na casa, na família, no povo, nos caminhos, lagos, esquinas da vida... As contas estão claras, na simplicidade e na humildade extrema, a tumba não pode reter nem acabar com o amor de Deus que se manifestou em Jesus de Nazaré. Já nada poderá nos separar desse amor, nem mesmo a morte que foi vencida e ultimada em uma vida que nunca acaba porque está cheia de plenitude, vida gloriosa e eterna.
Esta experiência de graça pascal pertence a toda comunidade cristã; não está reservada aos “doze” ou a alguns “iniciados”; todos com a mesma experiência; todos com a mesma missão. Falamos da grande comunidade de seguidores(as) que escutam a Palavra e recebem o “sopro” de Jesus. A Igreja inteira, a partir do dom pascal de Cristo, é sinal e princípio de paz, de perdão e de consolo sobre a terra. Ali onde a paz e o perdão se expressam e se “fazem carne” numa comunidade, está presente e se faz visível o Senhor Ressuscitado.

Texto bíblico: Evangelho segundo João 20,19-31

Na oração: 
Aguce seus sentidos, abra o coração; há tantos que não podem mais esperar, pois ansiosos aguardam uma presença que acolha e uma palavra que os anime.
- Seja presença pacificadora e consoladora junto a tantos que vivem nos “túmulos” do fracasso e da dor. 
- Ative seus impulsos de vida para que a Ressurreição seja um permanente “modo de viver”.


Domingo de Páscoa

 Texto do Pe. Adroaldo Palaoro, SJ, como sugestão para rezar o Evangelho do Domingo da Ressurreição do Senhor (2024).

quarta-feira, 20 de março de 2024

Domingo de Ramos

Texto do Pe. Adroaldo Palaoro, sj, como sugestão para rezar o relato da "Entrada de Jesus em Jerusalém" - Domingo de Ramos.

Humanizar nossa Jerusalém através de relações mais amorosas

Depois de um longo percurso quaresmal chegamos às portas das celebrações centrais da nossa vida cristã: Paixão, Morte e Ressurreição de Jesus Cristo.

Nas celebrações da Semana Santa, muitas vezes corremos o risco de nos deter no secundário e esquecer o essencial. E o mais essencial é que as diversas celebrações (procissões, via sacra, liturgias...) nos aproximem e nos façam crescer na identificação com o protagonista principal: Jesus de Nazaré.

Por isso, precisamos voltar constantemente ao Evangelho para compreender o mais essencial sobre Jesus. Recuperemos, como diz o Papa Francisco, o frescor original do Evangelho.

E a primeira coisa que o Evangelho nos diz é que Jesus foi um buscador de alternativas.

Ele não foi conivente e nem compactuou com a estrutura social-política-religiosa de seu tempo, que era profundamente desumanizadora. Sonhou novas possibilidades de vida e novas relações entre as pessoas. Por isso, ao anunciar o Reino, transgrediu a situação vigente e, a partir das periferias, foi despertando uma alentadora esperança nos corações dos mais pobres e excluídos, vítimas de um mundo fechado.

Jesus sempre sonhou com uma “nova humanidade”.

A Campanha da Fraternidade deste ano (“Vós sois todos irmãos”) constata esta realidade: há profundas divisões e conflitos em nossa sociedade, rompendo as relações fraternas e acentuando mais ainda os diferentes distanciamentos que estavam escondidos, mas que agora vieram à tona com mais força. A Paixão de Jesus continua na paixão dos excluídos, das vítimas e de todos os rejeitados de nossos ambientes.

A vida de Jesus foi uma grande subida em direção a Jerusalém; e nesta subida, segundo os relatos evangélicos, Ele desconcertou a todos. Evidentemente, desconcertou as pessoas mais religiosas e observantes da religião judaica: fariseus, escribas, sacerdotes, anciãos...

Ele desencadeou na história da humanidade um “modo de viver” que quebrou toda estrutura petrificada, sobretudo religiosa, constituindo um “movimento” ousado que colocava o ser humano no centro.

Este movimento, desencadeado na Galileia, chega agora às portas da “cidade santa”, Jerusalém. Aquele homem que movia multidões por todo o país, por sua pregação e milagres, não é um revolucionário violento. E, no entanto, nem por isso deixou de ser provocativo, transgressor e perigoso. E tudo em nome da vida.

Jesus participava do sonho de todo o povo de Israel que via em Jerusalém a cidade da promessa de paz e plenitude futura, lugar para onde deviam vir em procissão todos os povos da terra. A tradição profética havia anunciado uma “subida” dos povos, que viriam a Jerusalém para iniciar um caminho de comunhão, de justiça e adorar a Deus no Templo, que estaria aberto para todos. Toda a cidade se converteria num grande Templo, lugar onde se cumpriria a esperança dos povos.

Jesus, presença de vida nos povoados, vilas e campos, quis também levar vida a uma cidade que carregava forças de morte em seu interior. Ele quis pôr o coração de Deus no coração da grande cidade; desejava re-criar, no coração da capital, o ícone da nova Jerusalém, a cidade cheia de humanidade e comunhão, o lugar da justiça e fraternidade...

Jesus entra na grande cidade de Jerusalém montado num jumentinho, sinal da humildade e da simplicidade; sinal da pobreza evangélica, que são os verdadeiros sinais de sua messianidade. E morrerá desnudo em uma cruz, em meio às chacotas e burlas de todos.

Não basta pregar a pobreza; é preciso descer ao mundo dos pobres. Não basta falar dos pobres; é preciso fazer-se pobres com os pobres, partilhando a mesma pobreza. É preciso menos sapatos lustrados e mais pés cheirando a pó dos caminhos. Deus não necessita de Ferraris e Mercedes; a Deus lhe basta um jumentinho.

As nossas cidades também estão se revelando, cada vez com mais intensidade, como espaço de grandes rupturas e violências, lugar de exclusão e isolamento, visibilização de uma desumanização trágica.

Também os muros estão voltando à moda. Há em todo ser humano uma tendência a cercar-se de muros, a encastelar-se, a criar uma rede de proteção. Os muros, no interior das cidades, são muito concretos: muros sociais, religiosos, políticos, culturais... Com tantos muros é impossível estabelecer relações de fraternidade e reconciliação.

O gesto profético de Jesus de “entrar em Jerusalém” nos convida a contemplar nossas cidades e nos desafia ser presença evangélica, portadora de vida nos nossos grandes centros urbanos.

Por causa de seu tipo de vida e de sua espiritualidade, o(a) seguidor(a) de Jesus desenvolve uma relação específica com o espaço urbano. Para ele(ela), a cidade é também o espaço para a busca e o encontro de Deus. Podemos falar de um “típico modo de proceder cristão” em sua referência ao espaço urbano.

A cidade é uma realidade humana que pode e deve ser iluminada pelo Evangelho, sustentada pela graça, animada pela esperança da vinda do Reino. É necessário aprender a ler a cidade com os olhos caridosos, pacientes, misericordiosos, amigos, fecundos, cordiais...

É preciso reconhecer o bem profundo que habita o coração de tantas pessoas da cidade; é necessário perceber e sentir a força da ação do Espírito em cada canto da cidade e em cada rosto anônimo que encontramos.

Deus constrói a cidade perene, a cidade sem muralhas, a cidade da plenitude e da amizade, a cidade da fraternidade na qual todos se reconheçam como irmãos e irmãs sob um único Nome e sob um único Céu. Deus é o grande arquiteto; é Ele quem constrói, para a humanidade, a imensa cidade na qual todos se reconhecem fraternos, próximos, ternos...

Como seguidores(as) de Jesus, é preciso voltar a pôr o coração de Deus no coração da grande cidade”, para renová-la a partir de dentro.

Faz-se necessário uma opção por adentrar e viver imersos, com todas as consequências, no interior dos grandes centros urbanos, em seu coração, para aí descobrir o verdadeiro coração de Deus, que pulsa ao ritmo dos despossuídos, dos excluídos, dos sofredores e dos sedentos por uma vida mais digna.

Nosso zelo e amor pelo Evangelho e pela semente do Reino que nele está contida, deve favorecer o advento de uma “Nova Jerusalém”; é preciso cuidar o coração do “ser humano urbano”, esvaziá-lo, limpá-lo, aquecê-lo, transformá-lo em humilde receptáculo, para que o Espírito do Senhor possa pousar-se e habitar nele como num ninho acolhedor, transmitindo-lhe vida, luz, calor, paz, ternura...

Uma das tarefas prioritárias do cristão de hoje é ajudar as comunidades cristãs a criar espaços fraternos de silêncio, de oração, pulmões que impedirão a asfixia de nossas grandes cidades;

* encontrar lugares de silêncio pacificador” na vida pública;

* nossas instituições devem ser escolas do silêncio habitado”.

A espiritualidade urbana deve nos possibilitar “paradas” com a finalidade de olhar em profundidade e “ler” tudo à luz da Palavra de Deus. A cidade é o lugar por excelência do discernimento, porque é o espaço de decisão onde se constrói o futuro comum. Lugar da política, da cultura, da educação, da saúde...  onde se forjam as mudanças, a capacidade de criar novos modos de existir, de romper com as estruturas que desumanizam e buscar o diferente, o novo, o desconhecido...

Para oração:

+ Leia atentamente o Evangelho indicado para a procissão de ramos; prepare-se para fazer uma contemplação: Mc 11,1-10

+ Com a imaginação recrie o cenário evangélico: a cidade de Jerusalém, o grande Templo, a diversidade de pessoas... Com a chegada de Jesus, montado em um burrinho e uma grande multidão, faça-se presente, procurando olhar as pessoas, escutar o que elas dizem, observar o que elas fazem...

+ Faça um colóquio com Jesus, expressando sua admiração pela atitude ousada e corajosa dele. Fale com Ele sobre sua presença na cidade onde mora: desejo de ser presença inspiradora, profética, de compromisso com a construção de relações humanizadoras...

+ Traga à “memória” o que é mais desumano na sua cidade: como você reage diante disso? passivo? suporta? denuncia? atua?...

+ Procure descobrir “sinais do Reino de Deus” no meio do ritmo frenético de sua cidade.

+ Traga à mente nomes de pessoas corajosas e criativas que contagiam e fazem crescer a esperança na sua cidade.

sexta-feira, 15 de março de 2024

Desata a Vida de Deus que já Está em Ti!

Texto do Pe. Adroaldo Palaoro, sj, como sugestão para rezar o Evangelho do 5º  Domingo da Quaresma (2024).

 “Quem se apega à sua vida, perde-a” (Jo 12, 25)

O percurso quaresmal está chegando ao seu cume; aproxima-se o desenlace final de uma vida entregue em favor da vida. Jesus sente o clima pesado de rejeição por parte das autoridades religiosas. Estamos no cap. 12 do quarto evangelho. Depois da unção em Betânia e da entrada triunfal em Jerusalém, e como resposta aos gregos que queriam vê-lo, João põe na boca de Jesus um pequeno discurso que não responde nem aos gregos, nem a Felipe e André. Mais uma vez Jesus fala da Vida, da sua vida; Ele tem plena consciência que não viveu em vão: viveu des-centrado, investiu suas melhores energias vitais em favor de uma causa, sua vida deixou transparecer um profundo sentido.

Compreendemos melhor o evangelho deste domingo se o situamos no contexto da última viagem de Jesus a Jerusalém: nesta viagem se entrelaçam a vida e a morte com muita força.

E, ao chegar a Jerusalém, proclama de novo o triunfo da vida, como fizera durante sua itinerância pela Galileia. Ele nos revela esta verdade, nem sempre muito clara para nós: embora pareça que a vida se decompõe como o grão de trigo, na realidade, o que acontece é uma eclosão de sua fecundidade. Embora pareça que amar os outros e entregar a vida, dia após dia, é uma perda, na realidade é o maior ganho, porque nossa limitada vida se transforma numa vida plena, intensa, com sentido (eterna). Embora pareça que pôr-se a serviço do Reino é perder a liberdade, na realidade significa investir o melhor que há em nós, potencializando nossos recursos para investir numa causa mobilizadora, que é a causa do mesmo Jesus. Embora estejamos tão perturbados como Jesus, desejando que nos livre de qualquer processo que conduza ao sofrimento e à cruz, há um horizonte de glorificação e plenitude. Onde nos situamos neste confronto entre a vida e a morte?

A vida e a morte não são inimigas que se destroem; elas são amigas, irmãs inseparáveis.

Morre-se ao longo da vida. Este é o caminho normal de morrer.

A vida é o lento amadurecer da morte. Morre-se na vida, durante a vida, na medida em que a morte é fruto maduro das opções de toda a vida. As decisões fazem e farão a nossa morte. A morte nos ronda e nós rondamos a morte. “Começamos a morrer no dia em que nascemos”.

A experiência cristã nos revela o caminho de uma morte preparada ao longo da vida, porque a entende em relação com a vida e a vida em relação com a morte. Vida sem morte é irresponsável; viver sem morrer é viver menos. Tira a seriedade da vida.

Só assumida em liberdade e ativamente, a morte se humaniza. Na fé, cristianiza-se.

A consciência de nosso próprio fim nos leva a pensar num sentido para a existência, para que não termine no vazio e no absurdo. Podemos afirmar, então, que “a morte está na vida”.

Entre os valores humanos fundamentais está o sentido.

A questão do “sentido da vida” ou a “vida com sentido” é fundamental na existência humana.

- Por que vivemos? Para que vivemos? Quanto vale uma vida e o que vale na vida?

- Quem quer ficar ancorado? Quem não aspira preencher a própria vida de relatos, encontros, paixões,

gestos, lições, projetos, ideias e sentimentos?

Qual o sentido da vida? Pergunta inquietante e parece que todos são por ela assombrados de vez em quando: “vale a pena viver?”

Ninguém tem uma razão pela qual viver se não tem ao mesmo tempo uma razão pela qual morrer.

O ser humano tem necessidade de uma causa, de canalizar todas as suas forças, seus desejos, energias, impulsos vitais e recursos internos e externos em direção a um objetivo no qual acredita apaixonadamente. E a ele dedicar-se com tudo que é e possui. Com intensa paixão.

Sabemos que, para viver uma vida verdadeiramente humana, precisamos de sentido. Segundo Nietzsche, “aquele que tem um porquê pelo qual viver pode tolerar praticamente qualquer como”.

Para Victor Frankl, fazemos a experiência do “sentido da vida” quando respondemos aos questionamentos da situação concreta em que vivemos, permitindo-nos a nós mesmos confiar em um “sentido último” que podemos chamar ou não de Deus.

Ao perder o sentido de sua origem e do seu fim, o ser humano perde o sentido da própria vida.

Portanto, o sentido da vida é algo que experimentamos visceralmente, sem que saibamos explicar ou justificar. Não é algo que se constrói, mas algo que nos ocorre de forma inesperada e não preparada, como uma brisa suave que nos atinge, sem que saibamos de onde vem nem para onde vai; é uma intensificação da vontade de viver a ponto de nos dar coragem para morrer por aquela causa que dá à vida o seu sentido.

É uma transformação de nossa visão de nós mesmos e do mundo, na qual as coisas se integram como uma melodia; isso nos faz sentir reconciliados com o universo ao nosso redor, possuídos por um sentimento oceânico, sensação inefável de eternidade e infinitude, de comunhão com algo que nos transcende, envolve e embala, como se fosse um útero materno de dimensões cósmicas.

Por trás do ritmo acelerado e estressante dos nossos tempos, esconde-se um enfraquecimento do sentido da existência. A crise pós-moderna que vivemos revela este traço sinistro: as pessoas não percebem mais razões e causas pelas quais se entregar, pelas quais dar a vida. E assim não encontram igualmente motiva-ções para viver intensamente. Segundo S. Inácio, uma pessoa vale pela causa à qual se entrega.

Muitas vezes, nossas fomes viscerais, nossos desejos que nos devoram as entranhas, nossos sonhos que nos inquietam... não encontram canais amplos para jorrar. E então se atrofiam, permanecendo reféns de uma triste mediocridade. “E a mediocridade não tem lugar na cosmovisão de Inácio” (Pe. Kolvenbach).

Surge então a “normose” que mina as forças, atrofia os sonhos e mata a criatividade. E o pior de tudo: anestesia a paixão. Se não há paixão naquilo que fazemos, tudo vira rotina cansativa, não há empenho e nem compromisso possível.

Viver a fundo” é não passar pela superfície da vida, é não perder a capacidade de amar, de vibrar, de buscar... Aqueles que são movidos pela paixão apostam que o ser humano tem potencial criador e foi feito para voar alto, para tentar, mil e uma vezes, alcançar cumes distantes.

Inspirados pelo evangelho deste domingo, somos convidados a tomar consciência de como estamos gerenciando esta dinâmica: viver para nós mesmos (ego) ou entregar a vida (oblação).

Enquanto o ego for o centro, doar soa estranho; ele só se preocupa consigo, conquista, executa, quer ser o melhor (“se outros perdem, eu ganho”) e é obeso por natureza (ego inflado); devorador.

Se alguém quer me servir, siga-me...”. “Diakonos” significa servir, mas por amor. É no serviço e no seguimento de Jesus que as potencialidades de vida são ativadas.

Jesus convida a segui-lo no caminho que acaba de traçar, ou seja, doar a vida a serviço da vida. Seguir Jesus é entrar na esfera do divino, é deixar-nos conduzir pelo Espírito. Nossa vida só se reveste de pleno sentido quando se põe a serviço da Vida maior. Participando da morte de Jesus, podemos também fazer de nossa morte um ato de decisão, de entrega, de oblação.

Texto bíblico: Evangelho segundo João 12,20-33

Na oração:

Examine, à luz do coração misericordioso do Pai, o percurso quaresmal vivido; des-velar estas três dinâmicas: a da gratidão, a do perdão e a da compaixão.

Em que medida elas se fizeram presente ao longo deste tempo litúrgico.

- São três atitudes que mobilizam o “melhor” que há em cada pessoa; três dinamismos que dão sentido à própria existência e abrem horizontes inspiradores; três forças que revelam a essência da vida cristã: identificação com Aquele que as viveu em plenitude.

terça-feira, 5 de março de 2024

Quaresma, tempo para ativar a luz interior

Texto do Pe. Adroaldo Palaoro, sj, como sugestão para rezar o Evangelho do 4º  Domingo da Quaresma (2024).

“Quem age conforme a verdade aproxima-se da luz, para que se manifeste que suas ações são realizadas em Deus” (Jo 3,21) 

Avança o tempo quaresmal e, neste quarto domingo, nos encontramos com um discurso de Jesus, essencial para compreender seu percurso até a Páscoa. Este texto faz parte do profundo diálogo que Ele manteve com Nicodemos. Este era um rico fariseu, mestre em Israel e membro do Sinédrio, mas com uma concepção do judaísmo mais aberta e com o convencimento de que Jesus era um enviado do Deus de Israel.

Nicodemos foi encontrar-se com Jesus de noite; não queria ser visto pois não lhe convinha. Sua boa reputação como mestre fariseu poderia vir abaixo se as pessoas descobrissem que ele foi ao encontro de Jesus, aquele que, com sua presença, havia provocado agitação na cidade de Jerusalém.

Na realidade, a noite não só era o cenário que o envolvia; Nicodemos precisava de luz diante da obscuridade que o habitava. Suas dúvidas sobre quem era Jesus iam crescendo na medida que este realizava sinais em meio ao povo.

O evangelho deste domingo poderia ter vários títulos, todos eles interessantes: aqueles que buscam na noite da vida; os cristãos anônimos noturnos; diálogo noturnos que falam de grandes amanheceres...

De fato, nesse encontro entre Nicodemos e Jesus fala-se de “grandes amanheceres”. É possível que Nicodemos visse algo estranho e interessante em Jesus e procurasse cooptá-lo para seu grupo.

E, no entanto, Jesus inverte totalmente a situação e lhe faz grandes anúncios.

Talvez, se não tivesse sido de noite, Nicodemos não teria se colocado em caminho. Ele é nosso espelho; o que acontece com ele, também se faz presente em todos nós.

Assustam-nos as dúvidas, as interrogações, as dificuldades que encontramos para entender o que acontece ao nosso redor e em nosso próprio interior. Mas, bendita noite que nos inquieta e nos tira de nossa anestésica comodidade! Bendita noite que nos move a nos perguntar os “porquês” e os “comos” e põe em questão nossa vida! Bendita noite que nos faz buscadores de sentido!

Por isso, o mestre busca o Mestre, o homem busca o Homem. E este lhe fala de “nascer de novo”, de nascer do Espírito. “Como pode ser isto?” E Jesus re-situa Nicodemos em seu caminho de fé.

Jesus, conhecedor de nossa humanidade, confirma a Nicodemos a existência da noite, a sua e a do mundo. Fala-lhe de obscuridades, da cegueira que nos leva, às vezes, a amar mais as trevas que a luz, do mal que provoca infelicidade.

Com suas palavras e ações, Jesus colocou em questão as verdades mais profundas de Nicodemos, aquelas certezas que o haviam configurado, aqueles pilares sobre os quais havia assentado, até então, sua vida e seu ensinamento da Lei.

Jesus reaviva sua memória para que Nicodemos não fique aí: “Deus não enviou seu Filho ao mundo para condenar o mundo, mas para que o mundo seja salvo por ele”. Jesus lhe oferece palavras de vida, que lhe recordam a possibilidade de eleger o bem, de agir na verdade, de caminhar para a luz.

E assim, no meio da noite, Nicodemos recupera a luz. Porque Jesus é a Luz; o Amor é a luz.

Foi a Ele de noite, e n’Ele encontrou a luz.

Uma luz tão intensa que o tirou de sua obscuridade, transformando sua vida; e, na morte de Jesus, será o próprio Nicodemos quem abraçará o corpo do crucificado para envolvê-lo em lençóis e perfumes.

O mestre dando testemunho público de seu amor ao Mestre; o homem fazendo-nos fixar nosso olhar no Homem, levantado na Cruz, para que n’Ele encontremos a Luz.

Quaresma é um tempo privilegiado para “descer” em nossas noites e responder estas perguntas: por que fugimos tanto de nós mesmos e de Deus? Por que preferimos viver iludidos, sem buscar a luz presente no nosso próprio interior? Porque costumamos praticar essa mentira com muita frequência: pensamos de um modo, mas em nossa maneira de viver não atuamos como pensamos, senão que buscamos manter as aparências, para que os outros tenham boa imagem de nós?

Jesus desmascara nossas mentiras existênciais; é preciso escutar suas palavras: “Quem age conforme a verdade aproxima-se da luz, para que se manifeste que suas ações são realizadas em Deus”.

O símbolo da luz está muito presente na Bíblia (e na vida). A luz é o princípio da criação da vida (Gn 1,3). O povo que vivia nas trevas, viu uma grande luz (Mt 4,16). Eu sou a Luz do mundo (Jo 8,12; 9,5).

A primeira ação e palavra de Deus no relato da Criação é precisamente dar existência à Luz, a Luz que é a

consciência e a capacidade de compreender, de dar sentido à realidade criada. Deus separa a Luz das trevas e o evangelho de hoje nos recorda que viver na Luz nos encaminha para a verdade do que somos.

Podemos eleger entre viver a partir da força da Luz, que nos move a fazer o bem, a realizar ações inspiradas pelo Deus-Amor, a co-criar uma nova humanidade..., ou viver a partir da tirania das trevas que nos enreda na obscuridade das armadilhas, justificações e a supremacia de nossos egos. Caminho complexo, de avanços e retrocessos, mas se nos situamos sob a influência da Luz poderemos avançar sem perder o horizonte da Vida eterna, eternizando a nossa vida, como plenitude do que já somos, mas ainda não plenamente.

Costumamos empregar o símbolo da luz nos momentos mais importantes da vida: as mães “dão à luz”. Quando alguém morre, pedimos a Deus Pai que lhe “conceda a luz eterna”. Em situações difíceis não vemos a luz, a saída. Às vezes, nos encontramos com pessoas que “não tem luz” ou nós mesmos somos carentes de luz por fraqueza, cansaços, falta de sentido etc.

Como cristãos, nos aproximamos d’Aquele que é a Luz, para que Ele ilumine nossa vida e nós transmitamos, reflitamos um pouco de Sua luz. Como cristãos, somos como João Batista: não somos a luz, Cristo é a luz.

A vida nos convoca a ser luz: como pais e mães de família que iluminam a vida de seus filhos; como companheiros e amigos que se iluminam mutuamente; uma comunidade religiosa deve deixar transparecer a luz presente em cada membro; a responsabilidade de um educador, de um mestre é grande à hora de iluminar, de ensinar mais com seu testemunho que com sua ciência; os psicólogos, os médicos iluminam também a vida, os problemas das pessoas; os presbíteros, os catequistas tem a responsabilidade de transmitir a luz de Cristo. A luz cristã está presente nos corações compassivos e misericordiosos.

A chama não precisa fazer um “esforço” para iluminar. Na nossa essência, já somos luz, carregamos a chama da luz divina; o que se requer de nós é não bloqueá-la. Isso implica atitudes de autenticidade e de transparência; “andar na verdade”.

Assim como a chama ilumina por si mesma, a luz brota em nós quando vivemos de uma maneira oblativa, sendo canais transparentes pelos quais ela flui. A nós, como a chama, basta ser o que somos e viver em coerência com isso. Então, crescerá em nós uma atitude de esvaziamento do ego e de liberdade interior: deixaremos que a Vida flua, sendo presenças iluminantes em cada recanto e em cada situação de nosso cotidiano. Sejamos transparência da luz divina!

Texto bíblico: Evangelho segundo João 3,14-21

Na oração:

Verificar, diante de Deus, se a experiência quaresmal está despertando em seu interior a faísca da luz divina, que o(a) tornará lúcido(a) para dar uma direção oblativa à sua vida; ao mesmo tempo, confirme se esta luz se revela como inspiração para viver o espírito solidário e o compromisso com aqueles que estão perdidos no mundo das trevas e da exclusão.