sábado, 29 de dezembro de 2018

ESPAÇO FAMILIAR: tempo de enraizamento mística do encontro no cotidiano

Apresentamos a seguir o texto do Pe. Adroaldo Palaoro, sj (Centro de Espiritualidade Inaciana - CEI), como sugestão para rezar o Evangelho da Festa da Sagrada Família.


“Jesus desceu então com seus pais para Nazaré...” (Lc 2,51).

Nazaré é a escola do Filho de Maria, rodeado de gente comum, com sua paisagem natal, sua linguagem, seu modo pessoal de ser e viver, sua conduta, sua fé...
Na “vida oculta em Nazaré” encontramos os “nomes” e “verbos” nos quais Deus falou em Jesus e onde continua nos falando hoje. Ali Ele se faz “um entre tantos”, vizinho com os vizinhos, trabalhando com os que trabalhavam, acolhendo a vida cotidiana em toda sua riqueza e limitação. Ele é “o filho do carpinteiro”.
Para Jesus, Nazaré é um tempo de aprendizagem: olha, escuta, observa tudo o que acontece nesta escola do cotidiano. Exercício de preparação diante das urgências do Reino. “Tempo de enraizamento...”.
Jesus conheceu a dor real do povo, na escola do Pai, que é a escola da vida humana, em contato com as necessidades dos mais pobres e excluídos, em solidariedade laboral. Assim aprendeu a ser humano, ouvindo os gritos dos homens e mulheres de seu entorno, expulsos, oprimidos, como ovelhas sem pastor. Não teve que entrar no lugar da exclusão a partir de fora: cresceu ali dentro.

Na escola da vida, comum e cotidiana, Jesus também foi aprendiz.
O artesão de Nazaré nos ensina o valor das coisas cotidianas quando são feitas com dedicação e carinho.
Nesta “ocultação”, estava assumindo a condição da imensa maioria dos mortais deste mundo, dos homens e mulheres “comuns”, daqueles que vão trabalhar ou estão sem emprego, daqueles que precisam “ganhar a vida”, porque na vida não encontram seu lar, daqueles que são pura estatística...
Aprender é consequência básica da dinâmica da Encarnação. Lucas confirma:
                “Jesus crescia em sabedoria, estatura e graça, diante de Deus e diante dos homens” (Lc. 2,52).
Portanto, Jesus viveu a vida como um processo lento e progressivo, a partir da própria condição humana no meio do povo e em vista do Reino de Deus, graças a uma criatividade transformadora.
Foi no cotidiano familiar que Ele aprendeu, aos poucos, a ampliar seus horizontes, seus interlocutores e o sentido de sua missão. É a vida cotidiana que nos revela que Jesus foi uma pessoa nitidamente humana e humanizante, que vivenciou um processo de maturação, de releitura de suas tradições e assimilação do novo, até chegar à proposta original da Boa-Nova.
Foi no cotidiano que Jesus viveu a “mística do encontro”: viveu intensamente, em primeiro lugar, o encontro com o Pai, conhecendo e realizando Sua Vontade; foi em Nazaré que aprendeu a valorizar e a saborear o encontro com todas as pessoas. Encontros humanizadores que O humanizaram.

Na sua vida em Nazaré Jesus nos convida a entrar na sua casa para aprender d’Ele e com Ele os valores próprios de uma família. É difícil compreender a “normalidade” da vida de Jesus; parece até que o Reino não tinha exigências sobre a sua vida. Identificando-se com a vida de todo mundo mostrava que a salvação não consistia em coisas extraordinárias e em gestos fantásticos, mas na “adoração do Pai em espírito e verdade”. Jesus passou praticamente toda sua Vida nesta humilde condição; viveu desapercebido como Messias. Pois o Reino se revela no pequeno, no anônimo e não no espetacular, no grandioso. Ele está misteriosamente se realizando entre nós.
Nazaré é o sinal da “epifania” de Deus nas pequenas coisas, é o sinal da palavra divina escondida nas vestes humildes da vida simples, é o sinal do sorriso de Deus que se faz visível nos espaços comunitários.
Tanto em Nazaré quanto na vida pública, Jesus nos comunica uma profunda união com o Pai, vivendo uma oração confiante e de entrega.
Jesus sente quando o Pai o chama a mudar o estilo de vida escondido. Ele está atento aos “sinais dos tempos e saberá discernir, nesses sinais, a Vontade do Pai que o chama a mudar de caminho, a deixar sua terra, a lançar-se numa aventura. Começará, então, uma vida itinerante, missionária, despojado de tudo.

No espaço familiar, em Nazaré, Jesus se revela, para todos nós, como presença inspiradora neste momento em que as transformações são rápidas e exigem de nós maturidade, aprendizado, diálogo, novas expressões de fé... Um dos desafios da espiritualidade atual é motivar a viver a vida em profundidade, apesar da aridez do deserto do cotidiano.
O ritmo da sociedade atual e, sobretudo, o culto à novidade, ao efêmero, ao superficial, ao consumismo, pede de nós recuperar a dimensão de profundidade em nossa vida cotidiana.
O chamado universal à santidade nos faz confiar profundamente na vida cotidiana, ou seja, no dia-a-dia da vida familiar, no exercício da profissão, nas relações da vida social, nas decisões éticas, na ação cidadã, no
campo dos direitos humanos,  da economia, na presença ativa da política, no mundo da cultura, no cuidado e preservação da vida, no diálogo com os meios de comunicação..., como “lugares agraciados” de encontro com Deus e manifestações explícitas de compromisso cristão.

Custa-nos muito descobrir a “espiritualidade da vida familiar cotidiana”, a vida de cada dia nos parece sem sentido, sem muito destaque e sem muitos fatos extraordinários; temos ainda muito que aprender da vida cotidiana do artesão de Nazaré.
Precisamente a vida cotidiana é o lugar privilegiado para descobrir Deus (“por onde passa meu Senhor”), sentir o sabor da Sua presença que permanece. Os lugares cotidianos são “lugares sagrados” de encontro com o Senhor da Vida.
Encontrar a Deus no cotidiano significa que é preciso viver em um contexto vital no qual cada um se sinta estimulado a tomar decisões, a assumir responsabilidades, grandes e pequenas, a cuidar pessoalmente dos processos concretos da vida de cada dia.
É vital descobrir se nossa vida cotidiana é egocêntrica ou excêntrica, se tem a marca da “cultura do encontro” ou da “cultura da indiferença”, se a missão de nossa vida nos projeta para o compromisso com o outro, se temos paixão pelo Evangelho encarnado nos ambientes onde nos fazemos presentes cotidianamente.

A realidade cotidiana da nossa Nazaré é o lugar onde somos chamados a viver a espiritualidade cristã e a deixar-nos conduzir pelo mesmo Espírito que animou Jesus e o levou a inserir-se na trama humana e a assumir o risco da história. Ser seguidor(a) de Jesus, inserido(a) no mundo, em meio às agitações cotidianas, é acima de tudo tê-Lo como inspiração de vida: suas palavras, suas ações, sua relação com o Pai e com os outros...
A espiritualidade cristã é a espiritualidade do cotidiano, que conserva sua força transformadora, que é capaz de despertar o espanto e a admiração, apontando sempre para um horizonte mais amplo e mais rico;
é a espiritualidade que reacende desejos e sonhos novos, que suscita energias em direção ao mais;
é a espiritualidade que faz descobrir, escondida no cotidiano, uma Presença absoluta que nos envolve;
é a espiritualidade que faz saborear o eterno e o Absoluto no ritmo doméstico e cotidiano da vida...;
é a espiritualidade que projeta a vida a cada instante; abre espaço à ação do Espírito para que Ele nos expanda, nos alargue e nos impulsione em direção a uma nova humanização.



Textos bíblicosLc 2,41-52

Na oração:
A vida cotidiana exige não apenas fidelidade, mas também amor, gratuidade. É o lugar que inspira a viver encontros com a marca da surpresa, da acolhida do diferente, do respeito ao outro...

- Como é o seu cotidiano? Rotina e repetição ou desafio e criação? Espaço de encontros inspiradores ou ali-mentador da indiferença? Nele há lugar para a esperança e para o novo?

segunda-feira, 24 de dezembro de 2018

NASCIMENTO DE JESUS: Deus se deixa encontrar nas periferias

Apresentamos a seguir o texto do Pe. Adroaldo Palaoro, sj (Centro de Espiritualidade Inaciana - CEI), como sugestão para rezar o Evangelho da noite de Natal.
Desejamos a todos(as) uma santa e criativa celebração natalina; que a experiência de "descida" à Gruta de Belém inspire uma maneira original de ser e de estar no mundo.
Um Santo Natal a todos(as).

“Ela o enfaixou e o colocou na manjedoura, pois não havia lugar para eles na hospedaria” (Lc 2,7)

No Natal celebramos esta realidade: Deus “se fez diferente” e é na “diferença” que Ele vem ao encontro do ser humano como chance de enriquecimento vital e de intercâmbio criativo. Deixemo-nos surpreender pelo Deus da vida que rompe esquemas, crenças, legalismos, bolhas...; ou nossa vivência de fé se reduzirá a um ritualismo fechado, impedindo sair de nós mesmos.
Se Deus correu o risco de encarnar-se, de nascer pobremente e crescer como salvação a partir da exclusão deste mundo, já não há excluídos para Ele, ninguém fica fora d’Ele. E o lugar principal para a festa é ali onde Ele aparece: nos “aforas”, onde não há lugar, onde tudo parece esgotar-se e é condenado a crescer em meio às ameaças e às intempéries das situações humanas.
Jesus, em Belém, encontrou o seu lugar: nas periferias. A periferia passa a ser terra privilegiada onde nasce o “novo”, por obra do Espírito. Ali aparece o broto original do “nunca visto”, que em sua pequenez de fermento profético torna-se um desafio ao imobilismo petrificado e um questionamento à ordem estabelecida.
Jesus se fez presente no lugar onde se encontravam aqueles que não tinham “lugar”, os “deslocados”, os socialmente rejeitados e que foram a razão de seu amor e do seu cuidado; fez-se solidário com os “sem lugares” e os convidou a caminhar para um novo lugar. Na Gruta, Jesus teve sua preferência e escolheu o seu “lugar”, o lugar entre os mais pobres, vítimas daqueles que se fazem donos dos lugares.

Um “lugar” é sempre mais do que um simples lugar. A geografia de cada “lugar” revela lembranças, referências, ansiedades, medos, saudades...; cada “lugar” guarda histórias, presenças e tem força de memória. Há vidas, pessoas, caminhos, acontecimentos, experiências... Na verdade, o “lugar geográfico” se confunde com o “lugar interior”. É no lugar geográfico que o lugar do coração encontra seu suporte e seu repouso. Quando dizemos: “não tenho lugar”, “estou sem lugar”, “tenho medo deste lugar”... queremos significar que o coração não encontrou no lugar geográfico o seu lugar próprio.
O Natal nos convida a imaginar lugares em movimento, lugares de encontro, de desafio, lugares provocativos e criativos..., enfim, lugares carregados de presença.
Celebrar o Natal implica um contínuo êxodo do “lugar estreito e dispersivo” ao “lugar expansivo e unificador”; ali vivemos uma permanente travessia dos “nossos lugares rotineiros e auto-referenciais” para os “amplos lugares cristificados”.

A travessia para a Gruta é um risco, é um salto para um outro “lugar”, é deixar-se afetar por este “outro lugar”: lugar iluminado por uma Presença despojada de poder, de riqueza, de prestígio...
O mistério do Nascimento é profundamente “espacial”:  um lugar vital, dramático, que questiona, ilumina, vitaliza e carrega de sentido os lugares cotidianos. Ele nos ajuda a ter acesso a um “lugar inspirador”, um polo de referência e de atração, onde nos sentimos acolhidos, integrados e pacificados na “presença”  d’Aquele que, na Gruta, assume e ilumina todos os lugares, sobretudo dos mais excluídos.
A Gruta de Belém é o espelho dessa experiência originária que transforma o “caos” cotidiano em “cosmos” e que, somando-se a outras experiências semelhantes, ativa o modo original de ser e de estar no mundo. Entrar no espaço do Nascimento de Jesus configura e ordena, de modo novo e diferente, os lugares por onde transitamos.
Sabemos que o espaço faz parte do ar que respiramos em nível fisiológico e biológico, como faz parte das nossas experiências interiores. No entanto, vivemos um tempo de confusão de “lugares”, consequência de uma confusão interior. Nossa sociedade parece estar indo à deriva porque não sabe mais reconhecer “espaços diferentes e vitais”, porque tudo se torna igual e os lugares não falam mais, pois carecem de sentido e se revelam como lugares vazios. Os espaços são violados, os “lugares sagrados” são profanados, os “ambientes” carregados de sentido e de história já não revelam mais nada...
Esse é o primeiro sintoma de uma visão humana desastrosa e desastrada. Na insignificância e no achatamento dos espaços está o primeiro e mais grave esmagamento do pensamento e da consciência, a ruptura das relações sociais, a indiferença para com o lugar do outro que é diferente, frieza ecológica e o definhamento das experiências religiosas.

Descer ao lugar da Gruta para encontrar uma Criança desperta em nós um novo “olhar” para perceber, com mais nitidez e intensidade, os lugares por onde transitamos, uma nova disposição para dar sentido e valor aos lugares cotidianos, um olhar solidário para perceber o lugar do outro, uma nova sensibilidade para “ver” a Presença d’Aquele que ocupa todos os lugares.
Não é comum prestar atenção ao lugar ocupado pelo outro, sobretudo o outro que pensa e sente diferente; é normal perceber, delimitar, defender e fechar-se no próprio lugar. Isso se faz de maneira tão zelosa que nem se vê aquilo que está para além do próprio lugar. São grandes os riscos de se viver em horizontes tão estreitos. Tal estreiteza aprisiona a solidariedade e dá margem à indiferença, à insensibilidade social, à falta de compromisso com as mudanças que se fazem urgentes. O próprio lugar se torna uma couraça e o sentido do serviço some do horizonte inspirador de tudo aquilo que se faz.

O profeta Isaías nos recomenda ampliar o “lugar interior”: “Alarga o espaço de tua tenda, estende sem medo tuas lonas, alonga tuas cordas, finca bem tuas estacas” (Is. 54,2). Um “lugar sagrado” que nasce do coração, carregado de afeto, de inspiração, de vitalidade...
Ampliar os espaços do coração implica agilidade, flexibilidade, criatividade, solidariedade e abertura às mudanças e às novas descobertas. Algumas fortalezas e seguranças pessoais caem quando os “espaços interiores”, abrasados e iluminados pelo Nascimento de Jesus, começam a romper as paredes e se encarnam em “lugares exteriores”, marcados pela beleza e encantamento: lugar familiar, lugar celebrativo, lugar social, lugar de convivência, lugar de trabalho... um lugar nobre que só tem sentido quando carregado de presenças.
Só quem transita com liberdade pelos “lugares interiores” será capaz de ir ao encontro dos outros e entrar em sintonia com eles. O “lugar externo” é o prolongamento do lugar percorrido e saboreado internamente.
Não tem sentido ampliar os lugares externos se nossa mente permanece estreita, se nosso coração continua insensível, se nossas mãos estão atrofiadas, se nossa criatividade se sente bloqueada...
Lugar amplo é convite a sonhar alto, a pensar grande, a aventurar-se, ousar ir além, lançar por terra nosso modo arcaico de proceder, romper com os espaços rotineiros e cansativos para ir ao encontro dos “novos lugares” dos excluídos e marginalizados.
Precisamos levantar-nos cotidianamente de nossos “lugares”: há sempre um “lugar ferido” que nos espera, um “ambiente atrofiado” a ser curado, um “espaço” excluído a ser visitado...

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Texto bíblico: Lucas 2,1-14

Na oração:
É o ser humano mesmo o verdadeiro lugar a partir do qual Deus se encontra e se dá a conhecer; cada pessoa é o autêntico lugar da eterna presença de Deus.
O melhor presente: uma “uma cesta natalina” repleta de sensibilidade, tolerância, compreensão, alegria, acolhida, proximidade, generosidade, solidariedade...

Este é o verdadeiro Natal: que, em Jesus, nossos espaços cotidianos sejam incubadores de encontros humaniza-dores, foco de reconhecimento da dignidade de todas as pessoas.

sábado, 22 de dezembro de 2018

ADVENTO: Tempo das Mulheres



Apresentamos a seguir o texto do Pe. Adroaldo Palaoro, sj (Centro de Espiritualidade Inaciana - CEI), como sugestão para rezar o Evangelho do 4º Domingo do Tempo de Advento.


“Quando Isabel ouviu a saudação de Maria, a criança pulou no seu ventre...” (Lc 1,41)

Os sinais da quarta Semana do Advento nos devolvem à beleza do pequeno, à humildade do cotidiano, à simplicidade dos encontros. No mistério da Visitação, uma simples saudação, essa experiência universal de acolhida do outro, desencadeia uma torrente de comunicação entre duas mulheres grávidas que se enchem de júbilo, bendizem e se alegram juntas enquanto a vida cresce em suas entranhas.
No encontro entre Maria e Isabel a comunicação abarca, com igual intensidade, tanto a dimensão corporal como a que se expressa em palavras. Nesse clima de confiança total acontece o diálogo entre elas. Duas mulheres que compartilham um segredo que não são capazes de entrever em toda sua imensidade, carregada de transcendentais consequências. E nessa efusão de duas pessoas simples, unidas pelo sangue e sobretudo pela fé, se reconhecem partícipes de uma história que as ultrapassa. Encantadas, agradecidas, maravilhadas, expressam os sentimentos de seu coração no louvor a Deus. “Minh’alma engrandece o Senhor” é a primeira mensagem do Magnificat com que nos evangeliza aquela jovem simples de Nazaré que guardava em seu coração todas as coisas que iam acontecendo.

O evangelho da Visitação nos convida a contemplar como Maria saiu de sua casa e empreendeu apressadamente uma viagem; viagem que é metáfora de todas as viagens da existência humana. Maria disse “fiat” a Deus, pôs-se a caminho e foi renovando cada dia de sua vida esse arriscado e confiado “sim”. Advento, tempo de espera no qual Maria é protagonista, guardando um segredo que afetará a todos nós. O que a move a sair é um grande projeto que vem do alto. Assim ela nos revela que não se pode viver sem mistério, sem paixão; que o mistério nos deslumbra, nos supera e nos dinamiza.
Em Isabel, podemos admirar como se une o assombro por uma maternidade inesperada com a ação do Espírito atuando sobre sua esterilidade. Seu assombro e exaltação ecoam com a alegria e a dança da criança que carrega em suas entranhas. Isabel, a mais velha, se inclina diante de Maria, a mais jovem, num abraço e num beijo acolhedor. As duas são portadoras de mistério; estão profundamente marcadas pela comoção. Nelas tudo é surpresa, vibração e alegria.

Isabel e Maria não só se acolhem e se animam, mas se acompanham e se ajudam. O acompanhamento entre ambas se converte em fonte de bênçãos.
Maria descobre que não se encontra sozinha; há uma mulher que lhe acompanha.
Ela quer compartilhar sua experiência de mulher (e futura mãe) com outra mulher, sua “prima” Isabel, a mãe do Batista.  Maria vai ao encontro de Isabel para sentir o apoio na figura de uma mulher madura, mas cheia de vida e de futuro. Não se dirige ao Templo nem ao sacerdote...Os homens de então não são capazes de entender o que está acontecendo nestas duas mulheres, pois estão preocupados com outras coisas. Maria precisa dizer para outra mulher, para celebrar com ela “a maravilha que Deus estava realizando nela”. Toda a história da esperança humana, a humanidade inteira se condensa em duas mulheres.
Ambas, tocadas pelo Espírito, seguem sua própria evolução: cada uma tem sua gravidez, e isto requer cuidado, proteção, equilíbrio...
Assim, as duas unidas caminharão em direção a um maravilhoso futuro desconhecido. O novo precisa companhia, unir mãos e corações, mentes, forças e pés. Cada uma com seu segredo dentro de si, presente em suas entranhas. As duas com uma forte convicção: foram visitadas pela misericórdia de Deus.

Em nome do filho que dança no seu ventre e tomando a palavra dos grandes sábios da Antiga Aliança, como encarnação da esperança do povo israelita que aguardou este momento durante séculos, Isabel canta a grandeza da mãe do Messias: “Bendita tu entre as mulheres e bendito é o fruto de teu ventre!” “Bem-aventurada aquela que acreditou, porque será cumprido o que o senhor lhe prometeu”.
Esta é voz de benção, ou seja, de graça criadora e abundância. Esta é a benção e a bem-aventurança que dirigem a Maria todos os “esperantes” do Antigo Testamento. Esperaram longos séculos, dirigidos, animados, pela voz dos profetas. Agora podem sentir-se satisfeitos. Chegou o cumprimento e assim o confirma, em nome de todos, Isabel, mulher israelita, mãe profética.
É verdade que as bênçãos eram comunicadas pelos sacerdotes. No entanto, Isabel bendiz Maria em sua plena juventude e grávida de Deus. Bendiz o fruto de suas entranhas. Só esta mulher que engendrou em sua velhice, assumindo a voz do profeta que carrega em sua entranha, pode entender e receber a mãe messiânica, proclamando sobre ela a grande voz do cumprimento dos tempos. Estamos no centro da oração mais querida dos cristãos católicos (depois do Pai-Nosso), que é a Ave Maria.
Maria recebe agradecida as palavras de benção e lhe responde dando graças a Deus com o Magnificat.

Advento é o tempo das mulheres, ou seja, daquelas que tem uma surpresa a oferecer, pondo-se a serviço do amor de Deus que levam em seus ventres, amor que as envolve e as transcende, fazendo-as servidoras da vida.
A cena da Visitação nos situa em um espaço intenso de mulheres. É como se, ao chegar o momento culminante da revelação, os varões passassem a segundo plano. Certamente, realizaram e em algum sentido continuam realizando funções socialmente importantes: fazem negócios, servem como sacerdotes no templo, estudam e explicam o sentido da lei como escribas, definem e encarnam a pureza do povo eleito como os fariseus...
Esses e outros ofícios de varões foram e são valiosos; mas ao chegar a plenitude dos tempos acabam se tornando secundários, pois Deus não precisa de sacerdotes, nem de fariseus, nem escribas, como os antigos. O cuidado da vida e a vida mesma do Messias de Deus, como futuro salvador da humanidade, está em mãos de mulheres.

Também a Igreja hoje deve viver “em tempo de “parto”, pois carrega em seu ventre Alguém maior que ela mesma; ela só poderá “dar à luz” a Deus na história da humanidade se renunciar às suas grandezas externas, feitas de riquezas e privilégios, de honras e poderes... e revestir-se da simplicidade, da ternura e da acolhida amorosa. Para isso, ela precisa pôr-se a caminho, para visitar e dialogar com Isabel e com outras mulheres, e aprender com elas o que significa estar a serviço da vida, que a ultrapassa sempre.
Este ícone da Visitação des-vela o modo original de ser e de agir de toda a comunidade eclesial; há diversidades de serviços que a caracterizam, mas todos são convidados a reconhecer, a servir, a celebrar as maravilhas que Deus continuamente realiza em tudo e em todo.
É um ícone dinâmico que nos lança a “sair apressadamente” ao encontro do outro, com quem temos um parentesco, na consciência de que fazemos parte de uma mesma humanidade.
A vida cristã de nossos dias precisa voltar à Visitação, reviver a “cultura do encontro” e buscar inspiração nas protagonistas no evangelho deste domingo. A vida cristã necessita Visitação para ser mais vida e mais cristã, para deixar seguranças, cuidar e acompanhar a vida que há nela e nas “periferias existenciais”, ali onde o novo está germinando, para espanto e surpresa de todos.
Com a Visitação nos chega memória agradecida, paixão comprometida e esperança dinamizadora de um possível presente fecundo. A Visitação é um foco criativo de espiritualidade.

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Texto bíblico: Lucas 1,39-45

Na oração:
Advento nos inunda da alegria da Visitação e nos move a ser portadores e portadoras da Vida de Deus para o nosso hoje.
- Você visita ou se deixa visitar por quem é diferente? Ou assume posturas de preconceito e intolerância?

- Através das “redes sociais” visitamos tantas pessoas: suas visitas virtuais são cheias de graça e alegria ou carregadas de julgamento, de mensagens pessimistas...?

terça-feira, 18 de dezembro de 2018

ADVENTO: travessia... para a solidariedade

Apresentamos a seguir o texto do Pe. Adroaldo Palaoro, sj (Centro de Espiritualidade Inaciana - CEI), como sugestão para rezar o Evangelho do 3º Domingo do Tempo de Advento.

“Quem tiver duas túnicas, dê uma a quem não tem” (Lc 3,11)

Em meio às sombras, perplexidades, contradições, provocações e intolerâncias, que constituem o atual momento histórico, queremos, neste Advento, dar vez a um brado de esperança e expressar a fé no futuro da nossa vida. A esperança tem raízes na eternidade, mas ela se alimenta de pequenas coisas; nos despojados gestos ela floresce e aponta para um sentido novo. É preciso um coração contemplativo para captar o “mistério” que nos envolve.
A esperança, como força transformadora da realidade, inclui uma clara tomada de decisões de dirigir as energias vitais para ir ao encontro daquilo que é imprescindível para a vida.
Por isso, em um mundo de muita injustiça social, onde milhões de pessoas vivem em condições de pobreza extrema e submergidos em círculos de violência, a esperança se apresenta a nós como uma força capaz de despertar nossa consciência adormecida e assumir nossa responsabilidade. A esperança é sempre inquieta e mobilizadora, é impulso que nos faz desejar e buscar uma mudança decisiva que favoreça instaurar um mundo mais humanizador, abrindo-nos a um “mais além” que já está próximo.
Mesmo diante dos profundos dilemas internos e sociais, achamos possível ser e viver de outro modo, inventamos e reinventamos opções, criamos novas saídas... e, sem cessar, sonhamos com o “mais” e o “melhor”.
Afinal, somos seres de “travessia”...
Essa “travessia” não é apenas geográfica; trata-se de uma experiência que requer a atitude de “saída de si” para ir ao outro como diferente; e isso implica “passar” para o seu lugar, aprender a ver o mundo a partir de sua perspectiva, deixar-nos questionar e desinstalar-nos por ele, tão despojado da condição de pessoa.
Ir ao encontro do outro só é possível a partir do cultivo da sensibilidade, entendida como o movimento afetivo necessário para olhar e sentir a verdade na realidade de quem sofre. Não se trata de “dar coisas”, mas deixar-nos “afetar cordialmente” pela dor do outro.

Neste 3º. domingo do Advento, o apelo à mudança, na voz de João Batista, se torna mais concreto.
“Quê devemos fazer”? Tal pergunta é uma prova da sinceridade daqueles que se aproximavam de João. Com três pinceladas o Batista enfatiza a necessidade de mudar a maneira de pensar e de agir: é preciso abrir-se à alteridade até chegar a partilhar com outros, é preciso sair do estreito círculo do “meu” para que a escravidão do possuir abra passagem à liberdade de preferir o bem maior da relação; ativar a alegria de saber que uma túnica sobrante abriga agora o corpo de um irmão; a economia deve estar a serviço da vida e de todas as pessoas; reacender o impulso a ser “pacifistas ativos”, defendendo e protegendo os pobres e indefesos.
Encontramo-nos aqui diante da razão ética originária que não se baseia tanto numa compreensão da realidade, mas na compaixão com a pessoa do “outro”, excluído, pobre, dominado, marginalizado...
Lucas apresenta a mensagem de João Batista a partir de uma perspectiva ética, que pode e deve aplicar-se a todos os povos. Deixa de lado os aspectos exclusivamente religiosos (confessionais) de sua mensagem e o condensa em um programa ético de deveres sociais, que se aplicam primeiramente a todos os homens e mulheres e logo a dois grupos especiais: os publicanos e os soldados.
Esta é uma mensagem muito simples. Não precisa reuniões episcopais, nem conselhos de países, nem comissões internacionais. É uma mensagem imediata e próxima, de comunhão humana, pacífica, generosa. É uma mensagem que crê no ser humano. Não se trata de “matar” os publicanos e os soldados, mas de descobrir que também eles são humanos, iniciando a grande revolução da igualdade e partilha de bens.

Esta é a moral natural de João Batista. Este é para Lucas o ponto de partida para chegar ao evangelho. Jesus vai além (é gratuidade). Mas, para chegar a Jesus é preciso passar por João Batista.
A resposta de João Batista não é teoria vazia. É através de gestos e ações concretas de justiça, respeito, solidariedade, partilha e coerência cristã que se vai construindo um tecido social mais digno de filhos (as) de Deus, realizando as transformações radicais e profundas que as pessoa e a sociedade tanto necessitam. Frente a diferentes públicos, João não faz alusão nenhuma à religião; o que ele pede a todos é melhorar a convivência humana.
O envolvimento com o “outro” nos conduz à autenticidade, à libertação de apegos e avareza, à liberdade para partilhar e receber e a uma imensa felicidade.
A “sensibilidade solidária” suscita em nós um desejo novo que articula um novo horizonte de sentido às nossas vidas e gera um horizonte de utopia e de esperança por um mundo justo e fraterno. A solidariedade é a não-violência em ação; é a fonte de todas as qualidades espirituais: a capacidade de perdão, a acolhida compassiva, a tolerância e todas as demais virtudes.
Além disso, é a que de fato dá sentido às nossas atividades cotidianas e as torna construtivas.

A solidariedade permeia e ressignifica, assim, toda a nossa existência. Não é um evento, um ato isolado. Ela torna oblativa a vida em suas diferentes expressões, fermenta o cotidiano de nossas existências, infunde sentido e razão de ser àquilo que somos e fazemos.
Nas experiências de “convivência” com os pobres adquirimos os valores evangélicos da capacidade de celebrar, da simplicidade, da hospitalidade... Eles têm um jeito de nos trazer de volta para o essencial da vida. Eles são uma fonte de esperança, uma fonte de autenticidade. Eles se tornam nossos amigos.
Importa, portanto, “re-inventar” com urgência a solidariedade como valor ético e como atitude permanente de vida; não uma solidariedade ocasional, mas uma solidariedade cotidiana que se encarna nos pequenos gestos de inclusão do dia-a-dia.
Na criação da “nova comunidade” dos (as) seguidores (as) de Jesus, a partilha substitui a acumulação e a abertura aos outros se apresenta como alternativa às relações interpessoais de opressão e exclusão; aqui está configurada uma das propostas mestras na proclamação do Reino de Deus.

Com nossos gestos solidários nos mobilizamos e nos aproximamos do Senhor que chega. Neste dia Deus discernirá entre o trigo e a palha que existem em nossa conduta.
Vivemos a cultura da “palha”, que nos força permanecer na superficialidade, na aparência, na exterioridade da vida, impedindo-nos perceber o trigo presente em nossa interioridade.
Vivemos, muitas vezes, imersos em meio a tanta palha que nos afoga e nos incapacita viver a cultura do encontro solidário. De fato, a cultura da superficialidade, da aparência, da vaidade... são as marcas de nossa sociedade atual; marcas que nos desfiguram e nos desumanizam.
Só quem sai de si em direção ao outro, através de gestos solidários, é capaz de peneirar a palha para deixar emergir o trigo de vida que carrega dentro.
Somente a “sensibilidade solidária” será capaz de fazer a pessoa retornar à sua casa, ao centro, ao seu eu profundo; só ela ativará os recursos consistentes, os pontos de luz, o trigo que carrega dentro.
O ego não ama ninguém além de si mesmo, atendendo apenas às suas próprias necessidades e à sua própria gratificação. Sofrendo de uma falta total de compaixão ou empatia, ele pode ser extraordinariamente cruel para com os outros. Ele não se dá conta de que vive fechado em si mesmo, prisioneiro de uma lógica que o desumaniza, esvaziando-se de todo dignidade. Aumenta seus celeiros, mas não sabe ampliar o horizonte de sua vida. Aumenta sua riqueza, mas diminui e empobrece sua vida. Acumula bens, mas não conhece a amizade, o amor generoso, a alegria e a solidariedade. Não sabe compartilhar, só monopolizar.
Finalmente, acaba-se por criar uma dura cortiça que defende e isola a pessoa do entorno e que a aliena numa insensibilidade para com tudo aquilo que não seja sua própria realidade. É uma espécie de "embri-aguez" na qual a alteridade desaparece.
A verdadeira riqueza é investir numa única fortuna: a do amor, do favorecimento da vida, a do descentramento de si, o do encontro solidário em favor dos mais pobres e desfavorecidos.

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Texto bíblico:  Lucas 3,10-18

Na Oração:
Segundo o Batista, a conversão exige “saber peneirar” (saber selecionar ou eleger), “recolher o trigo” (ir ao essencial e não ficar na superfície) e “queimar a palha” (eliminar o que não serve ou o que imobiliza); acolher a Boa Nova da vinda do Senhor requer essa conversão.

- Se sua vida “passar pela peneira”, o quanto de trigo permanecerá? O quanto de palha deve ser lançado fora?

sábado, 8 de dezembro de 2018

Uma Voz que Protesta e Subverte

Apresentamos a seguir o texto do Pe. Adroaldo Palaoro, sj (Centro de Espiritualidade Inaciana - CEI), como sugestão para rezar o Evangelho do 2º Domingo do Tempo de Advento.

“Esta é a voz daquele que grita no deserto” (Lc 3,4)

Em um mundo no qual há tanto ruído não é fácil prestar atenção às vozes carregadas de vida e que movem à vida. Talvez porque entre tanto palavreado crônico a melhor solução é desconectar-nos, ou por preguiça, ou por impotência, ou pela tentação de querer falar, sem parar. Quem sabe, o excesso de problemas, inquietações, projetos e ideias confusas que se movem por dentro, petrificam nossa própria interioridade. Ou ainda, porque no mundo há tantos discursos vazios, violentos e preconceituosos que, ao nos causarem asco, alimentam em nós uma inércia ou uma atitude cética.
Diante dessa realidade, o tempo do Advento nos apresenta como referência e estímulo a voz de João Batista. Ele não quis renunciar sua voz, apesar das incompreensões e das resistências; sua voz se converteu no apelo a modificar a ordem das prioridades, na voz das minorias, na voz que movia a assumir um outro estilo de vida, na voz que ajudava a descobrir que a pessoa está acima de tudo, na voz que sempre deve estar a favor da vida.
Essa foi a missão de João: ele aparece no deserto não como um sacerdote que convida ao culto, mas como um profeta que proclama a mudança, a conversão, a abertura à novidade d’Aquele que está chegando. É uma voz que clama, mas João é muito mais que uma palavra; João é toda uma vida que se faz palavra. Ou melhor, é a palavra feita vida, revestida de vida. Nos profetas fala a voz mas, sobretudo, fala a vida.

No Advento, a voz de João, que grita no deserto, ressoa em nosso próprio interior, destravando nossa voz, tantas vezes silenciada por uma cultura que impõe sua voz interesseira.
Cada um de nós tem, todo dia, a oportunidade de fazer escutar a própria voz. É necessário levantar nossa voz para despertar e ver as coisas a partir de outro ponto de vista, para transgredir esses discursos de morte e preconceito que o contexto, no qual vivemos, quer nos transmitir e que tanto nos desumaniza.
É necessário tomar consciência que, se renunciamos nossa voz, renunciamos defender nossa maneira original de nos fazer presentes numa realidade de exclusão e de propor outra maneira de viver, mais livre, aberta e expansiva.
Por tudo isso, como João Batista, expressemos nossa voz sem complexos, mas com o máximo respeito, cheia de ternura e não entrar no barco das vozes furiosas, carregadas de linchamento, de revanches e incompreensões para com quem pensa diferente, crê diferente, ama diferente.
Por tudo isso, não renunciemos nossa voz, não renunciemos enriquecer nosso entorno com nossa voz original, porque vozes inspiradoras, em momentos especiais, farão a diferença.

Em segundo lugar, “ouvir a voz de João” nos sensibiliza a escutar outras vozes, carregadas de vida e mobilizadoras de vida. Os personagens do Advento nos tornam sensíveis às verdadeiras vozes que tem a magia de nos tocar a fundo e despertar o impulso para entrar em sintonia com elas.
O fato é que, às vezes, nos acomodamos a viver em bolhas, onde, raras vezes, entram vozes que nos comovem de verdade. E, no entanto, debaixo da parafernália de gritos, ruídos, anúncios, apelos publicitários e frases feitas de mau gosto, continua brotando vozes cheias de verdade, vozes que vale a pena serem escutadas.
Estamos rodeados de diferentes vozes; quem sabe, por detrás de muitos gestos, palavras, gritos... não estarão vozes que pedem ajuda, ou que simplesmente expressam dor, insegurança, medo, clamando por uma presença acolhedora. É claro que não vamos estar o dia todo falando com o coração na mão e os olhos úmidos de lágrimas, desnudando nossa intimidade. É possível que na vida cotidiana continuaremos falando com nossa gente das coisas mais cotidianas. O verdadeiro desafio é aprender a escutar, por debaixo de diferentes vozes, a palavra profunda, o canto tranquilo ou o pranto escondido.

Há outros lamentos, não tão escondidos, que deixamos de escutar, talvez porque se chegássemos a ouvi-las, nos deixariam profundamente impactados, pois, poderiam provocar-nos uma sensação de impotência e de fracasso enorme. São vozes que não tem nada que decifrar, claras, rotundas, honestas. São as vozes dos excluídos de todo o tipo: pobres, famintos, vítimas de preconceito, aqueles homens e mulheres que sofrem a intolerância e a indiferença.
Às vezes, essas vozes nos conduzem a um dilema: para quê escutá-las, se não podemos fazer nada? Para tornar a vida mais amarga? Para sentir uma culpa que não é nossa? Aqui não se trata de fazer discursos voluntaristas ou demagógicos acerca do mal no mundo. O verdadeiro desafio é ampliar dentro de nós um espaço no qual outras vozes possam ressoar, recordando-nos que ainda há muito por fazer para continuar
construindo o Reino de Deus, onde todo ser humano possa viver com sua dignidade assegurada; para fazer-nos conscientes do quanto nossa vida tem de benção, e, ao mesmo tempo, o quanto somos responsáveis por todo bem recebido...

Na vida cristã entende-se o viver como uma arte que é preciso praticar. A vida não é um azar, nem um destino, nem um enigma a resolver. A fraternidade evangélica é uma escola da vida e interação, onde cada pessoa inter-atua com os demais e encontra liberdade para expressar sua voz e acolher a voz do outro.
Frente ao diferente, o tempo do Advento contém muitas possibilidades: pode gerar variadas combinações e sinergias. Advento é como um calidoscópio que combina uma infinidade de vozes e cores. As vozes dos diferentes encontram seu espaço, se identificam e potenciam a relação mútua. Todos, tendo um só coração e uma só voz, alimentam a unidade na diversidade.
A condição para descobri-las é “levantar os olhos”, ir mais além do imediato que nos cega e nos prende em redes de desejos insatisfeitos, em obsessões por conservar modos de vida que consideramos definitivos, em temores que embotam nosso coração impedindo o fluir da vida.

“Preparai o caminho do Senhor”. Como abrir caminhos para que os homens e mulheres de nosso tempo possam encontrar-se com Aquele que vem? Deus chegará por outros caminhos, totalmente diferentes dos caminhos que estamos construindo habitualmente. Deus não pode vir ao nosso mundo de hoje enquanto não construirmos caminhos mais planos de acolhida, solidariedade e partilha. Deus não pode vir nem entrar pelos caminhos diante dos quais foram construídos muros e valas, impedindo o acesso dos excluídos e perseguidos. Deus não pode entrar na história através de caminhos que desembocam nos corações carregados de ódio, de indiferença, de fanatismo e de preconceito para com tantas vítimas de poderes que desumanizam. Os personagens políticos e religiosos nomeados (Pilatos, Herodes, Anás, Caifás...), apesar de seus poderes e intrigas, não conseguiram extinguir a esperança que a voz profética de João convocava, a partir da periferia. Advento, é tempo de resistência.


Texto bíblicoLc 3,1-6

Na oração:
Pense em tantas vozes rompidas que às vezes ficam silenciadas pelo contexto social onde você vive. Peça a Deus que lhe ajude a ouvir e não perder nunca a capacidade de comover-se diante das:
- vozes daqueles que estão privados do mais necessário;
- vozes que são caladas por todo tipo de discriminação;
- vozes daqueles que são vítimas de intolerância e preconceito.

quarta-feira, 5 de dezembro de 2018

Homenagem de Aniversário

Em comemoração ao aniversário de nossa assessora Ana Sérgio, realizado na reunião de 27 de novembro, foi elaborada uma dinâmica textual, que demonstrou todo o afeto da comunidade por esta pessoa tão importante e engajada nas atividades inacianas. Abaixo, o texto utilizado na dinâmica.

EM UM MUNDO

(Autoria: Alexandre Doelher de Oliveira)
Leitores – Alexandre Doelher de Oliveira e Camila Coutinho
Em um mundo no qual os sorrisos escondem lágrimas e os elogios escondem traição...
É bom encontramos, às vezes, AUTENTICIDADE.
Em um mundo no qual não importam as reações e necessidades dos outros...
É bom encontrarmos, às vezes, NOBREZA.
Em um mundo no qual “o outro” significa nada mais que um empecilho às ambições...
É bom encontrarmos, às vezes, ALTRUÍSMO.
Em um mundo no qual não existe a capacidade de pensar e interpretar a solidariedade...
É bom encontrarmos, às vezes, SAGACIDADE.
Em um mundo no qual acostuma-se a viver no “cinza” das rotinas...
É bom encontrarmos, às vezes, ENCANTO.
Em um mundo no qual não se dá importância às obrigações para com outros...
É bom encontrarmos, às vezes, RESPONSABILIDADE.
Em um mundo no qual a moeda corrente é o egoísmo...
É bom encontrarmos, às vezes, GENEROSIDADE.
Em um mundo no qual os pensamentos são errados e as ações mais erradas ainda...
É bom encontrarmos,  às vezes, INTELIGÊNCIA.
Em um mundo no qual a inovação e a criatividade são palavras proibidas...
É bom encontrarmos, às vezes, OTIMISMO.
Em um mundo assim, é bom encontrarmos VOCÊ!