sábado, 30 de maio de 2020

PENTECOSTES: “somos terras do Espírito”

Texto do Pe. Adroaldo Palaoro, SJ (Centro de Espiritualidade Inaciana - CEI), como sugestão para rezar (contemplar) o Evangelho da solenidade de Pentecostes. Que nos deixemos conduzir pelo mesmo Espírito de Jesus.


“...soprou sobre eles e disse: ‘Recebei o Espírito Santo’” (Jo 20,22)

A festa de Pentecostes é a culminância de todo o tempo pascal. As primeiras comunidades cristãs tinham claro que tudo o que estava se passando nelas era obra do Espírito, e tudo o que o Espírito tinha realizado em Jesus, agora estava realizando em cada um deles(as).
Também para cada um de nós, celebrar a Páscoa significa descobrir a presença do Deus-Espírito em nosso interior e na realidade que nos envolve, ora como brisa mansa, ora como vento impetuoso.
Tanto a “ruah” hebraico como o “pneuma” grego significam ar, vento, sopro. É neutro em grego, masculino em latim (“spiritus”), feminina em hebraico, pois transcende, acolhe e abençoa todas as identidades de gênero. É alento vital profundo. Brisa suave no sufoco, vento forte na apatia. “O vento sopra onde quer”, vem de tudo e de sempre, nos leva onde não sabemos.
A raiz da palavra “ruah”, nas línguas semíticas, é “rwh”, que significa o espaço existente entre o céu e a terra, que pode estar em calma ou em movimento. Seria o ambiente no qual os seres vivos bebem a vida. A terra mesma era concebida como um ser vivo, o vento era sua respiração.
Nestas culturas, o sinal de vida era a respiração. “Ruah” veio a significar “sopro vital”. Quando Deus modela o homem de barro, sopra em seu nariz o hálito de vida.
No Evangelho deste domingo, prolongando o sexto dia da criação, Jesus sopra sobre os apóstolos para comunicar seu Espírito.

Pentecostes vem nos recordar que o Espírito faz parte de nós mesmos, constitui nossa verdadeira identidade e não tem que vir de nenhum lugar. Somos habitados por Ele, está em nós, antes mesmo que nós começássemos a existir. É o fundamento de nosso ser e a causa de todas as nossas possibilidades de crescer em todas as dimensões da vida. Nada podemos fazer sem ele, como também não podemos estar privados de sua presença em nenhum momento. Todas as orações, encaminhadas a pedir a vinda do Espírito, só tem sentido quando nos levam a tomar consciência de sua presença e ação em nós; tais orações ativam em nós o impulso para nos deixar conduzir por essa presença inspiradora e criativa.
Assim é o Espírito que vibra na entranha do infinitamente grande e do infinitamente pequeno, nesta nossa Terra e no universo sem medida. O Espírito sopra onde quer, que é como dizer “em tudo”, pois ama tudo e anima tudo. É a “alma” de tudo quanto vive e respira. É a esperança invencível, a aspiração irresistível de todos os seres, sem exceção. É a energia que toma forma na matéria e a faz matriz inesgotável de novas expressões de vida, sem fim.

Nesse sentido, nós somos a terra propícia onde atua o Espírito. Onde há mais carência, vulnerabilidade, pobreza... há mais e maiores possibilidades criativas. Nenhuma situação pode afastar-nos de Sua visita. Toda terra baldia é boa para o Espírito. Ele é o buscador incansável e com um “sim” ousado e forte re-cria de novo nossa história, estabelecendo o “cosmos” (harmonia e beleza”) em nosso “caos” existencial.
As “terras do Espírito” albergam milhares de nomes: chama-se  esperança para aqueles que sonham um outro mundo possível; chama-se amada paz para aqueles que vivem em meio à barbárie dos conflitos; chama-se liberdade para aqueles que foram privados dos seus direitos fundamentais; chama-se justiça para aqueles que vivem continuamente sendo espoliados e explorados; chama-se beleza, porque tudo o que foi criado é bom e precioso; chama-se humanidade porque é neste “húmus-chão” onde a presença da “Ruah” transforma a existência.

No silencioso sussurro da voz do Espírito, toda nossa realidade interior fica abençoada: os sentimentos contraditórios, os dinamismos opostos, os pensamentos divergentes..., se harmonizam. Ele “desce” para nos encontrar e despertar nossa vida atrofiada. Com seu toque, uma identidade nova ressurge: não somos mais estrangeiros, nem inimigos de nós mesmos. Sua presença dá calor e sabor à nossa existência.
São tantas as pessoas que fazem experiência de vida no Espírito, que bebem d’Ele, vivem d’Ele, muitas vezes sem saber disso; elas têm uma visão aberta e são motivo de alegria e de cuidado para aqueles que delas se aproximam; homens e mulheres que levam alívio ao tecido da existência humana pois, com suas presenças, dão um toque de cor e calor à realidade; como brisa leve, situam-se junto àqueles que atravessam momentos de desânimo, de tristeza e de fracasso...
O Espírito é o artífice secreto de todas as cores e texturas da vida, da beleza, que conhecemos e daquela que ainda nos aguarda. Ele é a “alma do mundo” e disso só podemos fazer aproximações, vislumbres...
Reconhecemos o Espírito pelos efeitos que provoca: sem saber de onde vem nem para onde irá, nos golpeia
e clama no sofrimento dos inocentes, grita em todos os ambientes que maltratam a vida, ali onde não se respeita a dignidade e o valor das criaturas. Ele nos alcança na expressão terna de um rosto, na tonalidade de uma voz, na carícia da natureza...
Ali onde nosso ego se esvazia, o Espírito toma o lugar que lhe pertence, desde o princípio e para sempre.
Esse lugar não é um espaço físico nem está situado no tempo, senão que esse lugar está dentro, vai conosco lá onde vamos. São “terras do Espírito”, e habitá-las é nossa promessa.
A humanidade sempre sonhou e buscou a “terra prometida”; no entanto, esta não se reduz a um lugar geográfico ou um espaço paradisíaco. São as “terras do Espírito”, terras prometidas a todos que vivem a partir de sua própria interioridade.  É preciso descalçar-se para entrar nessas terras, fazer-se cada vez mais leves, mais humildes, peregrinos... Quem se deixa conduzir pelo Espírito, nenhuma terra lhe é estranha; ao contrário, tudo lhe é familiar.

Eis que nos encontramos agora no tempo do “distanciamento social”, para não nos contaminar. Imper-ceptíveis partículas nos ameaçam onde menos esperamos. E procuram minar e destruir nosso sistema vital.
Mas não devemos esquecer que há outro tipo de “bendito contágio”, que procura ter acesso à nossa interioridade mais profunda: é o contágio do Espírito, que nos envolve e nos pede que tiremos todas as máscaras com as quais nos defendemos d’Ele. É o Espírito que alenta (suspira) na beleza, na arte, nas relações de amor incondicional, no cuidado compassivo, na presença solidária, nas pessoas que ajudam desinteressadamente, na hospitalidade da vida...
Jesus Ressuscitado, no encontro com os discípulos e com cada um(a) de nós, nos entregou definitivamente este Espírito, sua santa Ruah que o habitava e o levou a entregar sua vida em favor da vida.
É a “Ruah” que produz o contágio espiritual e que foi derramada sobre toda a humanidade.
A Santa Ruah é a memória permanente do “sim” do Abbá e de Jesus a todos nós. Não somos abandonados do Amor, nem da Misericórdia de nosso Deus. Onde menos pensamos, ali surgem sinais de um grande e apaixonado amor pela humanidade. Tanto amou Deus o mundo, tanto amou Jesus à humanidade, que nos entregaram o Espírito Santo, essa bendita contaminação que nos envolve por todos os lados, para que “tenhamos vida em abundância”.
Santa Ruah! Bendito contágio!
Texto bíblico: Jo 20,19-23

Na oração:
Espirituais somos todos, quando deixamos que, dentro de nós, o Espírito de Deus encontre espaço livre para mover-se, sussurrar e suscitar inquietações. Ao habitar-nos, o Espírito não nos invade, nem se impõe.
- Se abrirmos espaço à sua presença, brota uma sadia convivência que potencia o melhor de nós mesmos, sensibiliza nosso coração e abre os sentidos para que fiquem mais alertas e sintonizados com as surpresas que brotam da vida.
- No ritmo da silenciosa respiração, sinta a “Santa Ruah” tendo acesso às profundezas de seu ser, pacificando, integrando..., despertando novas energias e impulsos criativos e rompendo o medo, a apatia, a falta de sentido...

sábado, 23 de maio de 2020

ASCENSÃO: proximidade radical

Texto do Pe. Adroaldo Palaoro, SJ (Centro de Espiritualidade Inaciana - CEI), como sugestão para rezar (contemplar) o Evangelho da festa da Ascensão do Senhor.


“Eis que eu estarei convosco todos os dias, até ao fim do mundo” (Mt 28,20)

O Mistério Pascal é uma realidade única: nem a ressurreição, nem a ascensão, nem o sentar-se à direita do Pai, nem a glorificação, nem a vinda do Espírito, são fatos separados.
As diferentes “expressões” do Mistério Pascal, pertencem ao hoje como ao ontem, são tão nossas como foram para Pedro, João ou Madalena. Não aconteceram só no passado, mas também estão acontecendo neste instante. São realidades que estão afetando nossa própria vida. Podemos e devemos vivê-las como os(as) discípulos(as) de Jesus as viveram.
Para nós seguidores(as) de Jesus, Ascensão é abertura para o cotidiano, para a realidade do serviço. É preciso partir e viver o chamado do Mestre para prolongar, neste mundo, seu modo de ser e de viver.
A Ascensão de Jesus não significa evasão aos céus - “Homens da Galileia, por que ficai aqui, parados, olhando para o céu?” (At. 1,11) – mas imersão na vida. Aquele que Vive não escapou do mundo; sua Ascensão significa expansão e presença no universo inteiro, plenificando tudo em todos; Ele agora assume todos os rostos, identifica-se com toda a humanidade e continua a caminhar pelas Galileias dos excluídos, das periferias, dos pobres, acampa junto aqueles que vivem às margens...
Ao celebrarmos a entrada de Jesus na glória, não celebramos uma despedida ou um distanciamento, mas um novo modo de presença; celebramos a proximidade radical d’Aquele que é, realmente, o Emanuel, o Deus-conosco para sempre.
Ao “subir aos céus”, Jesus se faz mais radicalmente próximo de todos, ultrapassando tempo e espaço. Ascensão não é afastamento, mas uma maneira nova de fazer-se presente a todos e em todos os lugares.
O único que Jesus faz é restabelecer e assegurar a proximidade e comunicação com toda a humanidade. Isto deve nos dar uma grande alegria, pois Ele permanece aqui na terra, junto a nós. Assim, a Ascensão de Jesus nos desafia a romper a estreiteza de nossa vida para expandi-la a horizontes mais inspiradores.

Na festa da Ascensão deste ano, a liturgia nos propõe a cena final do evangelho de Mateus; embora não fale expressamente da “elevação” de Jesus ao céu, nele se condensa todo o caminho anterior, e se abre ao mundo inteiro, como presença e promessa de vida.
Mateus termina seu evangelho narrando um breve encontro entre Jesus Ressuscitado e o grupo dos onze que havia regressado à Galileia, depois de receber a mensagem das mulheres que tinham ido ao sepulcro. Este encontro acontece longe de Jerusalém, afastado do lugar onde eles tinham vivido a experiência traumática da paixão de Jesus. Esta distância física é também existencial. Depois da crise, do medo, do desespero que os havia paralisado, o Mestre os convida a voltar à Galileia, às origens, para percorrer de novo os caminhos, para “fazer memória” das experiências junto d’Ele e que agora hão de reler de forma diferente.

A Ascensão é a festa por excelência da nova proximidade de Jesus. No entanto, devido à situação pandêmica, celebramos fisicamente distanciados uns dos outros; mas, a Ascensão pode ser um momento oportuno para ativar outras maneiras de nos fazer próximos, inspirados na proximidade do Ressuscitado.
A festa da Ascensão pode também ser uma ocasião para des-velar (tirar a máscara) o farisaísmo que está latente em todos nós: a vivência camuflada de um distanciamento humano.
O isolamento sanitário pôs às claras esta dura realidade: já levamos anos praticando o distanciamento político, a polarização religiosa, o enfrentamento de extremos, a separação ideológica, a distância como meio para nos fechar em nossas posições fanáticas, preconceituosas e intolerantes. Uma voz surda sempre esteve presente: devemos nos separar dos outros, daqueles que pensam diferente, sentem diferente, vivem diferente, assumem posições e opções diferentes...
Não podemos deixar que a atual crise sanitária acentue mais ainda os diferentes distanciamentos que estavam escondidos, mas que agora vieram à tona com mais força.

Esta é a dura contradição que estamos vivendo: se, estar separados fisicamente de nossos seres queridos e vizinhos é o mais eficaz para combater a pandemia, precisamos, então, buscar outras expressões de proximidade para que essa distância não se converta em ecossistema e modo de vida. A distância sanitária não pode servir de cortina de fumaça para reforçar outras distâncias que se abrem diante de nós, no campo social-político-religioso-cultural...
Não podemos deixar que o sonho do Reino, o projeto universal de Jesus, se dilua em meio às distâncias artificiais que desumanizam. Hoje, mais do que nunca, devemos celebrar e recordar que juntos, unidos, orientados para um horizonte comum, poderemos enfrentar qualquer crise que nos venha. Talvez, esta


pandemia nos oferece uma ótima oportunidade para crermos nisso, de verdade: de transformar declarações ocas em atos sólidos, de resumir tudo o que é a humanidade numa só palavra: proximidade. Proximidade com aqueles que sofrem, com aqueles que buscam um mundo melhor, com aqueles que menos tem, com aqueles que se sentem excluídos... Em meio a um mundo onde a distância e a suspeita crescem e se enraízam, a Ascenção é a alternativa de proximidade e colaboração que todos precisamos.

Não nos sobram muitas outras oportunidades de transformar este sonho em realidade. Vivemos na distância, necessária no momento, mas não façamos dela nosso estilo de vida; não devemos convertê-la em meio que determine o que somos. Somos chamados a ser algo mais que compartimentos estanques e seguros, isolados. Podemos ser “praça comum” de encontro e diálogo, de mãos estendidas e ouvidos atentos para dar forma a isso que tanto precisamos: sentir-nos próximos uns dos outros.
À luz da Ascenção podemos afirmar: fisicamente distanciados é quando nos sentimos mais próximos.
Podemos recordar o constante convite de Jesus a provocar encontros que ajudem a integrar, a re-unir, a re-ligar, a articular o tecido comunitário. Há tantas vidas esparramadas, isoladas, rejeitadas... esperando por sinergia. Na verdade, Ele provocou as pessoas a saírem de seu isolamento e padrões alienados de relacionamento para expandir-se em direção a uma nova forma relacional com tudo o que existe; tal relação é a concretização do sonho do “Reino de Deus”.
Como homem e como mulher, trazemos esta força interior que nos faz “sair de nós mesmos”  e criar laços, fortalecer a comunhão, romper distâncias...
O ser humano não é feito para viver só; ele necessita con-viver, viver-com-os-outros; ele é um ser constitutivamente aberto, essencialmente em referência a outras pessoas: estabelece com os outros uma interação, entrelaça-se com eles, e forma um nós: a comunidade.


Textos bíblicos:  Mt 28,16-20 

Na oração:
Jesus vive sua proximidade radical através dos seus(suas) seguidores(as) que se fazem próximos. A “opção de vida” em favor do próximo é o indicador de uma vida aberta e comprometida na cons-trução de uma convivência social na qual predomine a ternura e não a dureza de coração, o respeito à vida e o amor e não a violência e a exclusão.
- De quem eu sou próximo, ou, como me faço próximo, nestes tempos de isolamento social?

sexta-feira, 15 de maio de 2020

A Arte de Cinzelar Palavras de Vida através da Conversa

Texto do Pe. Adroaldo Palaoro, SJ (Centro de Espiritualidade Inaciana - CEI), como sugestão para rezar (contemplar) o Evangelho do 6º Domingo do Tempo Pascal.


“O Espírito da Verdade..., vós o conheceis, porque ele permanece junto de vós e está em vós” (15,17)

O Evangelho deste domingo faz parte de uma longa conversa de Jesus com os seus amigos, durante a Última Ceia, e que João recolhe nos capítulos 13 a 17.
Era uma conversa amiga, que ficou na memória do discípulo amado. Jesus, assim parece, queria prolongar ao máximo esse último encontro, momento de muita intimidade. Para João, a conversa de Jesus tem uma conotação de profundidade e trato, de certa familiaridade e ternura.
Nesta interação Jesus-discípulos, tanto os conteúdos expressos como os aspectos relacionais ganham uma grande importância: as palavras, os gestos, o olhar, a maneira de falar, o tom da voz, os silêncios, o contexto onde acontece a conversação...; tudo isso forma parte da diversidade e riqueza da revelação de Jesus aos seus mais íntimos. Jesus extrai palavras significativas, previamente cinzeladas e incorporadas no seu interior, onde elas revelam dinamismo, sentido e alteridade; sua conversa brota de uma vida interior fecunda e conduz a uma vida comprometida. Trata-se de um verdadeiro “testamento espiritual”

A conversação constitui, portanto, o núcleo diferencial de qualidade de trato próximo e fraterno daqueles (as) que, além de viverem juntos, compartilham a vida com um projeto comum.
No entanto, há conversa e conversa. Há conversa superficial que gasta palavras à toa e revela o vazio das pessoas. E há conversa que toca fundo no coração e fica na memória. Todos nós, de vez em quando, temos esses momentos de convivência amiga, que dilatam o coração e vão ser força na hora das dificuldades. Ajudam a ter confiança e a vencer o medo.
Conversar constitui uma das experiências humanas mais antigas e configuradoras de nosso ser. Ela não se reduz a um mero intercâmbio de palavras; é um processo essencialmente ativo, inerente à nossa natureza relacional, cuja finalidade última é viver a experiência do encontro.
Conversar é uma das aprendizagens vitais que não tem data de vencimento.
A arte da conversação é um caminho pedagógico, um processo gradual que requer uma capacidade de escuta, de acolher e deixar-se afetar pelo que o outro é, não só pelo que diz; uma capacidade de olhar com profundidade para reconhecer uma história santa, um caminho de salvação. É reconhecer no outro o que há de verdadeiro, bom e belo e descobrir como o dinamismo de Deus atua no coração dele. É ajudá-lo a descobrir, na trama de sua vida, as motivações profundas que o levam a ser e a agir de uma maneira muito pessoal.
A conversação é uma experiência profundamente humana de proximidade, de conhecimento, de intercâmbio, de ternura..., um encontro entre pessoas que vão compartilhando histórias de vida, esperanças e frustrações, vontade de construir e sonhar... Na conversação, o que importa é a pessoa do outro e não os problemas que apresenta...; ela é o lugar privilegiado de encontro e descoberta misteriosa do Outro (Deus).

“Conversar” e “converter”, etimologicamente, vem da mesma raiz. Em seu sentido mais radical e profundo “conversar” é “converter-se” ao mistério do outro, é converter-se à alteridade. A conversação reforça os laços, criando a comunidade de “amigos no Senhor”.
Sair dos corredores do próprio claustro interior e de seus mecanismos de defesa para converter-se em um servidor do outro, com a mediação mais humana, mais sutil, mais imediata e universal, mais iluminadora e mais reveladora da própria maturidade: a palavra.
Mesmo “isolados socialmente” devido à pandemia, a conversação nos liberta da solidão e do fechamento, fazendo-nos crescer na transparência. As inúmeras possibilidades de conversar são encontros que nos reconciliam com a vida, nos movem a crescer e a sair de nosso isolamento. Ela nos permite sentir que formamos parte da vida de outros e nos ajuda a levantar-nos quando as perdas, os fracassos, as enfermidades... tornam difícil nosso caminhar.
Para chegar a conversações mais profundas e íntimas precisamos percorrer o caminho que se inicia no cotidiano e no aparentemente superficial. Encontrar-nos com os outros é uma experiência que requer seu tempo, seu espaço, seu ritmo. Nossa natureza relacional continuamente nos oferece oportunidades para conversar; depende de nós fazê-las banais ou convertê-las em experiência de vida.

Segundo Jesus, o protagonista principal da conversação é o Espírito, que gera em nosso interior palavras de vida e criatividade. Numa conversação profunda deixamos transparecer nossa verdadeira identidade, nossa verdade original. Mas é o Espírito, que nos habita, Aquele que cava em nós palavras de vida.
Quando Ele encontra liberdade para atuar em nós, faz brotar das entranhas das palavras sua riqueza escondida. Por isso, Ele é o “Espírito da Verdade”: não a verdade racional, dogmática, doutrinária...
Refere-se à “verdade profunda” que nos diz que fomos criados para uma Vida plena e para contribuir a que cada ser humano participe de tal Vida. Ele é a “verdade íntima” que nos diz que, no mais profundo de nós mesmos, não só pulsa um coração, mas também um Deus que inspira em todos nós uma maneira original de ser mais humano. Ele é a “verdade autêntica”: somos filhos(as), irmãos(ãs) e somos chamados(as) a viver como tais.
Mais ainda: o “Espírito da verdade” nos convida a viver na “verdade” de Jesus em meio a uma sociedade onde a mentira é considerada estratégia, a manipulação é vista como bom negócio, a irresponsabilidade é confundida com a tolerância, a injustiça é identificada com a ordem estabelecida, a arbitrariedade é propagada como ato de liberdade, a falta de respeito e a violência verbal como expressões de sinceridade...

Para além das imagens e símbolos, é decisivo re-descobrir a presença do Espírito de Deus que, dentro de cada um de nós, provoca movimentos, ativa as brasas escondidas no coração, nos faz fortes, alegres, valentes, apaixonados (as), audazes e sábios (as). Devemos acolhê-lo com coração simples e confiado, abrindo espaço para que Ele atue com liberdade, inspirando-nos e fazendo-nos mais criativos. É Ele que dá sabor e sentido à nossa existência e nos enraíza no modo de ser e de viver de Jesus.
Conduzidos (as) pelo Espírito de Jesus, mergulhamos em nosso mundo com os olhos abertos, com os ouvidos atentos, com o coração sensível para ter acesso à verdade profunda de toda a realidade. Tudo é perpassado por essa presença alentadora, que “faz novas todas as coisas”.
Este Espírito de Vida subsiste em tudo e em todos, embora muitas vezes nos tornamos traidores (as) do Seu sopro com nossos exclusivismos, condenações e rejeição do pluralismo fomentado pelo mesmo Espírito.
Nenhuma espiritualidade e nenhuma igreja tem o monopólio do Espírito de Cristo, que sopra onde quer, como e quando quer, sem que o controlemos; para o Sopro, não há barreiras e nem fronteiras.
Todos e todas estamos em caminho, envolvidos no dinamismo contínuo desse Espírito Pascal.


Texto bíblico:  Jo 14,15-21

Na oração:
Pela conversa a pessoa manifesta quem ela é.  Onde está   sua conversa, aí está seu coração”.
- Quais são suas conversas? Elas animam os outros, eleva-os, “aquecem seus corações?...
- Aguce seus sentidos, abra o coração; há tantos que não podem mais esperar, pois ansiosos aguardam uma presença que acolha e uma palavra que os anime.

domingo, 10 de maio de 2020

Feliz Dia das Mães!

Mãe… 
São três letras apenas
As desse nome bendito:
Também o Céu tem três letras
E nelas cabe o infinito.
Para louvar nossa mãe,
Todo o bem que se disse
Nunca há de ser tão grande
Como o bem que ela nos quer.
Palavra tão pequenina,
Bem sabem os lábios meus
Que és do tamanho do Céu
E apenas menor que Deus!
(Mário Quintana)




ORAÇÃO PELO DIA DAS MÃES
Senhor Deus, neste dia consagrado às nossas mães, queremos vos apresentar nosso louvor e nossa gratidão pelo dom da maternidade. Graças vos damos, Deus de Bondade, por aquela que nos destes como mãe nesta terra. Recompensai-a por seus esforços e por sua dedicação. Olhai, Deus de amor, por aquelas que, em meio às vicissitudes da vida, não conseguiram levar adiante a vocação de mãe. Acolhei junto de vós aquelas que a morte levou de nosso convívio. Senhor, por intercessão da Virgem Maria, abençoai e protegei nossas mães. Amém.

Oração para Comunhão Espiritual

Em tempos de pandemia com igrejas fechadas e celebrações online, reproduzimos a seguir opções de oração para Comunhão Espiritual durante a participação em missas online:

Opção I:
Oração de Santo Afonso para Comunhão Espiritual
“Meu Jesus, eu creio que estais realmente presente no Santíssimo Sacramento do Altar. Amo-vos sobre todas as coisas, e minha alma suspira por Vós. Mas, como não posso receber-Vos agora no Santíssimo Sacramento, vinde, ao menos espiritualmente, a meu coração. Abraço-me convosco como se já estivésseis comigo: uno-me Convosco inteiramente. Ah! não permitais que torne a separar-me de Vós”.


Opção II:
Aos vossos pés, ó meu Jesus, me prostro e vos ofereço o arrependimento do meu coração
que mergulha no seu nada na Vossa santa presença
Eu vos adoro no Sacramento do vosso amor, a inefável Eucaristia.
Desejo receber-vos na pobre morada que meu coração vos oferece.
À espera da felicidade da comunhão sacramental, quero possuir-vos em Espírito.
Vinde a mim, ó meu Jesus, que eu venha a vós.
Que o vosso amor Possa inflamar todo o meu ser, para a vida e para a morte.
Creio em vós, espero em vós.
Amo-vos. 
Assim seja.
(Card. Rafael Merry del Val)

Fonte: Vatican News

Temos Morada no Coração de Deus

Texto do Pe. Adroaldo Palaoro, SJ (Centro de Espiritualidade Inaciana - CEI), como sugestão para rezar (contemplar) o Evangelho do 5º Domingo do Tempo Pascal.


“Na casa de meu Pai há muitas moradas” (Jo 14,2)

Sabemos que o Evangelho deste domingo antecede à Paixão e Morte de Jesus. Então, por que colocá-lo no contexto de Ressurreição? E a razão está centrada na atuação mesma de Jesus. Ele antecipou, na sua vida pública, que o destino definitivo do ser humano é o coração de Deus. Somos de Deus; em Deus, já “somos seres ressuscitados”.
O grupo mais próximo de Jesus está vivendo um momento de máxima tensão e medo. O ambiente está carregado: a traição de Judas, o anúncio da negação de Pedro, a revelação da Sua partida. Apesar do temor e da inquietação pairando no ar, Jesus diz coisas que nunca dissera antes: palavras condensadas, luminosas, mobilizadoras, procurando quebrar o clima pesado e convidando os seus amigos à calma, à confiança e revelando que na casa do Pai há muitas moradas. Todos estão (estamos) envolvidos por este amor providente e cuidadoso do Deus Pai e Mãe; no seu coração cabem todos.

O contexto tenso vivido pelos discípulos nos revela que o medo e a angústia estão presentes no ser humano desde as origens. Todo ser humano atravessa certos momentos da vida marcado pela experiência do medo e, em algumas ocasiões, de angústia.
O medo é uma vivência forte e intensa que sentimos diante da presença de um perigo, mais ou menos imediato e concreto.
A angústia, que no seu sentido original latino (“angustus”) significa estreito, apertado, sem espaço, é um estado afetivo doentio que aparece como reação diante de um perigo desconhecido, difuso, mas que afeta e trava toda o nosso ser, até seu último neurônio.
O medo e a angústia podem impregnar nossa vida e pode provir das causas mais diversas: medo diante da enfermidade, do fracasso, dos problemas afetivos e econômicos, da pandemia... Seja como for, o medo e a angústia podem fazer-se presentes em nós e bloqueiam nossas vidas, paralisando toda iniciativa e criatividade.

Quando estamos atravessando uma crise grave, como aquela vivida por Jesus e seus discípulos na véspera da Paixão, é reconfortante entrar na profundidade de nosso ser e deixar ressoar estas palavras: “não se perturbe o vosso coração; tende fé em Deus, tende fé em mim também”.
É a experiência do encontro com o Ressuscitado que nos pacifica, mesmo em situações de crises, fracassos, horizontes sem saída..., quando o medo e a angústia se manifestam com mais força.
A serenidade é uma vivência profunda, íntima, salutar... De repente, alcançamos uma paz inspiradora, uma paz que ninguém pode nos comunicar; uma alegria serena que pacifica nosso interior. Basta permanecer nessa paz, na nossa morada interior.
Por isso, Jesus fala de lugares, de moradas..., espaços que pacificam e nos livram das angústias e medos. E o coração de Deus é a morada pacificadora por excelência. O “lugar” do ser humano é Deus; viemos de Deus e retornaremos a Ele. “Só Deus basta” (S. Teresa).

É da nossa condição humana buscar um espaço, um lugar hospitaleiro e acolhedor, o lugar onde nos situamos no mundo e onde podemos ser encontrados. Como é bom experimentar que todos temos lugar, espaço! Deus mesmo se faz espaço amoroso para nós, nos concede um lugar inspirador.
Sabemos que o ser humano não teria como sobreviver sem um lugar, sem um espaço. Assim como somos seres de inteligência, sensibilidade, relação, etc., também somos seres de lugares (“homo locus”); não qualquer lugar, mas aquele onde possamos nos descobrir capazes de amar e sermos amados, de acompanhar e sermos acompanhados, de contribuir e sermos criativos, de realizar e sentir-nos realizados.
O espaço faz parte do ar que respiramos em nível fisiológico e biológico, como faz parte das nossas experiências interiores.
A nossa sociedade parece estar indo à deriva justamente porque não sabe mais reconhecer “espaços diferentes e vitais”, porque tudo se torna igual e os lugares não falam mais, pois carecem de sentido e se revelam como lugares vazios. Os espaços são violados, os “lugares sagrados” são profanados, os “ambientes” carregados de sentido e de história já não revelam mais nada...
Esse é o primeiro sintoma de uma visão humana desastrosa e desastrada. Na insignificância e no achatamento dos espaços está o primeiro e mais grave esmagamento do pensamento e da consciência, a ruptura das relações sociais, a frieza ecológica e o definhamento das experiências religiosas.

Neste mundo disperso, carente de espaços humanizadores, o evangelho de hoje nos dá referências e amparo. E a primeira referência que nos pacifica é a “casa”. “Na casa de meu Pai há muitas moradas”.
Caminhamos para a “casa” de Deus, sendo “casa” do mesmo Deus. Podemos, então, afirmar que quem realmente habita “nossa casa” não é o “eu”, mas Deus. “Em nós, Deus está em sua casa” (Mestre Eckhart). Esta morada interior é o espaço de transcendência, de oração, de admiração, de mistério, de silêncio; morada aberta e acolhedora, ambiente da comunhão, da comunicação, da intimidade; é a partir desta morada carregada de presenças que se vai ao Pai (Grande Morada).
Nesse sentido, a casa é mais do que uma realidade física, feita de quatro paredes, portas, janelas e telhado. Casa é uma experiência existencial primitiva, ligada ao que há de mais precioso na vida humana, que é a relação afetiva entre aqueles que a habitam e com aqueles que nela são acolhidos.
Casa, espaço do mundo que nós escolhemos, preparamos, organizamos, adornamos e fazemos a moradia a partir da qual contemplamos a Terra e o Céu. Por isso ela é reveladora de nossa identidade. “Dize-me como é tua casa e te direi quem és”. Ela é o espelho mais honesto dos nossos hábitos, o abrigo dos nossos medos, a nossa fotografia. É por este motivo, talvez, que muitos fogem da própria casa: não querem enxergar a si mesmos.

A casa nos ajuda a fincar raízes neste mundo e em nós mesmos; ela é lugar de referência e nos fornece orientação; ela anima nossa espera e alimenta o encontro; conserva nossa história, acolhe e guarda na memória as nossas alegrias e as nossas tristezas, as nossas conquistas e os nossos fracassos...
Estar em casa é estar no seu espaço, na sua intimidade, no lugar de plena liberdade e espontaneidade. Ela é o cenário principal do enredo e dos episódios de nossa vida; é o lugar seguro que nos possibilita   repouso e revigoramento afetivo, bem-estar e proteção... Casa representa segurança e refúgio das ameaças que vêm de fora; ela nos oferece um espaço estabilizador e nutridor, suscitando vigor e saúde integral. Sem ela facilmente perdemos a calma e o equilíbrio, tornando-nos presas fáceis da agitação, da perturbação, do medo e da angústia.
O lugar cotidiano da casa se converte na epifania do divino, no lugar concreto do encontro com Aquele que faz de nossa casa, Sua morada.
Nossas moradas provisórias nos revelam que todos somos peregrinos em busca da morada definitiva; nosso coração anseia pelas moradas eternas: o coração do Pai, onde cabem todos.


Textos bíblicos: Jo 14,1-12

Na oração:  
A casa é também a instância configuradora de nossa experiência de fé. Diante de tantos ruídos e imagens que nos violentam, a casa torna-se o lugar da escuta, do silêncio, da interioridade e da comunhão com o Transcendente, através de mediações simples como uma escuta musical atenta, uma boa leitura ou o exercício diário da oração.
- Entre em sua casa e deixe que o Espírito transite livremente por ela, afastando todo temor, tristeza e angústia...

sábado, 2 de maio de 2020

BOM PASTOR: na escola da vida...

Texto do Pe. Adroaldo Palaoro, SJ (Centro de Espiritualidade Inaciana - CEI), como sugestão para rezar (contemplar) o Evangelho do 4º Domingo do Tempo Pascal.


“Eu vim para que tenham vida, e a tenham em abundância” (Jo 10,10)

Todo 4º. domingo de Páscoa é dedicado ao tema do Bom Pastor. Embora o Evangelho de hoje não fale de “aparições” do Ressuscitado, não nos afastamos do tema pascal: a “Vida” é o verdadeiro tema pascal.
A fé pascal é isso: crer na vida. E quando dizemos “crer na vida”, não estamos falando em professar crenças, dogmas, doutrinas... Dizemos viver; dizemos confiar no potencial de vida em nós mesmos e nos outros; dizemos rebelar-nos contra todos os poderes que asfixiam a vida; dizemos fazer-nos presentes junto àqueles cujas vidas estão feridas; dizemos ser humilde fermento que transforma e levanta a história; dizemos respirar em paz e continuar caminhando cada dia, apesar do fracasso, da doença e da morte...
Crer na Páscoa é uma maneira original de ser e de viver.
Para crer n’Aquele que é o Vivente, não são necessários sepulcros vazios, nem anjos e nem aparições milagrosas, pois tudo está “animado” (inspirado) pelo Anjo da Vida, tudo é milagre, todos os sepulcros estão vazios de ausência, mas cheios de boa presença, da Graça de ser que Jesus viveu.
Só é preciso que abramos o coração e os olhos para apalpar a Vida em todas as mãos e pés feridos, em tudo o que é e palpita: o caminhante anônimo, o imigrante expulso, os índios invadidos, o ancião solitário, a criança abandonada, os enfermos esquecidos, os sem teto-pão-trabalho...
A presença do Pastor Ressuscitado, que vem ao nosso encontro em cada passo, nos chama pelo nosso nome e nos diz no segredo do coração: “amigo(a), não temas; confia e vive!”.

O Evangelho é um contínuo chamado à Vida. Não qualquer vida, mas a Vida verdadeira, a Vida que deseja ser despertada para romper com tudo aquilo que a limita. Por isso, o relato do Bom Pastor é uma verdadeira catequese sobre o encontro com Aquele que é Vida e que é fonte de Vida em crescente amplitude.
Jesus não vem prolongar a vida biológica, vem comunicar a Vida de Deus que Ele mesmo possui pelo Espírito e da qual pode dispor. Ao mesmo tempo, vem ativar em todos nós as potencialidades de vida que ainda não encontraram possibilidades de expressão. Somos um manancial de vida que se visibiliza na criatividade, na capacidade de sonhar, no encontro compassivo com os outros, na comunhão com todas as manifestações de vida.
Em Jesus acontece algo totalmente novo; Ele traz uma nova maneira de viver e de comunicar vida que não cabe nos nossos esquemas. É justamente isso o que mais atrai em sua pessoa. Quem entra em comunhão de vida com Ele, conhece uma vida diferente, de qualidade nova, expansiva...
Nesse sentido, a experiência do Seguimento de Jesus é uma verdadeira “escola de vida”, cujo aprendizado nos leva ao âmago do nosso ser, para enraizar nossa vida no coração da Trindade, dele haurir a seiva da vida divina e deixar-nos plenificar pela graça transbordante de Deus.
Pois, em nossa vida flui a plenitude da Vida, e nossa vida flui para sua plenitude, em passagem ou páscoa permanente. Nada mais contrário ao espírito do Evangelho que a vida instalada e uma existência estabilizada de uma vez para sempre, tendo pontos de referência fixos, definitivos, tranquilizadores...

Jesus de Nazaré “passou fazendo o bem”, não de qualquer modo. Aquele homem que movia multidões em toda a Galileia, por sua pregação e milagres, não era um revolucionário violento. E, no entanto, nem por isso, deixou de ser inquietante e perigoso. Como Bom Pastor, aproximou-se e cuidou, de forma preferencial, dos mais fracos, pequenos, necessitados..., deixando-se “tocar” e “tocando” as situações humanas mais rejeitadas, mais quebradas, mais dolorosas, mais sofredoras e marginalizadas...
Como Bom Pastor, Jesus transbordou ternura sobre nossa humanidade ferida, despertando a vida atrofiada e escondida no interior de cada um(a).
Para o evangelista João, a “vida” é uma totalidade, ou seja, a vida presente, a vida atual, possui tal plenitude que, com toda razão, podemos chamá-la de “vida eterna”; uma vida com tal força que nem a morte mesma terá poder sobre ela. A vida eterna, então, não é um prolongamento ao infinito de nossa vida biológica. É a dimensão inesgotável e decisiva de nossa existência. Ela torna-se “eterna” desde já.
Precisamos adquirir uma consciência mais profunda da vida enquanto “seres já ressuscitados”, perceber as pulsações desta vida eterna que está em nós, do mesmo modo que, prestando atenção, percebemos as batidas do coração de toda a criação. Nesse sentido, a vida tem a dimensão do milagre e até na morte anuncia o início de algo novo; ela carrega no seu interior o destino da ressurreição. “Minha vida é uma sucessão de milagres interiores” (Etty Hillesum). Vida plena prometida por Jesus.

Nem sempre sabemos viver de maneira intensa: conformamo-nos com uma vida estreita, estéril, fechada ao novo, carregada de “murmurações”, presa ao cotidiano repetitivo e “normótico”. O dinamismo do Seguimento de Jesus, no entanto, é gerar vida, possibilitar que o(a) discípulo(a) viva a partir da verdade mais profunda de si mesmo(a); ou seja, viver a partir do coração, do “ser profundo”.
A imagem de Jesus “Bom Pastor”, conduzindo e abrindo novos espaços para suas ovelhas, nos ajuda a conhecer nossa própria interioridade (redil) e despertar nossa vida, arrancando-a de seu fatal “ponto morto”, de seus limites estreitos e constituindo-a como vida que se desloca em direção a novos horizontes.
O seguimento proporciona vigor inesgotável, nossa vida se destrava e torna-se potencial de inovação criadora, expressão permanente de liberdade, consciência, amor, arte, alegria, compaixão.... É vida em movimento, gesto de ir além de nós mesmos; vida fecunda, potencial humano. Vida com fome e sede de significado, que busca o sentido... Vida que é encontro, interação, comunhão, solidariedade. Vida que é seduzida pelo amor, pela ternura. Vida que desperta o olhar para o vasto mundo. Vida que é voz, é canto, é dança, é festa, é convocação...
Somos Vida, não há lugar para o temor!

Na Igreja de hoje, assim como naquela de São João, devemos ser presenças de compreensão, de abertura, de acolhida, de compaixão, de tolerância e de perdão, caso queiramos multiplicar a vida em abundância e semear a esperança. Se nós asfixiamos as pessoas, se recusamos a acolhê-las como são, se as condenamos, não podemos pretender querer alimentar a vida em abundância n’aqueles(as) que nos são confiados. Todos nós temos esta responsabilidade de abrir espaços para que a vida vá se expandindo. É a mais bela das vocações e é a única maneira de ser fiel ao Cristo Bom Pastor.
Na vivência pascal somos tomados de uma “moção à vida”, que nos impulsiona a prolongar o ministério do Bom Pastor, sempre em favor da vida.


Texto bíblico:  Jo 10,1-10

Na oração:
Para quem vive uma “passagem” autêntica (Páscoa) é impossível não ser movido a viver mais intensamente, a valorizar a vida e a colocar-se a serviço dela; porque, neste percurso litúrgico, cada pessoa experimenta a paixão eterna de Jesus pela vida e por todas as manifestações de vida na face da terra. No tempo pascal, cada seguidor(a) do Bom Pastor revisa sua própria vida à luz do amor criador e redentor de Deus; percebe o dom da vida na sua origem e alimenta a gratidão para expandir este dom como presença criativa e original.
- Jesus continua exercendo seu “pastoreio” através de seus (suas) seguidores(as); que ações concretas, você pode ativar no dia-a-dia, para que nelas transpareça o coração do Bom Pastor?