Apresentamos a seguir o texto do Pe. Adroaldo Palaoro, sj (Centro de Espiritualidade Inaciana - CEI), como sugestão para rezar o Evangelho do 16º Domingo do Tempo Comum - Ano A.
“Pode acontecer que, arrancando o
joio, arranqueis também o trigo. Deixai crescer um e outro até a colheita” (Mt 13,29-30)
A Bíblia fala sempre da vida humana. Nela
encontramos inúmeras referências à questão da sombra ou do lado obscuro
em nossa vida.
Textos emblemáticos são as parábolas
de Jesus que des-velam o que somos, o que está acontecendo em nosso interior;
em certo sentido, assemelham-se a uma descrição de nossa realidade interior.
Não são contos moralizadores; todos os personagens que aparecem somos nós. Por
isso, as parábolas são tremendamente iluminadoras. Com efeito, cada um de nós é
um tipo diferente de terreno; cada um, o trigo e o joio; cada um, os dois
filhos; cada um, o fariseu e o publicano..., e assim por diante, em todas as
parábolas.
O primeiro e o mais claro que se
revela na parábola que a liturgia nos propõe para este domingo, é que a
realidade da vida humana é de tal condição, que nela sempre vão estar mesclados
o bem e o mal, o trigo e o joio, a boa e a má erva. Este é o fato.
Todos gostaríamos que as coisas
acontecessem de outra maneira. E que, portanto, não teríamos que ver cada dia
tanto joio sufocando o bom trigo que cresce e dá vida.
Em nosso interior também sentimos
cruamente o trigo e joio, e gostaríamos de ser um bom campo de trigo, desses
movidos pelo vento, que antecipam um pão abundante; e todo joio que aparece
junto a esse trigo nos molesta, desejaríamos arrancá-la e como, depois de muito
esforço, não conseguimos, então empreendemos a tarefa de ir buscar joios em
campos alheios com um fervor que impressiona.
A parábola do joio e do trigo revela a tendência humana em realizar os ideais de perfeição
e distanciar-se cada vez mais de sua condição de criatura. O ideal é o ser
humano “puro” e “justo”, sem qualquer imperfeição ou
fraqueza. Tal tendência nos leva ao rigorismo contra nós mesmos, ou seja, nos
leva a proceder com violência contra nossas próprias limitações.
Aquele que, a qualquer preço, deseja ser “perfeito”,
em seu campo não irá crescer senão um trigo raquítico. Nas nossas raízes o joio
está intimamente misturado com o trigo. Quando alguém não admite em si nenhuma
falha, com suas paixões ele arranca também a própria vitalidade, com a fraqueza
ele destrói também a própria força. Muitos perfeccionistas e idealistas se
fixam de tal maneira sobre o joio em seu interior que só pensam em eliminar as
falhas, de tal modo que a vida mesma fica prejudicada.
De tão perfeitos, eles ficam sem força, sem
paixão, sem coração.
Numa espiritualidade
“perfeccionista”, o ideal é o homem-mulher puro (a) e santo (a), sem defeitos
nem fraquezas. Mas isso leva a um rigorismo moral, contra o qual parece
dirigir-se a parábola deste domingo. A arte da humanização consiste na
reconciliação com a própria sombra.
O ser humano comporta em si amor e ódio, razão e emoção, gentileza e dureza...
Muitas vezes vivemos apenas um polo
e recalcamos o outro. Enquanto este permanecer nas sombras terá um efeito
destrutivo. Muitos ficam chocados quando, apesar de todo esforço para serem
pessoas amáveis e gentis, descobrem em si lados insensíveis, antipáticos e
ofensivos.
Um outro aspecto que aparece na parábola é que os
“trabalhadores do Senhor”, ou seja, os que se veem a si mesmos como os
vigilantes da ortodoxia e da moralidade, tem a tendência de querer logo
arrancar o joio. Ou seja, não toleram que o bem e o mal estejam misturados. E
querem um campo limpo de tudo o que eles veem como joio. Normalmente, esta
tendência daqueles que se consideram como “vigilantes do bem” costuma
desembocar na intolerância e inclusive na intransigência e no fanatismo.
Na “parábola do trigo e do joio” ,
o impaciente é nosso orgulho, que gostaria de chegar de imediato aos resultados
para ficar “satisfeito”.
Enquanto
vivermos, o joio crescerá no campo do nosso interior. Conviver com isso nos faz
mais humildes e nos protege de uma dureza falsa em relação a nós mesmos e aos
outros.
A sabedoria de Jesus convida-nos a
reconhecer em nós, misturados, o trigo e o joio. Este último, que é semeado
“durante a noite”, isto é, na obscuridade do inconsciente, podem ser nossas
próprias sombras, aquilo que tentamos eliminar porque se mostra incômodo
para nós e não combina com nossos ideais pré-fixados... E Jesus não nos pede
que sejamos só trigo – essa é a armadilha de toda espiritualidade farisaica –,
mas que aceitemos nossa verdade completa e reconciliemos também com o “nosso
lado obscuro”
Numa leitura moralista e dualista da vida, nós
gostamos de separar o bom do mau, os que pensam como nós e os que não pensam
como nós, os que são dos nossos e aqueles aos quais não os levamos em conta.
Há muitas pessoas que, não só se sentem
capacitadas, senão que além disso estão empenhadas em arrancar o quanto antes o
que elas pensam que é a erva má. São os intolerantes, os que não suportam
aqueles que fazem ou dizem o que eles creem que não se deve fazer nem dizer.
Por isso não respeitam o pluralismo, nem a diversidade. Exigem que todos lhes
respeite, mas eles se consideram com direito a não respeitar o dissidente, o
diferente ou simplesmente o outro.
No entanto, o Senhor (dono do
grande campo da vida) não quer que ninguém se veja no direito de discernir o
que é trigo e o que é joio. Mas, sobretudo, o Senhor não tolera que ninguém se
constitua em juiz que, como consequência, vai pela vida arrancando tudo o que a
ele lhe parece que é joio. Porque pode equivocar-se. A religião não tem nem
autoridade nem competência para decidir o que é joio na sociedade. E menos
ainda tem competência para arrancar essa presumível joio.
Somente o Senhor pode saber quem é
trigo e quem é joio.
O ensinamento do evangelho de hoje é claro:
sejamos tolerantes e respeitosos. Não julguemos, não condenemos e deixemos a
Deus ser Deus. Nós não somos “deuses”.
A fertilidade
da nossa vida nunca é expressão de uma impecabilidade absoluta, mas resulta da
confiança no fato de que o trigo é mais forte do que o joio e de que o joio
poderá ser separado na colheita.
Em tudo
que fazemos devemos ser permeáveis ao Espírito
de Deus. Mas sempre devemos permanecer humildes e contar com a
possibilidade de que nossas atividades cotidianas se misturem com segundas
intenções. Essas são o joio. Mas isso não significa que devemos deixar o joio determinar a
nossa vida, através do seu crescimento irrefreado.
A questão
de fundo é esta: qual dos dois alimentamos em nossa vida: o joio ou o trigo?
Aqui se trata de pôr ambos, o trigo
que cresce em nós e o joio que espreita, sob o olhar e o cuidado do Semeador;
porque só Ele é que pode fazer a colheita. O decisivo é colocar o Senhor no centro
de nossa vida; e onde Ele encontra espaço de atuação, ali o trigo cresce viçoso
e produz frutos.
O caminho do seguimento de Jesus não
visa nos transformar em pessoas perfeitas e impecáveis. Antes, deseja
encorajar-nos a conviver com nossos lados sombrios. O seguimento de Jesus,
portanto, não é combate interno que desgasta, visando eliminar o joio, mas
abrir espaço para que o Semeador atue com sua Graça.
Texto bíblico:
Mt 13,24-43
Na
oração:
A
vida cristã nos faz especialistas em interioridade precisamente porque somos
levados a percorrer, mil e uma vezes, todos os meandros de nosso interior para
encontrar, transcendendo luzes e sombras, a Presença criadora que tudo sustenta
e vivifica.
E
é simplesmente dessa maneira que nos tornamos mais humanos e, portanto, mais
divinos.
- Quê
lucidez você tem de sua própria sombra (joio) e qual a sua
atitude com relação a ela? Quê atitudes você assume para que o trigo determine
sua vida?
Nenhum comentário:
Postar um comentário