“Bem-aventurados
os misericordiosos, porque alcançarão misericórdia” (Mateus 5,7)
A liturgia
deste domingo nos motiva a fazer memória dos Santos e Santas, aquelas pessoas que, conhecidas ou anônimas, são
presenças inspiradoras para nós que buscamos viver o seguimento de Jesus Cristo
com mais autenticidade. Ao mesmo tempo, esta festa vem nos recordar a vocação à
qual todos somos chamados: vocação à
santidade. E santidade
significa, na sua essência, ser presença misericordiosa.
Para Jesus,
a Santidade é fundamentalmente a
atitude e o modo de agir que deixa fluir os mesmos sentimentos e a mesma ação de
Deus Pai: “Sejam
misericordiosos como o Pai é misericordioso” (Lc 6,36).
O chamado a prolongar o proceder misericordioso de
Deus (sua Santidade), sempre tem um “mais” de amor, de paz, de mansidão, de
justiça, de consolação..., recebido e vivido na relação com os outros, dentro
do acontecer cotidiano e imprevisível da vida.
Portanto, é
nas bem-aventuranças que encontramos
um “modo de proceder” que nos faz crescer na direção da Santidade de Deus. É na
vivência das bem-aventuranças que deixamos transparecer o que há de mais divino em nós; ao mesmo tempo, elas
fazem emergir o que há de mais humano
em nossas vidas.
A plenitude do humano só se alcança no divino,
que já está presente em nós. Ser santo(a) é aspirar ser mais humano
a cada dia, destravando e expandindo o amor que Deus derramou em nosso
interior.
Quando acreditamos que para ser santo(a)
temos de anular os sentidos, reprimir os sentimentos, submeter a vontade,
centrar a vida nas renúncias e sacrifícios… nós estaremos nos desumanizando.
Quando colocamos a santidade no extraordinário, estamos
nos afastando da referência evangélica. Se cremos que santo é aquele que faz o
que ninguém é capaz de fazer, ou deixa de fazer aquilo que todos fazem, já
caímos na armadilha do ideal de perfeição. E a perfeição não
justifica e nem salva o ser humano. Não fomos chamados para sermos “perfeitos” mas
para sermos “santos”; e a santidade é vivida em meio às fragilidades e
limitações da vida cotidiana, inspirando-se sempre na santidade de Deus.
É na medida que nos fazemos mais
humanos que mais nos santificamos. Ser santo(a) é ser humano(a) por excelência.
As bem-aventuranças
des-velam o verdadeiro rosto do(a) santo(a). Quem é ditoso(a)? Quem é bem
aventurado(a)? Quem é feliz? Dizer que são felizes os pobres, os que choram, os
mansos, os misericordiosos, os que tem fome e sede de justiça, os perseguidos...
é um contrassenso para o nosso contexto social, onde ditoso é aquele que mais
acumula bens, que tem mais poder, mais prestígio..., sem se preocupar com a
situação dos outros.
Só conhecendo a intenção de Jesus é
que poderemos descobrir o sentido das bem-aventuranças. Só descobrindo o que há
de Deus em nós, poderemos cair na conta do verdadeiro sentido da santidade.
Não bastam os meros sentimentos
interiores, mas é preciso atitudes práticas que nos fazem sair de nós mesmos e
nos movem ativamente ao encontro do outro.
Poderíamos dizer que as Bem-aventuranças são a quinta-essência
do seguimento de Jesus.
Jesus, ao subir o monte das bem-aventuranças,
promulga seu programa de “felicidade e ventura”.
Ele compreendeu que o meio mais eficaz e mais
direto para nos aproximar de Deus, e para que cada um se realize como ser
humano que é, não é estabelecer proibições, mas fazer propostas
que mais e melhor se harmonizem com nossa condição humana, com aquilo que mais
desejamos.
O Evangelho, a “boa notícia”, é o
tesouro que enche o ser humano de uma felicidade indescritível.
Com efeito, a primeira
característica que aparece nas bem-aventuranças é que o programa de vida que
Jesus nos confiou é um programa para alcançar a felicidade, a vida
ditosa, prazerosa, bem-aventurada. Na boca de Jesus brilha sempre a
palavra chave: “Felizes”.
As bem-aventuranças não são leis para simplesmente evitar o mal, mas o
potencial humano que, quando ativado, espalha criativamente, por todos os
lugares, a Bondade e a Beleza divinas.
Expressam, de modo conciso e explícito, o coração mesmo de Jesus e seu
desejo ardente de contagiar a todos os que se encontravam com Ele. A felicidade proclamada era já uma
realidade presente na Sua pessoa e na Sua missão.
Jesus nos convida a viver uma felicidade que já está em marcha. A vida é movimento e as bem-aventuranças possibilitam a
passagem de uma vida suportada para uma vida plenamente assumida.
Nelas, Jesus nos desperta para
sairmos de nossa paralisia e fixação, colocando-nos em marcha através de nossa fome
e sede de justiça, através dos lutos que temos de superar e das oposições que
temos de enfrentar, através da mansidão, da busca da paz…
O núcleo do ensinamento de Jesus está na quarta
e quinta bem-aventuranças. A atitude central do discípulo do Reino é a misericórdia
e a fome de justiça; uma fome de justiça que brota da
misericórdia, e uma misericórdia que se expande não no mero assistencialismo,
mas na fome e sede de justiça. Convertidas em princípio
de felicidade, a misericórdia e a fome de justiça são o dinamismo e o
motor de toda verdadeira humanização; esta é a nota fundante do Evangelho, o
princípio de todo amor cristão, entendido de forma universal, como amor que
cria, ajuda, pacifica, eleva..., enfim, abre um horizonte de sentido.
As demais bem-aventuranças são como círculos
concêntricos que nascem em torno à atitude fundamental da misericórdia e da
fome de justiça.
A terceira e a sexta
bem-aventuranças: de um lado uma pessoa aflita, condoída,
sofredora, com um pesar pela situação do
mundo, pela dor das vítimas; ou seja, a fome e sede de justiça e a misericórdia
lhe deixam um certo entristecimento, compatível com muitas alegrias. De outro
lado, essa dor faz com que, aquele que reage com misericórdia e fome e sede de
justiça, tenha o coração limpo: a fome de justiça vivida com esse
tipo de dor limpa o coração. E os corações limpos encontram a Deus.
A segunda e a sétima
bem-aventuranças: aqueles que tem misericórdia e fome de justiça são mansos.
A mera indignação pode torná-los violentos, mas a misericórdia os faz mansos,
não violentos. E também, precisamente por essa mansidão, serão atores de paz,
serão pacificadores.
E chegamos ao último círculo desta
atitude central: quê acontece com aqueles que adotam esta atitude? Tornam-se
“pobres com espírito”. A fome de justiça e a misericórdia aproxima-os dos
pobres, despoja-os de muitas coisas... Esses são os pobres pelo Espírito.
Eles tem o coração desprendido; por isso se tornam pobres e, em paralelismo com
isso, são perseguidos por causa da justiça.
Texto bíblico: Mateus
5,1-12
Na
oração: Marcado
pelo espírito das Bem-aventuranças, movido por um olhar novo e um
coração ardente, entre em comunhão com a realidade tal como ela é; sinta
o mundo como “sacramento de Deus” e
seja capaz de descobrir e apontar os sinais de esperança ali presentes; revele uma presença afetiva,
marcada pela ternura, compaixão e por isso geradora de misericórdia; presença
comprometida solidariamente com o Projeto de Jesus, na vivência da mansidão e
na busca a paz...
-
Reze as dimensões da vida que estão
paralisadas, impedindo-o viver a dinâmica das bem-aventuranças.
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