“Haverá
grandes terremotos, fomes e pestes em muitos lugares; acontecerão coisas
pavorosas e grandes sinais serão vistos no céu” (Lucas 21,11)
Aproxima-se o final de
mais um ciclo litúrgico e a celebração eucarística deste domingo nos situa
diante do último discurso de Jesus, anunciando a queda do Templo de Jerusalém e
a presença das crises.
As crises são situações de passagem e fazem parte do crescimento
humano, tanto pessoal como coletivo. Não há desenvolvimento sem períodos de
ruptura e de descontinuidade. Mas, muitos permanecem paralisados diante do seu
caráter ameaçante; acabam por retrair-se e isolar-se no medo.
No entanto, a crise revela uma excelente oportunidade
para dispor-nos a avançar, dando um salto qualitativo e de crescimento.
Inclusive ela pode ser ocasião propícia para ativar recursos e potencialidades
latentes que em tempos de aparente harmonia ainda não tiveram chance de se
manifestar. Em cada situação crítica que parece bloquear o caminho, saímos mais
humanos e mais criativos.
Nas diversas
sabedorias e culturas, como também na psicologia, sociologia,
espiritualidade... as crises não só
são inevitáveis, mas necessárias e convenientes, porque indicam a passagem de
uma etapa a outra. Esta passagem é sempre incômoda, difícil e, inclusive,
perigosa porque os elementos que tinham encontrado seu equilíbrio se
desestabilizam. Necessita-se habilidade, coragem, tempo e paciência para que se
encontre de novo a harmonia. As crises, portanto, não são acidentes de
percurso, são a essência mesma do caminho.
O perigo está em
permanecer nas manifestações externas e nas evidências imediatas da crise
(terremotos, fomes, sinais pavorosos...), conduzindo-nos ao desespero e a sensação
de perder o solo sob nossos pés. Só quem desce às profundezas de seu ser
encontrará solo firme sobre o qual manter-se inabalável. O furacão revela um
núcleo interior de calma e serenidade, enquanto ao seu redor espalha destruição
e violência. O mar, nas suas profundezas encontra-se tranquilo, enquanto na
superfície as ondas mostram-se agitadas.
A vida está atravessada por um misterioso impulso de “sempre mais”,
dinamismo que caracteriza a essência do existir humano; ela está em permanente
desenvolvimento e as convulsões fazem parte do processo de mudança e
crescimento.
Em tempos de crise, tudo
aquilo que nos dava segurança, parece desmoronar-se: o horizonte fica obscurecido,
os valores perdem credibilidade, tudo passa por desestabilizações, rupturas, novas
adaptações. Tal situação gera insegurança, medo, impotência e experiência de
fracasso: projetos se esvaziam, a esperança se atrofia, a criatividade se
petrifica...
O crescimento do ser
humano não é linear senão que transcorre através de uma sucessão de rupturas.
A primeira é o
nascimento, a crise maior de nossa vida, juntamente com a morte, que é a última.
Nossa existência é um percurso entre duas rupturas nas quais se dá uma mudança
qualitativa entre um modo de ser a outro. Nascer supõe abandonar o ventre
materno para expor-se ao desafio da individualidade; morrer supõe deixar esta
individualidade para entrar em outro modo de existência. Cada etapa de
crescimento suporá um tipo de crise. Assim avança a vida, abrindo-se caminho
sem cessar à custa de deixar os territórios familiares para adentrar-se nos
inexplorados.
Atribui-se a Albert
Einstein as seguintes palavras:
“Não pretendamos que as coisas mudem se
sempre fazemos o mesmo. A crise é a melhor benção que pode acontecer às pessoas
e aos países, porque a crise traz progressos. A criatividade nasce da angústia,
como o dia nasce da noite escura. É na crise onde nasce a inventividade, as
descobertas e as grandes estratégias. Quem supera a crise, se supera a si mesmo
sem ficar superado. Sem crises não há desafios e a vida torna-se uma rotina,
uma lenta agonia”.
O Evangelho de hoje nos
convida a não permanecer na casca da vida. Jesus nunca fica na superfície das
coisas; sempre vai às raízes. É mais fácil nadar à superfície da água que
mergulhar nas profundidades.
Transitamos
na casca da vida e esquecemos a verdade da vida; dá medo nos perguntar por
aquilo que é essencial; preferimos, muitas vezes, permanecer no superficial, no
acidental.
Quando resistimos
encontrar com o essencial, afastamo-nos do nosso próprio ser original; quando
fugimos do essencial vivemos no vazio. Porque, encontrar-nos com o essencial é
deparar-nos com nossa verdade. E isso é doloroso. Custa-nos olhar no espelho de
nossa verdade. E se temos medo da própria interioridade, ficamos à mercê dos
ventos, tempestades e terremotos. Tudo parece sem solo, nada confere firmeza.
Os tempos difíceis e de
crises não devem ser tempos de lamentos ou de desânimo. Não é a hora da resignação,
da passividade ou da fuga. A ideia de Jesus é outra: em tempos de crise “tereis ocasião de testemunhar a vossa fé”. É então, precisamente, quando nos é oferecida a
melhor ocasião de dar testemunho de nossa adesão a Ele e a seu projeto.
Pertence à crise o
aspecto dramático e a sensação da perda dos pontos de orientação. Por isso se
impõe a coragem de saber esperar o decantamento da água turva (“em
tempo de crise não se toma decisão”).
O tempo de crise
revela-se também como o momento para cultivar um estilo de vida cristã,
paciente e tenaz, que nos ajude a responder às novas situações e desafios sem
perder a paz nem a lucidez.
É tempo de discernimento que possibilita uma nova forma de vida.
Jesus, ao falar da destruição do Templo de Jerusalém não estava interessado
na destruição dos edifícios, e sim, na destruição da vaidade e do orgulho
humano; não vislumbrou a ruina dos muros e das pedras, e sim a ruína da
vanglória. Sua presença rompe muralhas, afasta as pedras que
impediam a manifestação da Vida.
Em Jesus ocorre algo totalmente novo. Ele traz
uma nova maneira de viver que não cabe nos nossos esquemas; o Evangelho é uma
novidade que rompe velhas muralhas.
Dizer: “não ficará pedra sobre pedra” é o mesmo que dizer: “não ficará orgulho sobre orgulho, opressão
sobre opressão, injustiça sobre injustiça…” Há
muitas pessoas encerradas em seus próprios muros, fechadas em si mesmas,
em seus interesses, vivendo um universo de egoísmo e exclusão. Vivem separadas
dos outros e, quando encontram pessoas semelhantes, criam verdadeiras muralhas ao seu
redor.
Cobrimo-nos de pedras,
rodeamos nosso coração de muros, construímos muralhas que nos afastam dos outros e de Deus.
É isso que somos convidados a fazer: destruir o
templo de Jerusalém da solidão, fechamento, angústia, alienação, indiferença, rancor, medo e insegurança… Precisam desaparecer
os templos abusivos onde adoramos o nosso “eu” e idolatramos a riqueza, o
poder, o prestígio… É preciso derrubar as muralhas do preconceito, das idéias
fixas, dos modos fechados de viver..., que impedem o fluir da vida. A Vida que habi-ta em cada um de nós. Há
uma força interior que quer romper
a casca e transbordar numa explosão vital multipli-cadora. É
sobre as cinzas de nossas míseras ambições que o Reino de Deus plantará suas
raízes.
Texto
bíblico:
Lucas 21,5-19
Na oração: Para
Jesus, a verdadeira beleza não está nas pedras do templo, mas na nossa
interioridade, “casa de Deus e espaço de oração”. É o único lugar que permanece tranquilo e
sólido diante das sacudidas existenciais provocadas pelas crises.
- Como você reage diante de suas
crises: na fé, no sentido da vida, nos relacionamentos...
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