“Eles pegaram o corpo de Jesus e o
envolveram, com os perfumes, em faixas de linho...” (Jo 19,40)
Sábado
Santo é
o dia da “solidão dos vivos”: Jesus ausente; os discípulos escondidos e
cheios de medo; a dor de Maria e das mulheres discípulas....
Domina na comunidade cristã um ambiente carregado
de morte, um dia esvaziado de toda esperança.
No caminho do seguimento de Jesus também há sábados
santos, tanto no nível pessoal como comunitário. Noites escuras,
silêncios carregados de tristeza, incapacidade para orar e falta de esperança.
Mas este dia também nos ajuda a ressignificar
o sentido da solidão. Há solidão
vazia, que deprime..., mas há solidão que nos faz ter acesso a dimensões
desconhecidas de nossa vida.
É preciso, com Jesus, descer ao
túmulo de nossa interioridade, transitar por espaços e dimensões não integradas
e nem pacificadas. Só quem mergulha nas profundezas de sua existência é capaz
de morrer às exigências do “ego” e vislumbrar as potencialidades de vida que
ainda não foram ativadas. “Se o grão de
trigo
que cai na terra, não morre, fica só”
(Jo 12,24).
Este espaço de silêncio não é de
morte, mas de vida germinal, é noite que aponta à aurora, são as noites escuras
da vida que desembocam na alegria da alvorada; é tempo de fé e de esperança, é
momento de semear, mesmo que não vejamos os resultados, é tempo de crer que o
Espírito do Senhor, criador e doador de vida, está fecundando a história e a
terra para seu amadurecimento pascal e escatológico, para a terra nova e o céu
novo.
Todos
queremos fugir da solidão: queremos
escapar de nós mesmos, ocultar nossa fragilidade e impotência, distanciar de
nossa responsabilidade. Com isso, nos refugiamos no ativismo, nas distrações da
superficialidade, na conexão descompromissada... E assim desembocamos numa
solidão egoísta, sem espírito e nem vida, sem amor aos outros, sem verdadeira
companhia.
Um dos maiores problemas de nosso mundo ocidental é
a falta de solidão verdadeira: temos medo de enfrentar a realidade, de viver em
profundidade, de doar nossa vida em transparência. Temos medo de estar
sozinhos. Por isso nos cercamos do espetáculo da vida impessoal, dos meios de
comunicação, de notícias sem fim. Dessa forma inventamos solidões sem
comunicação, comunicações sem solidão e sem encontro pessoal. E enquanto isso,
há milhões de pessoas condenadas à solidão da doença, da fome, da exclusão,
morrendo, como Jesus, em uma Cruz.
Sábado Santo vem nos dizer que só aquele(a) que se conhece e se
aceita na solidão, pode sair de si mesmo(a) para viver o encontro. Só um
verdadeiro solitário no amor pode ser solidário, só um coração
desprendido pode atrair e congregar no amor os outros, formando com
eles uma “rede” de vida. Dessa forma, a intimidade do solitário, que é senhor
de si mesmo, se transforma em comunhão de vida que enriquece. Esta é a solidão
para o encontro, uma intimidade para a companhia.
Na paciente
espera pelo Deus Amor, descobrimos o
quanto Ele já preencheu nossas vidas. Nossa relação com Ele fica mais profunda
e mais madura através da experiência purificadora da sua ausência
(assim como duas pessoas que se amam, redescobrem-se depois de longos períodos
de ausência).
Dando
ouvidos a nossos anseios, ouvimos Deus como Criador.
Tocando o
centro de nossa solidão, sentimos que fomos tocados por mãos misericordiosas.
Sentindo
nosso infinito desejo de amor, compreendemos que só podemos amar por termos
sidos amados antes e que podemos oferecer nossa intimidade apenas porque
nascemos da intimidade de Deus.
Sábado
Santo,
portanto, é o dia do lamento e da espera paciente, carregada de esperança.
Acompanhamos Maria e os(as) discípulos(as) neste silêncio denso, nesta espera
confiante.
Algo pulsa em nosso eu profundo, rebelando-se
contra toda apatia e nos recordando a faísca de esperança ali presente. Escutemos
nosso interior, em meio ao silêncio!
Contemplemos a espera angustiada de mundo, dos
povos, das pessoas. Contemplemos o mundo e a humanidade em seu sábado santo, em
seu dia de silêncio, em seu isolamento social.
Esse parece ser o estado da humanidade neste
momento; um estado de paralização e de espera que parece não ter saída.
Envolve-nos a obscuridade; estamos no túnel e não vemos a saída. O corpo da
humanidade encontra-se ferido, des-vitalizado. Não é a morte, mas tampouco é a
vida.
Como os discípulos de Emaús, somos fustigados pela
incredulidade, pelo desencanto. Ainda não há razões fortes para esperar.
Experimentamos o Deus na noite escura, o Deus ausente. Parece que guarda
silêncio e que não lhe importa que “desçamos aos infernos”.
Nosso mundo
carrega as feridas da doença e da morte; geme em dores de parto. “Sabemos que toda a Criação, até o presente, está gemendo como que em
dores de parto, e não só ela, mas também nós, que temos as primícias do
Espírito, gememos em nosso íntimo, esperando a condição filial, a redenção de
nosso corpo” (Rom 8,22-23).
Só há uma pequena luz que permanece acesa da casa do discípulo amado, na
casa daquele a quem Jesus confiou sua Mãe, no momento de sua morte. A Mãe é o
símbolo da esperança no Sábado Santo. É o dia “mariano” por excelência. Nunca,
como neste dia, ela se sentiu tão só, tão sem corpo. Mas, com certeza, o Abbá
de Jesus tinha para ela um segredo, um advento inesperado: o momento de
exclamar: “tu és o meu Filho, eu hoje
te gerei” (Hb 1,5).
As mães geram a vida; por isso, custa-lhes crer na morte. Maria continua
crendo na vida; ela é mãe demais para esquecer. Seu filho é muito Filho para
morrer.
Envolve-nos a noite de uma crise global
que afeta a todos de maneira igual; mas, a “noite sabática” reacende a paixão
pela vida, desafio mais urgente de nosso tempo; paixão por toda
expressão de vida, especialmente pelas vidas mais ameaçadas. Dar vida foi a
paixão de Jesus, expresso nestas palavras: “Eu vim para que todos
tenham vida e vida abundante” (Jo 10,10). Dar vida, protegê-la, curá-la,
cuidá-la, defender sua dignidade, denunciar tudo o que a ameaça e lutar contra
isso foi o que levou Jesus a perder sua própria vida. Tal é a disposição que
hoje precisamos cultivar para iluminar a noite de nosso tempo.
Lentamente, o olhar se faz penetrante,
o ouvido
se faz sensível, o tato se faz delicado e o imperceptível se faz concreto; o
longínquo torna-se próximo, o desconhecido torna-se familiar, o extravio
torna-se direção, a solidão torna-se companhia, o ignorado torna-se revelação.
A noite é o tempo do mistério
e da promessa, é o lugar da espera e
da realização, o espaço do desejo e do encontro, da invocação e da revelação,
do sofrimento e da paixão, do silêncio e da oração, da vida e da morte... Na noite o que conta, o que vale não se
diz, não se vê, não se sabe: deseja-se, espera-se, recebe-se, realiza-se. Não é
um simples eco aquela voz que
anuncia no escuro o início do cumprimento de uma promessa que vem de longe
e traz luz, festa, alegria, canto...
A fidelidade da promessa
ouvida na noite é uma semente. Existe, mas tem necessidade de permanecer
escondida. Realiza-se, mas exige habitar espaços de penumbra.
Textos bíblicos: Mc 15,42-47
Jo19,38-42
Na oração:
“A espera paciente e expectante é o fundamento da vida espiritual” (Simone Weil).
A
humanidade inteira, frente à pandemia do Coronavírus, vive uma espera
angustiante, muitas vezes impaciente, vazia, sem sentido...
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Sábado Santo é
tempo não só de espera, mas de esperança, é deixar que o grão de trigo
morto comece a germinar, é tempo de imaginar, de criar, de abrir-se a algo novo
e inesperado, de sonhar um mundo melhor e uma humanidade mais samaritana.
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É preciso envolver este “sábado santo da vida” com os perfumes da compaixão,
solidariedade, comunhão...
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