“Este é o profeta Jesus, de Nazaré da Galileia” (Mt 21,11)
A vida de Jesus é uma grande subida a Jerusalém;
e nesta subida, segundo os relatos evangélicos, Ele desconcertou
a todos. Evidentemente, desconcertou as pessoas mais religiosas e observantes
da religião judaica: fariseus, escribas, sacerdotes, anciãos... Não só Jesus
foi a pessoa mais desconcertante de toda a história, mas nele aconteceu algo
também desconcertante. Ele desencadeou na história da humanidade um “modo de
viver” que quebrou toda estrutura petrificada, sobretudo religiosa,
constituindo um “movimento” ousado, que colocava o ser humano no
centro.
Um
movimento alternativo às instituições romanas e à organização sacerdotal do
judaísmo; um movimento “marginal” que dava prioridade aos pobres, aos
deslocados, aos doentes e excluídos, aos perdedores... e que não tinha nada a
ver com uma organização fundada no poder, no prestígio, na riqueza...
Este
movimento, desencadeado na Galileia, chega agora às portas da “cidade santa”, Jerusalém.
Aquele
homem que movia multidões por todo o país, por sua pregação e milagres, não é
um revolucionário violento. E, no entanto, nem por isso deixa de ser
inquietante, transgressor e perigoso.
Jesus
foi assim e assim Ele viveu; todo o resto lhe sobrava (leis, culto, templo,
estrutura religiosa...).
Em nome de um Deus que a todos acolhe e chama,
que é Pai-Mãe de todos, Jesus transgrediu a estrutura que sustentava uma
sociedade fechada, fundada na lei do mais forte e na violência de quem detém o
poder.
Jesus foi um transgressor porque
rompeu as fronteiras que foram traçadas pelos poderosos, abrindo um caminho de
humanidade a partir de baixo, do lado dos excluídos... Ele não veio para
sancionar uma ordem existente, deixando cada um com sua exclusão, senão para
oferecer a todos um caminho de humanidade.
Um transgressor consequente, a serviço da vida e
dos últimos.
Como transgressor subiu a Jerusalém; e por isso
sua morte será tramada por aqueles que se sentiam ameaçados e sua vida acabará
destroçada pelas mãos dos profissionais da morte.
Em Jesus
acontece algo totalmente novo; Ele desencadeou um “movimento de vida”; Ele trouxe
uma nova maneira de viver e de comunicar vida que não cabia nos esquemas
daqueles que estavam petrificados em suas posições e visões.
A novidade de Jesus consistia,
justamente, em afirmar que existe um caminho para encontrar a Deus que não
passa pelo Templo, pela pompa dos ritos e pela observância estrita das leis.
Desse modo, reconhece-se a vida como
lugar privilegiado da Sua Presença.
Quem entra em comunhão de vida com Ele, conhece uma
vida diferente, de qualidade nova, expansiva...
Isso implica: acolher outras vidas na nossa própria
vida, abrir espaços para que as histórias dos excluídos e diferentes encontrem
morada nas nossas entranhas, na nossa memória e no nosso coração; descer de
nossa montaria, como bons samaritanos, para nos aproximar e cuidar das vidas
feridas...
A entrada de Jesus em Jerusalém é um
chamado à vida. Ele é a Vida que
abre caminho por aqueles espaços urbanos, carregados de poder e morte. Vida
despojada de vaidade e prestígio, conduzida por um jumentinho.
Jesus se apresenta sem coroa e sem ornamentos;
não tem outra coisa a compartilhar a não ser o amor e o serviço; não vem para
governar e impor sua vontade, mas fazer-se irmão de todos. Jesus não busca
grandes aclamações, nem aplausos, mas tão somente busca o sentido e a razão de
viver.
“Quando Jesus entrou em Jerusalém, a cidade inteira
ficou agitada” (v.10).
“Agitar”: este verbo não traduz bem a realidade: na
verdade, a cidade ficou abalada, como se fosse um tremor de terra. Quando Jesus
entrou, como Rei messiânico em Jerusalém, a cidade tremeu, como aconteceu com o
anúncio do seu nascimento (Mt 2,3) e como será na hora da sua morte (Mt 27,51).
Jesus, com sua presença
surpreendente, sacodiu a cidade de sua “normalidade doentia”, de sua letargia,
de seu ritualismo comandado por aqueles que eram os poderosos traficantes da
dor e da morte.
Jesus é a Vida
verdadeira, a Vida que deseja despertar vida nos outros, para romper com
tudo aquilo que a limita. Por isso, o relato deste Domingo de Ramos quer
expressar o encontro de uma cidade com Aquele que é Vida e que é fonte de vida em crescente amplitude. Jesus, o “biófilo”, também sonhava com uma
Jerusalém acolhedora, espaço da convivência e da paz.
Quando Jesus quer entrar no coração
humano, não busca fazer espetáculos. Busca a simplicidade.
O povo lançava ao solo seus mantos.
O que deveríamos pôr como tapete para que Jesus venha até nós caminhando sobre
ele? Em vez de mantos, talvez pudéssemos cobrir o solo com tudo aquilo que nos
sobra
e outros necessitam; também deveríamos
forrar o chão com nossas debilidades, com nossas resistências, com nossas
carências... Porque também nossas pobrezas podem cobrir de festa o caminho. O
caminho de Jesus que vem a nós é também caminho de libertação e cura.
A liturgia deste dia também nos recorda que o “espaço urbano” é, certamente, área de missão
da Igreja e dos cristãos. Sua principal preocupação deve ser a defesa integral
da vida e de seu sentido último, o
mundo dos valores éticos que
iluminam o homem e a mulher na sua ação no mundo.
Como seguidores(as) de Jesus, é preciso voltar a pôr o coração de Deus no coração da grande
cidade, para renová-la a partir de dentro.
Faz-se necessário uma opção por adentrar
e viver imersos, com todas as consequências, no interior dos grandes centros urbanos, em seu coração, para aí
descobrir o verdadeiro coração de Deus que
pulsa ao ritmo dos despossuídos, dos excluídos, dos sofredores e dos
sedentos por uma vida mais digna.
No meio das cidades encontramos homens e mulheres “especiais” que carregam
alegremente, e muitas vezes com um profundo sentido crítico e político, a dor da humanidade, e se convertem assim
em fator essencial de esperança para um futuro
humanizador; são pessoas que prestam sua vida, sua acolhida e seus cuidados aos doentes,
aos moradores de rua, aos deficientes,
aos anciãos
e solitários...
Neste tempo de pandemia do
“coronavírus”, devemos expressar nossa especial gratidão aos “profissionais da
saúde” que arriscam suas vidas para que outros possam fazer a “travessia” sem
piores consequências.
Somos convidados a viver a mística
dos profetas nas grandes cidades. O místico não se cansa de ser sinal de esperança
e testemunha
do Deus da Vida no meio das contradições da cidade. Na cidade somos chamados a abrir nossas casas e estarmos sempre
prontos para receber os desafios que vem da rua.
A ação profética é sempre a busca permanente do outro, além das paredes
da própria casa.
Texto bíblico:
Mt
21,1-11
Na oração:
Preparar-se
para fazer o “caminho
da fidelidade” de
Jesus, vivendo intensamente os mistérios da Semana Santa, através das
celebrações, do silêncio solidário e do compromisso com aqueles que, na
Jerusalém de hoje, prolongam a Paixão de Jesus.
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