Texto do Pe. Adroaldo Palaoro, sj (Centro de Espiritualidade Inaciana), como sugestão para rezar o Evangelho do 5º Domingo da Páscoa (Ano B) 2021.
“Eu sou a
videira e vós os ramos” (Jo 15,5)
O Evangelho deste domingo é o começo do cap. 15 de S. João e que faz
parte do longo discurso de despedida, depois da última ceia. Nesta parte do
discurso fala-se da comunidade cristã e sua missão no mundo. Insiste que a Vida de Deus, como a seiva, deve
atravessar cada membro da comunidade para que seja possível o amor que se deve
manifestar em obras.
Como é habitual, o Jesus dos evangelhos não expõe esta realidade com longas explicações ou filosofias, mas utiliza imagens, parábolas ou símbolos certamente conhecidos por todos. Neste texto, nos fala a partir da videira, uma planta rica em significados na tradição judaica. A vinha, nos textos do AT, representava o povo de Israel, que Deus plantou, podou e cuidou de todas as maneiras possíveis. O Deus Pai foi representado, em muitas ocasiões, como um lavrador que cuida de sua vinha Israel.
Na Última Ceia, Jesus convocou todos os
seus(suas) seguidores(as) a formar com Ele um organismo vivo. E fez isso
através da imagem da vinha: a cepa, os ramos e os cachos de uvas. As uvas não
brotam diretamente da cepa, mas dos ramos. Porém, os ramos não dão uvas se não
estão ligados à cepa.
Jesus nos fala do bio-sistema da videira: a relação misteriosa da cepa com os ramos e
dos ramos com os cachos de uvas, e um misterioso Lavrador que a cuida para que
ela dê muito fruto.
Na vivência do seguimento de Jesus,
o importante é sentir-nos dentro de uma grande e misteriosa “bio-cenosis”,
comunidade de vida. Espaço onde cada um se insere na Videira, onde cada membro
se harmoniza e se dinamiza no corpo. O Abbá e a Santa Ruah cuidam deste
organismo vivo, conectado em Jesus, como um corpo de dimensões cósmicas.
A “bio-cenosis” é o espaço onde respiramos ar purificado, vivemos da seiva que circula, experimentamos a liberdade do Espírito, produzimos frutos. Sim, trata-se de nos deixar levar pela misteriosa lógica da Vida.
A Vida continua sendo o
centro do discurso de Jesus, neste domingo; afinal, estamos no tempo Pascal. Só
assim o seguimento de Jesus torna-se fonte de vida e vida em crescente
amplitude. Quando nos dispomos a caminhar com Ele, sob a ação do seu Espírito,
realiza-se em nós um processo de abertura e de superação, de crescimento e de
reconstrução de nós mesmos...; tomamos consciência de uma dimensão profunda de
nosso interior, que nos permite experimentar uma outra vida, que supera tudo o que vivíamos até então.
Para
isso, é preciso passar por contínuas “podas” de tudo aquilo que está
sobrando ou que se tornou “peso morto”. O Abbá de Jesus cuida e poda os ramos para que
deem mais frutos.
Conhecemos bem a poda necessária para que a videira não disperse a seiva, produzindo vistosa folhagem e ramos frondosos, mas sem frutos; uma videira deve dar cachos formados e grandes, nutridos até a maturação. Quando o agricultor poda, a videira “chora” onde é cortada, até que a ferida fique curada e cicatrizada. A poda tão necessária é sempre uma operação dolorosa para a videira: muitos ramos são cortados, jogados fora, secam e são destinados ao fogo...
Muitas vezes as podas são vistas como
perdas, mas são perdas que abrem espaço à vida nova, ampla...
Nosso processo
de crescimento pessoal revela uma constante necessidade de despojar-nos de
costumes, lugares familiares, modos de nos relacionar com as pessoas
queridas..., que nos acompanharam durante uma etapa, mas que agora se tornaram
estreitos e nos impedem expandir a vida.
Quão
difícil é deixar-nos podar sobretudo os ramos secos que se agarram a nós:
atitudes fechadas, busca de prestígio, ego inflado, instintos de posse, falsas
seguranças, visões atrofiadas... Esses ramos que nos sobrecarregam são “pesos
mortos” que exigem uma demanda de energia que deixa de ser investida em outras
frentes de vida. São ramos que não conduzem mais seiva, mas temos resistências
em deixá-los podar. Vemos esses ramos em nós, os identificamos, os
localizamos... mas custa cortar. Vemos e sentimos a necessidade de cortar, de
separá-los de nós, de podar... mas custa eliminá-los.
O processo da “poda” da vida implica “perdas e ganhos”; as podas implicam uma travessia da “vida menor” à “Vida maior”. Se investimos todas as nossas energias na vida minúscula (apegos, medos, resistências...) nunca descobriremos a Vida maior. Aquele que se empenha a todo custo em salvar sua vida menor, vai acabar perdendo-a. Mas dará pleno sentido a esta vida se descobre e ativa outro nível mais profundo e encontrar a verdadeira Vida. Estamos aqui para pôr Vida onde só há “vida”.
Em tempos de busca de sentido ou de
desorientação, reencontrar a vinculação existencial com “todas as coisas” e
encontrar a “consistência” em Cristo se torna fundamental. Quando as
experiências de isolamento,
abandono ou de individualismo tornam-se
generalizadas, a leitura deste texto nos anima a potenciar as relações
profundas e a reforçar a corrente de vida que vem desde Jesus e que nos
comunica entre nós de maneira criativa.
Como seres humanos vivemos profundamente
relacionados. O vínculo é algo que
nos caracteriza essencialmente. Em nosso mundo estamos “muito conectados, mas
pouco vinculados”. Vivemos numa sociedade “des-vinculada”, que precisa re-vincular-se,
constituindo a verdadeira comunidade humana: vínculos com a Videira vivente e
vínculos fraternos.
O evangelho deste domingo nos
convida a passar da mera conexão à verdadeira vinculação, aquela que nasce da fraternidade, da mesma seiva de
Cristo, aquela que gera a caridade verdadeira, no compromisso pela justiça e
pela dignidade de todos os seres humanos. Onde só há “conexão”, ali há atrofia
e rigidez nas relações interpessoais, alimentando atitudes preconceituosas,
intolerantes e indiferentes.
Só a vinculação quebra distâncias,
dá calor aos encontros, abre corações e mentes para acolher o diferente.
A vinculação integra as diferenças;
a conexão alimenta suspeita e julgamento diante de quem pensa, sente e ama de
maneira diferente. A riqueza das diferenças alimenta e dá novo vigor aos
vínculos.
Jesus, como Videira, estabelece um vínculo eterno com a humanidade, alimentando-nos com sua seiva e reforçando os vínculos humanos para além de toda expressão religiosa, social, cultural, política...
É nesse conjunto de recursos e dinamismos
vitais que a Graça (seiva) de Deus trabalha; Ela pode ser
considerada como uma presença dinâmica, um estimulante das energias latentes do
nosso “eu”.
A presença da seiva é um reforço, um
suporte, uma ativadora das capacidades do eu; ela não constrange, não
violenta, mas ajuda, esclarece, mobiliza as energias presentes, facilita
largamente a missão de cada um.
Mais
ainda, o Espírito habita nosso ser profundo, sustenta nossas energias
sadias, aumenta nossas forças, compromete-nos a crescer de forma autônoma. Ele
age como um “princípio dinâmico” e como um “energético
ativo”, que reforça as atividades criativas do eu. Temos de
viver a partir do Espírito, transformando e vitalizando nossos gestos,
pensamentos, compromissos, encontros.
Intuímos
uma conexão tão preciosa dentro de nós, uma seiva tão profunda...
Muitas vezes, passamos a vida buscando seiva em outros lugares que nos tornam
estéreis e vazios, e não descobrimos nosso ser essencial.
Texto bíblico: Jo 15,1-8
Na
oração:
Carregamos a Videira em nossas entranhas
como um canto de libertação. Nosso interior conhece a Videira; conhece a Vida;
nosso interior conhece a seiva da Videira. É algo como o espírito
que nos anima.
Somos ramos e deixamos a seiva transbordar em nós; ramos sem fronteiras; ramos sem cálculos; ramos transbordantes.
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Onde sua vida está conectada? A seiva que você recebe alimenta sua vida ou a
envenena, expande suas potencialidades criativas ou atrofia seus desejos e
sonhos?
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