Texto do Pe. Adroaldo Palaoro, sj (Centro de Espiritualidade Inaciana), como sugestão para rezar o Evangelho do 4º Domingo do Tempo do Advento (Ano B).
“Alegra-te,
cheia de graça, o Senhor está contigo!” (Lc 1,28)
Dois
olhares dirigidos a Maria podem nos ajudar hoje a considerar nossa maneira
original de estar e viver em Advento:
o olhar à mulher que ama e o olhar à mulher que diz “sim”.
Pois o
Advento é tempo de Maria, tempo de esperança e acolhida, tempo de espera. Maria
foi mãe, testemunha, seguidora..., mas sobretudo foi Mulher do “sim”,
do compromisso sincero e real, Mulher de fé capaz de arriscar tudo e deixar-se
conduzir por Aquele que a olhou com misericórdia.
Na Anunciação, podemos
encontrar Maria numa atitude de escuta, de receptividade, de abertura, de sim.
Tal atitude vai colocá-la em contato com o Anjo, com o Mensageiro, com Gabriel.
Entrando em contato com este anjo,
ela vai fazer a experiência de uma alegria fontal. A primeira palavra do anjo
é, em grego, “kaire te”, que quer dizer: “Alegra-te!”.
A primeira palavra pronunciada pelo
anjo não é uma simples saudação convencional.
É um
imperativo, um convite à alegria. Na
saudação “alegra-te” ecoa o júbilo pela chegada da salvação, nas
palavras de Sofonias: “Exulta, filha de
Jerusalém e, de todo o coração, dá gritos de alegria!” (3,14). Convidada
pessoalmente a alegrar-se, Maria é também a representante e portadora da alegria de todo o Povo de Deus pela
vinda do Salvador, anunciada pelos profetas.
Maria fica admirada e surpresa, não pelo que vê, mas pelo
que ouve. As palavras da saudação não são só totalmente inesperadas para ela,
mas soam aos seus ouvidos como absolutamente novas, literalmente in-auditas. Por isso, “pôs-se a pensar, a refletir, a dialogar consigo mesma, perguntando-se qual
seria o sentido da saudação”.
Maria não duvida da ação surpreendente de Deus e nem pede um sinal. Acolhe com
fé cada uma das promessas sem pôr obstáculo algum à presença do mesmo Deus
nela. Mas, porque não compreende como acontecerá tudo isso nela,
pergunta: “Como vai ser isso
se eu não conheço homem algum?”
O mesmo Espírito que, no princípio da Criação,
pairava sobre as águas, e que havia sido prometido para o futuro como descendo
do alto, repousa agora em Maria. E ela se deixa envolver pela “sombra” do
Espírito
A expressão “cobrir
com sua sombra” significa, originalmente, não uma presença estática,
mas a presença ativa e eficaz de
Deus no meio do seu povo.
A presença divina, a “glória do Senhor” que
repousou sobre a Tenda no deserto e mais tarde sobre o Santo dos Santos no
Templo de Jerusalém, vai repousar agora sobre o santuário vivo que é o corpo da
virgem de Nazaré, cumprindo as promessas da salvação e inaugurando a Nova
Criação.
Os Antigos viam nesta experiência da “sombra” aquilo que dá nascimento à Luz. Neste sentido, Maria é o símbolo de toda a terra, de todo o universo, que acolhe em sua sombra, em seus limites, a semente da Luz.
Maria encerra o diálogo autodenominando-se “a
serva do Senhor”. A palavra serva descreve um estado de
entrega, um estado de confiança na presença mesma d’Aquele que É.
Sua resposta,
embora dinamizada pela graça, é uma resposta livre na fé. O fiat
de Maria é o começo da Nova Aliança de Deus com a humanidade.
O seu “sim” revela a grandeza, a beleza e
a responsabilidade das decisões da
liberdade humana.
A partir disso, podemos interrogar
o Evangelho e ver como este estado de sim, como este estado de
confiança original, se encarna na vida concreta de Maria.
Antes de mais nada, pensamos em Maria não somente como uma personagem exterior, mas como uma realidade interior, como referência inspiradora, como abertura à presença d’Aquele que vive e é gerado nela, minuto a minuto. E o caminho de Maria na história pode ajudar-nos a compreender nosso próprio caminho; pode ajudar-nos, sobretudo, a compreender a que ponto nós estamos entulhados de memória mórbida, a que ponto é difícil para nós dizer sim e viver uma entrega confiante.
Charles
Peguy dizia que “Maria é mais
jovem que o pecado”.
Isto quer dizer que existe em todos nós uma dimensão mais jovem e mais profunda,
não contaminada pelo ego: trata-se da beatitude original.
Falamos
demais sobre o pecado original e muito pouco sobre a bem-aventurança original.
Assim, os Antigos viam em Maria um arquétipo da bem-aventurança original, ou
seja, a relação de intimidade com a Fonte do seu ser original, que é o próprio
Deus.
Com Maria é
preciso entrar em contato com a nossa confiança original, mais profunda que
nossos medos e nossas resistências. É preciso entrar em contato com esta
dimensão marcada pelo silêncio, com esta sombra na qual a Luz vai ser gerada. É
preciso nos deixar conduzir pelo Sopro da Vida, para viver mais intensamente e
gerar vida ao nosso redor.
Existe em nós uma realidade mais
profunda, inocente, fonte de toda inspiração, desejo, criatividade... Podemos
dizer que em nós habita uma “Maria”,
que, em meio ao nosso caos interior (feridas, sentimentos negativos,
traumas...) des-vela o que em nós é imaculado, puro, capaz de entrar em
sintonia com a presença angelical e dizer “sim”, na confiança radical. Maria é a nossa verdadeira natureza, é a
nossa verdadeira inocência, aberta à presença do divino. Infelizmente, a
cultura da superficialidade na qual vivemos, nos seduz e nos faz perder o
caminho que dá acesso ao que é mais “cheio de Graça” em nosso eu profundo.
Maria é o estado de confiança
original. Precisamos, também nós, encontrar esta confiança original.
Certamente cada um de nós já teve a
oportunidade de fazer a experiência deste estado: quando brota em nós um
sentimento oceânico de alegria, plenitude, consolação..., quando sentimos o
impulso para sair de nós mesmos e viver uma presença solidária, quando a
gratidão ilumina nossa vida, quando não nos deixamos determinar pelo rigorismo,
perfeccionismo e moralismo..., quando alimentamos a confiança n’Aquele que É, quando
nós dizemos sim aos Mensageiros angelicais que nos envolvem...
À palavra-ação
de Deus corresponde a palavra-ação
de Maria. O anjo permanece na presença dela até que ela diz a última palavra.
O “sim” de
Maria, seu modo livre de consentir, abre as portas à humildade compassiva de
Deus. Nela, Deus se humaniza, se faz “carne” e assume toda a condição humana,
iluminando-a e divinizando-a.
Deus pede o
consentimento a uma jovem aldeã para acontecer em seu seio a humanização do
Filho divino.
Dizer “sim”
significou, para ela, embarcar-se em uma aventura cujo fim não se adivinhava,
significou romper o projeto de sua vida pessoal que tinha, como qualquer jovem
de sua idade.
E Maria não
pediu tempo para assegurar-se fazendo uma consulta familiar; quando sentiu que
era vontade de Deus, pronunciou um “sim” definitivo, através do qual o Filho de
Deus se fez “vizinho” da humanidade, em Nazaré. Assim, nas pontas dos pés,
através do seio de uma jovem humilde, Deus entrou na história humana.
Para
os antigos padres da Igreja, Maria é o sim original. E este sim
é mais profundo que todos os nossos nãos. É preciso também
reencontrar em nós mesmos aquilo que diz sim à vida, quaisquer
que sejam as formas que esta vida tomar. Não é fácil reencontrar este sim.
Na maior parte do tempo estamos na desconfiança, na dúvida, no temor... Isto
quer dizer que temos muitas memórias doentias que alimentam medo, que nos fazem
resistir àquilo que a Vida nos propõe para viver.
Devemos,
então, passar por um estado de silêncio de nossas memórias, de silêncio de
nossa mente, para encontrar esta confiança original. Esta atitude é a da
“inocência original”.
Na oração:
O primeiro “sim” que recebemos e, às vezes, o
último que descobrimos, acontece em nosso nascimento. É o “sim” primeiro de
Deus à nossa vida, a afirmação profunda que nos faz existir; neste “sim” de
puro amor, respiramos e somos.
O segundo “sim” é
aquele que nos faz mais parecidos a Deus. É o sim oblativo, aberto, que
prolonga o “sim” de Maria e que se revela no deslocamento junto aos outros para
afirmar suas vidas, cuidando e ativando suas potencialidades. É o sim que
Isabel deu a Maria quando esta foi a visitá-la. Está feito de reconhecimento,
respeito e alegria pelo trabalho secreto de Deus em cada um(a): “Bendita(o)
és tu”.
- Revisitar os “sins” que fizeram diferença na sua vida, que despertaram a criatividade e a sensibilidade para com os outros, que inspiraram e trouxeram um novo dinamismo à própria existência.
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