Texto do Pe. Adroaldo Palaoro, sj (Centro de Espiritualidade Inaciana - CEI), como sugestão para rezar o Evangelho da Solenidade do Natal. Desejamos um inspirado Natal a todos!
“Vamos a Belém ver este acontecimento que o Senhor nos revelou” (Lc 2,15)
Não
há dúvida que este Natal vai ser muito diferente dos anos anteriores. Para
muitas pessoas pode ser um tempo de dor pelas perdas familiares, amizades,
trabalho, saúde... Devido ao confinamento, sentiremos muito não poder nos
encontrar com tantas pessoas como gostaríamos, nem nos abraçar, nem prolongar a
noite de festa. Este Natal vai ser vivido na vulnerabilidade e na incerteza
sobre o futuro de nossas vidas, do trabalho, de nossa humanidade e de nossa mãe
Terra.
Quem sabe, o espírito natalino talvez nos
ajude a encontrar outra maneira de superar o confinamento, menos arriscada
e mais enriquecedora. Se estamos confinados por fora, busquemos nos
des-confinar por dentro. Se somos vazios por dentro, seremos vulneráveis a
tudo; diferentes “vírus” poderão nos contaminar. O consumismo, a competição, a política do
“pão e circo”... confinaram o Natal e deixaram nossos interiores muito fechados
e vazios. Há muito tempo que celebramos o Natal sem “alma”.
O Natal, já tão desfigurado, poderia
ajudar a nos enriquecer e nos comunicar por dentro, porque nossos contatos
exteriores estão muito limitados; seria uma ocasião privilegiada para
recuperarmos o sentido de um natal autenticamente humano e cristão. É preciso
“des-confinar” o Natal!
Nesse sentido, e apesar de tudo, Natal
pode ser um momento de aprendizagem vital. Crescemos em consciência que o confinamento
imposto pela situação pandêmica é movido pelo amor, respeito, responsabilidade,
solidariedade, empatia e cuidado de nós mesmos e dos outros.
Inspirados nos “pastores que vão a Belém”, poderemos sair do confinamento tão plenificados por dentro que seremos capazes de suportar essa dolorosa falta de contatos exteriores, tão encantadores e tão necessários.
“Vamos
a Belém”, disseram entre si
os pastores, cheios de ânimo e surpresos. É de noite e estão ao relento. De
imediato a escuridão se ilumina, irrompe a voz dos anjos, que é o divino no
coração da vida. “Não tenhais medo. Hoje, na cidade de
Davi nasceu para vós um Salvador”. E
para lá se dirigiram.
Os
pastores nos indicam em que direção buscar o mistério do Natal: “Vamos a Belém”.
Vamos a Belém com os pastores, e entremos com eles na gruta. Eles nos
convidam e nos conduzem. Vamos levando o presente de nossa pobreza e de nossos
limites humanos; vamos sem medo de não nos sentirmos dignos, carregando em
nossas pobres mãos a situação de dor em que se encontra a humanidade inteira.
Para
o cristão, celebrar o Natal é “voltar a Belém”.
Não um Belém com reis magos, camelos e
dromedários, carregados de tesouros, com pastores ingênuos e cenas costumeiras,
neve de algodão e paisagens de serragem, musgo verde, árvores, fogueiras e
luzes intermitentes de cores variadas, músicas natalinas, a estrela cravada no
céu, vigiando a gruta, com José, Maria e Jesus, o boi e o burrinho... Uma
repetição para todos, sem questionamento, sem mensagem; natal doce, regado a comidas
e bebidas. Este tipo de “belém” não inquieta, nem incomoda, nem convida à
reflexão e oração: apresenta um Natal “normótico”.
O primeiro Belém não foi assim. Foi um acontecimento
que gritava, e continua gritando aos quatro ventos, que a situação não podia
continuar como estava e como está hoje. Aquele Belém levantou a esperança dos
pobres, pôs as periferias em efervescência, abriu um novo horizonte de sentido
para toda a humanidade.
Deus não fixou morada entre as muralhas
e palácios de Jerusalém, mas em uma aldeia insignificante, berço do rei Davi.
Deus “tem um fraco” por aqueles que não são contados: uma aldeia pequena será o
lugar eleito. O que ali aconteceu foi como um relâmpago na obscuridade da noite
da história...
Não podemos deixar que “nos roubem o verdadeiro Natal”!
“Vamos
a Belém”. Mas, a quê Belém?
Ao antigo Belém da Judéia? Ou ao Belém das ficções e das crenças? Vamos, antes,
aos “beléns” – são tantos – de terra e de carne que povoam a Terra.
Também
o Belém histórico, do qual falam os evangelhos, aquele que deu nome a tantos
outros lugares, é uma imagem do verdadeiro Belém que ainda não é realidade. Os
Evangelhos falam de Belém em termos proféticos, antes que históricos, e a
profecia continua sem se cumprir: Belém continua sendo uma localidade submetida
na Cisjordânia palestina, ocupada por Israel. Belém rodeada, isolada por um muro
inumano, muro de cimento e de soldados que restringem a liberdade de entrada e
de saída de seus habitantes.
Belém é toda a geografia do planeta em sua
diversidade e contradições, com seus dramas mais terríveis e com seus sonhos
mais belos. É figura de todos os “beléns”: imagem de todas as injustiças e
feridas do mundo; ao mesmo tempo, imagem de outro mundo que devemos engendrar,
imagem da força do pequeno
e do simples, da bondade mais forte, da
fé na vida e na humanidade, apesar de tudo.
Não é à toa que Belém significa “cidade
do pão”, do pão que falta para tantos, de tanto pão que é desperdiçado, pão da
alegria dos comensais, da felicidade, da bondade e da partilha...
Belém é o nome dessa cidade futura de todos os homens e mulheres, de todos os viventes.
Esse
é o Belém da noite de Natal. Os
Evangelhos não são crônicas daquilo que alguma vez aconteceu no campo dos pastores,
nos aforas de Belém da Judéia. São muito mais profecia daquilo que devemos
fazer com que aconteça: que haja “teto, terra e trabalho” para todos. Como os
poemas e as profecias, os evangelhos foram escritos para mover o coração a
liberar a esperança, a alimentar a liberdade, sempre tão ameaçadas. Não foram
escritos para contar o passado, mas para imaginar e suscitar o futuro.
Caminhemos,
pois. Diante do Belém de nossa casa, queremos inclinar-nos diante do menino
Jesus – profecia da humanidade – como Maria e José. E voltar a sonhar, e que o
sonho nos impulsione a construir o Belém de um futuro muito melhor para todos.
Em Belém seremos pacificados de nossas ansiedades de fazer mais e de ter mais, de nossas aspirações de poder e vaidade, de nossas pressas e de nossos estresses; se permanecermos em silêncio ali, diante do menino deitado no presépio, brotará em nós um desejo profundo de sermos mais humanos, de sermos aquilo que já somos e que se faz visível no rosto aberto daquela criança; ao mesmo tempo, brotará um desejo de venerar cada ser humano, de contemplá-lo em seu interior, esse lugar ainda não profanado em cada pessoa, o lugar de sua infância e de sua inocência.
Há muito que ver em Belém, mas nem
todos os olhares poderão acolher o que ali acontece. Há olhares opacos que não
se alegrarão, olhares desconfiados que não o entenderão, olhares frios que não
vibrarão com a novidade da gruta... Somente os olhares dos pobres e pequenos se
admirarão, e a paz do coração será sua recompensa.
“Ver de novo”, ver outras coisas diferentes daquilo que
estamos acostumados a ver é também “nascer de novo”. É preciso despertar o
“pastor interior” que há em nós, nossa capacidade de atenção à vida, de buscar
com outros, de deixar-nos surpreender diante da presença despojada de Deus.
Acostumados a nos deixar impressionar pelo extraordinário e pomposo, somos incapazes de perceber como Deus vem diariamente a nós. O teólogo José Antonio Pagola nos diz que Deus não se deixa aprisionar em nossos esquemas e moldes de pensamento: “Imaginamo-Lo forte e poderoso, majestoso e onipotente, mas Ele se oferece a nós na fragilidade de um pobre menino, nascido na mais absoluta simplicidade e pobreza. Colocamo-Lo quase sempre no extraordinário, prodigioso e surpreendente, mas Ele se apresenta a nós no cotidiano, no normal e comum. Imaginamo-Lo grande e distante, e Ele se faz pequeno e próximo a nós”
Texto bíblico: Lc 2,1-15
Na
oração:
Com certeza, o Natal deste ano nos oferecerá a oportunidade de celebrá-lo de uma maneira mais autêntica e cristã. Isto requer uma preparação e processo interior.
- Como você está se mobilizando para celebrar este Nascimento surpreendente, que mudou a história?
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