Texto do Pe. Adroaldo Palaoro, sj (Centro de Espiritualidade Inaciana), como sugestão para rezar o Evangelho do 1º Domingo do Tempo do Advento (Ano B).
“Ficai atentos, porque não sabeis quando chegará o momento” (Mc 13,33)
Com o Advento, iniciamos mais um
novo “tempo litúrgico”. Qual o sentido dos tempos litúrgicos?
Podemos representá-los
graficamente, visualizando um círculo onde começamos com o Advento, percorremos
os “tempos” da vida de Jesus, com suas celebrações mais importantes, e o “tempo
comum”, que culmina com a festa de Cristo Rei.
Acaso não é assim o grande círculo da vida? Tempos para gestar a vida, para trazê-la à luz, para alimentá-la e cuidá-la, “tempos comuns” para descobrir a inspiração do viver cotidiano, buscando o sentido de tudo o que fazemos e o que acontece ao nosso redor; às vezes, estes tempos são áridos e cinzentos, outras vezes, iluminantes e coloridos; tempos com a marca da solidão e da perda e tempos de primavera em que a vida brota de novo... Podemos dizer que nós, como num espelho, nos vemos no tempo litúrgico, para compreender e inspirar nossa vida a partir de “Jesus” e da “comunidade cristã”.
Vivemos hoje tempos conturbados,
tensos...; partilhamos um momento de grande inquietação social, de aridez
espiritual, de drama sanitário, de distúrbios existenciais, de profundos
dilemas morais...
No
entanto, resistimos! Em meio às sombras, perplexidades, contradições,
provocações e promessas, que constituem o atual momento histórico, queremos
expressar a fé no futuro da nossa
vida.
Ainda
que soframos ventos contrários e as nuvens se adensem no horizonte, sabemos e
confessamos com o profeta Jeremias, e pela graça do Espírito, que “há esperança de um futuro”
(31,17).
Para
cada momento histórico sempre foi válido o alerta de Guimarães Rosa: “Viver é muito perigoso”.
A liturgia deste primeiro domingo
de Advento se atreve a proclamar de novo sua esperança, como uma grande trombeta, que não chama para a morte,
mas para a vida.
A esperança é um princípio vital, expresso na sábia constatação de
que “enquanto
há vida, há esperança”. Mesmo diante de desafios quase intransponíveis,
consideramos possível ser de outro modo, inventamos e reinventamos opções,
criamos novas saídas... e, sem cessar, sonhamos com o “mais” e o “melhor”.
A esperança cristã destrói os “germes
de resignação” da sociedade moderna e combate a “atrofia espiritual” dos
satisfeitos. Por isso, a esperança cristã tem os pés plantados no “hoje” da
nossa história, inspirando o esforço de transformação deste mundo marcado por
muitos sinais de morte.
É ela que introduz na sociedade a sede
de justiça e o compromisso de humanização.
Aquele que vive com esperança se sente impulsionado a fazer
o que espera.
Nesse sentido, o futuro esperado se converte em projeto de ação e compromisso.
Ao adentrarmos, mais uma vez, no tempo do Advento, sentimos ressoar, no mais
íntimo, a voz do Mestre da Galileia, que nos convida a estar vigilantes e
atentos, a viver despertos...
E temos muitas frentes abertas: superar o medo
que nos paralisa, renovar a esperança no sentido da vida, avançar com a
comunidade para uma nova Igreja em saída, ser as mãos de Jesus no mundo para
curar, consolar, repartir o pão... Tempo para despertar e cuidar da “casa” que
foi confiada à nossa responsabilidade.
A “vigilância”, de que fala o
evangelho, é o outro nome para a atitude de “atenção”.
Para Simone Weil “a atenção é uma prece”, pois ela nos mobiliza para uma aliança com o “hoje” da vida; se não formos prudentes e generosos para manter os olhos bem abertos sobre o presente, perderemos a possibilidade do encontro com o surpreendente. Viver tem a marca da simplicidade, que precisamos redescobrir, despojando-nos de todas as cataratas existenciais que bloqueiam a visão, para deixar-nos conduzir pelo fluir contemplativo. Estamos muitas vezes alienados da vida, separados dela por uma muralha de discursos, de ideias vazias, de esperanças confusas... Com o olhar contemplativo, podemos perfurar esse muro e deixar-nos impactar pelo novo que se revela do outro lado.
Somos seres “desejantes”. O instigante tempo do
Advento ativa em nós os desejos mais
nobres e oblativos, nos fazem ultrapassar a barreira do imediato e entrar no
movimento que nos impulsiona a ir além, a entrar em sintonia com Aquele que vem
e, ao mesmo tempo, já está presente. Desejar o encontro com “Aquele que vem”
nos sensibiliza a perceber presente “Aquele que é”.
Por isso, o evangelho de hoje nos apresenta uma
imagem sugestiva, que reúne no desejo duas atitudes importantes: o tempo da espera
e o permanecer em vigília, ambas vivido no “estar despertos”.
A espera e a vigília da vinda plena do Senhor não
nos afastam da realidade presente. Pelo contrário, faz-nos encarnar mais
lucidamente nela.
Nesse novo tempo litúrgico, a comunidade cristã permanece à escuta dos passos de Deus, em nosso mundo, em nossa vida. Porque o novo, não vem de fora, mas o sentimos e o tocamos por dentro.
Aquele que espera o encontro com o
Senhor começa a ler a história como história redentora; descobre os momentos de
inovação; é capaz de ver as libertações sendo gestadas no silêncio; conecta com
as promessas ainda abertas e pendentes: a nova aliança, o novo povo, o novo
êxodo, o Messias...
A atitude de vigília nos faz
descobrir os sinais da chegada do Reino no tempo:
não nos contentamos com o tempo vazio, “normótico” e sempre igual a si mesmo;
descobrimos o tempo de salvação no qual há revelação e realização do novo, da
justiça e da graça.
Os “esperantes” cristãos precisam aprender a “ressignificar” o tempo, pois o tempo de Deus e do Reino é o tempo da decisão em favor da vida (kairós). O reino tem seu tempo e seu ritmo. Não é questão de pressas, não é questão de datas e lugares, não é questão de cálculos. Tentar acelerar sua vinda seria como esticar o talo da planta para que cresça mais rápido. O importante é ter a paciência de quem sabe que a semente do Reino está semeada em nossa história e ninguém poderá deter seu desenvolvimento.
Nesta tremenda e instigante história, da qual
fazemos parte, precisamos nos situar bem. Não só com a cabeça, pois aí já temos
as coisas mais ou menos claras, mas com nossa sensibilidade, com compaixão, com
nossos modos de falar e de olhar, com aquilo que deixamos que toque e afete às
nossas vidas. Trata-se da sabedoria de “sentir o tempo”.
Diante do tempo dramático que vivemos, nossa
tentação é querer saltá-lo, fugindo de suas exigências.
Advento vem ser, então, um tempo
para voltarmos para o interior em meio à agitação, olhar para dentro e
deixar-nos perguntar: presto atenção à história
que todos vivemos, às suas dores e à sua beleza? Reconheço seus poderes
(augustos, herodes, quirinos) e a vida vulnerável de Deus iluminando-se nela,
apesar de tudo?
Somos iniciados a “sentir o tempo” de um modo novo, a fazer-nos amigos dele, a nomear e acompanhar o tempo que nos toca viver, a habitar com intensidade todas as etapas de nossa existência. Cada momento esconde sua pérola, e é muito emocionante poder chegar a descobri-la. Precisamos recuperar a força do “hoje” de Deus fazendo “memória” dos grandes personagens do passado: Isaías, Jeremias, Elias, João Batista, Isabel, Maria de Nazaré, José... Eles continuam falando, continuam desvelando sinais de vida plena na história presente. Só uma sensibilidade marcada pelo tempo do Advento é capaz de entrar em sintonia com as surpre-sas de Deus; e a história é o rumor dos Seus passos.
Texto bíblico: Mc 13,33-37
Na
oração:
Caminhamos
para Deus quanto mais nos adentramos no profundo de nós mesmos e da realidade. O maior enraizamento no tempo
que nos toca viver desperta maior sensibilidade para sermos surpreendidos pelo
novo que brota nos lugares menos esperados; é precisamente ali onde a vida
renasce e amadurece.
-
Como você se situa diante deste “tempo pandêmico”? Desespero? Medo? Desejo de
saltá-lo?...
-
Qual é o “novo” que você vislumbra no meio deste tempo? Você percebe algum
sentido nele? Para onde ele aponta? É revelador de algo diferente?...
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