Texto do Pe. Adroaldo Palaoro, sj (Centro de Espiritualidade Inaciana), como sugestão para rezar o Evangelho do 3º Domingo do Tempo do Advento (Ano B).
“Quem
és, afinal? Temos que levar uma resposta para aqueles que nos enviaram. O que
dizes de ti mesmo?
(Jo 1,22)
Vivemos um tempo de múltiplas imagens e estímulos, de
novas versões e mudanças radicais, de diversidade de comunidades, religiões e
línguas, de quebras de paradigmas em todos os campos da humanidade, de
profundas transformações sociais, de rompimento de fronteiras... Este contexto
de pluralidade faz com que todos se perguntem sobre sua identidade: “quem
sou eu? quem somos nós?”
O ser
humano está sempre em busca de sua identidade;
não lhe basta existir, ele quer saber quem é, para se compreender e encontrar
o sentido de sua própria existência.
Como cristãos que somos, não estamos protegidos dos ventos
do momento em que vivemos; quem não se define, morre. Por isso, somos
desafiados a falar de nossa identidade e adentrar-nos nas profundezas da
nossa vida, para apresentar, num contexto global e totalmente mudado, qual é o
nosso “rosto” hoje.
Frente às nossas falsas imagens e mentiras, frente às mascaras que nos escondem, frente às convenções sem alma, frente aos silêncios cúmplices, frente à impossível busca da perfeição, frente à negação das nossas próprias capacidades..., o tempo do Advento nos inspira a despojar-nos de capas ridículas que nos cobrem, para deixar aflorar nossa verdade desnuda, nosso “eu original”. É preciso atrever-nos a ser nós mesmos, a partir do mais interior e nobre. Há um grito que se eleva das profundezas existenciais: Viva!
O
evangelho deste domingo quer ser um convite a “desvelar nossa identidade”,
descobrindo o que é mais original em nós, lançando-nos a superar aquilo que
talvez nos impeça manifestar o que somos
e expressar aos outros a riqueza que trazemos dentro de nós...
Sabemos que o ser humano age de acordo com a visão que tem de si mesmo. A percepção
íntima da própria identidade é o
supremo motivo e explicação das opções e mudanças importantes na
vida pessoal.
João Batista tem consciência de sua identidade
profunda e por isso proclama: “eu sou a voz que grita no deserto”. Ao mesmo tempo, deixa transparecer
uma íntima sintonia entre sua identidade
e sua missão; ou melhor, sua
identidade se visibiliza na missão de “aplainar o caminho do Senhor”.
Minha identidade determina o meu comportamento. “O que eu sou determina o que eu faço”.
O “quem sou eu?” é a base
do “que
faço eu?” Todo ser age de acordo
com sua própria auto-imagem.
O agir se segue ao ser. Assim,
conhecendo a mim mesmo acabo conhecendo o segredo de minhas ações e, fazendo
emergir o que é mais nobre em mim, posso dirigir o curso dos meus atos,
tornando-os mais oblativos e des-centrados.
“Eu sou as minhas ações”, porque o que “eu sou” é o que positiva e visivelmente aparece em minhas ações. Quanto mais sou eu mesmo mais amplo é o alcance de minhas atitudes e mais transcendente o sentido de minhas opções.
Portanto, da identidade, assumida e vivida, é que
brota a missão.
A identidade faz parte da missão, está em
função dela, a inspira, a anima e é por ela configurada.
Com isso fica claro que a Identidade e Missão
são inseparáveis, assim como a unidade insuperável entre ser e agir. Não
é suficiente continuar adiante com a missão se não o fazemos como João Batista:
abrasado com o amor de Deus, deixa transparecer sua verdadeira identidade na
missão de ser o “precursor” do Messias.
Ter uma missão sem uma identidade
que a inspire é cair no ativismo, na tarefismo, na ação insensata, ou seja, sem
sentido, sem motivação e sem horizonte (para quê? para quem?).
Por outro lado, uma identidade
que não se expressa na missão é vazia, é carente de humanidade e se
fecha num intimismo alienante. Portanto, a identidade já é missão
e a missão é revelação da identidade.
A identidade nos dá um rosto, centra-se tanto no ser como no fazer.
Toda pessoa é um mistério
para si mesma e para os outros. E quanto mais rica for sua vida, mais profundo
o mistério. Mas é no coração que está a fonte, a origem e o mistério do ser humano.
O coração é a expressão da pessoa em sua
interioridade e totalidade.
É no coração que se origina a necessidade de
comunicação, de relacionamento e de comunhão.
É
preciso ter a coragem de mergulhar até
o mais profundo de si mesmo, em busca dessa luz infinita que emerge de dentro, quando se tira tudo o que é
máscara e revestimento. O “eu original” é livre,
criativo, transparente, iluminado... Ele escolhe os melhores caminhos que
levam à plena realização de si e à transcendência.
Se a maneira pela qual nos conhecemos
determina a maneira pela qual nos comportamos, quanto mais nós nos conhecemos e
a tudo o que existe dentro de nós, melhor poderemos orientar nossa vida e
dirigir conscientemente nossas opções.
Somos ainda, em grande parte, uma “terra
desconhecida” para nós mesmos, e a viagem de descoberta é como a viagem
imaginária a uma nova terra,
estranha e bela, que desperta assombro frente aos seus encantos e à novidade de
suas mil maravilhas. Perceberemos, depois, com surpresa e alegria, que a bela
terra nova a que chegamos sem saber é nosso próprio país natal esquecido,
subestimado e abandonado. A redescoberta
de nós mesmos é a maior e sem dúvida a mais gratificante aventura de nossa
vida.
Redescobrindo a nós mesmos, vamos encontrar o nosso lugar na história. Quanto melhor conhecemos o nosso verdadeiro ser, melhor será o valor de nossa vida para os outros.
De onde
minha identidade ganha seus
contornos originais? No mistério da alteridade,
no encontro com o outro que me provoca a ser. A alteridade está no centro da
construção da identidade, porque esta não se acha totalmente dada (como a
existência), mas está para ser construída.
A
identidade de João Batista é realçada pela alteridade do Messias que “está no meio de vós...; e eu não mereço desamarrar
a correia de suas sandálias”.
A alteridade é
fator constitutivo da identidade. O
outro não é o inimigo, o intruso, mas facilitador de minha identidade. O outro
é exatamente aquele que, justo por sua alteridade, chama-me, convoca-me e assim
me faz sair do enclausuramento em mim mesmo. Aqui se revela o dinamismo
mobilizador presente no próprio nome
Cada um de nós tem um nome, que é próprio, não comum. É de uma pessoa. Ele expressa o
nosso ser, indica uma missão a realizar, uma vocação, um apelo a
responder.. Somos chamados. É isso
que significa ter um nome. É preciso
crescer na consciência de que o próprio nome
tem uma história e manifesta uma identidade
única, irrepetível, original. O nome
próprio está relacionado com nossa realidade pessoal, responsável, criativa e
livre.
Na Bíblia, o nome é algo dinâmico, é um programa. A troca de nome implica uma missão que deve ser
realizada pela pessoa (Gn 17,5; Jo 1,42).
Um nome novo: uma aventura que começa; uma história a ser construída. Nosso nome secreto Deus o conhece. Ter recebido um nome de Deus significa tomar um lugar na história, uma missão a cumprir.
Texto bíblico: Jo 1,6-8.19.28
Na oração:
Diante da presença de
Deus, procure estar aberto ao contato com a própria realidade interior, para
que venha à superfície
aquilo que o sustenta e dignifica o seu viver.
- Dirija seu olhar
para o que é mais íntimo em você, onde nascem sentimentos e valores, desejos e
atitudes... onde você é convidado a se alegrar com os rastros da Graça.
-
Qual é a verdade
original presente no seu nome?
- Quê você acredita ser o mais autêntico em sua maneira de ser e viver?
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