Texto do Pe. Adroaldo Palaoro, sj como sugestão para rezar o Evangelho da festa da Assunção de Nossa Senhora.
“O Todo-Poderoso fez grandes coisas em
meu favor” (Lc 1,49)
A Assunção de Maria foi, durante muitos
anos, uma verdade de fé aceita pelo povo simples. Só em meados do século
passado proclamou-se como dogma de fé.
É preciso levar em conta que uma coisa é a verdade
que se quer definir e outra, muito diferente, a formulação em que se introduz
esta verdade. A Assunção é uma “realidade” que quer balbuciar algo que
se encontra mais além dos conceitos e das palavras: que Maria entra plenamente
na Vida de Deus.
Certamente
soaria estranha para a mentalidade bíblica a definição do dogma (“A Imaculada Mãe de Deus, a sempre Virgem Maria,
terminado o curso de sua vida terrestre, foi assunta em corpo e alma à glória celeste” - 1º. nov. 1950). Simplesmente
porque foi formulada a partir de conceitos filosóficos e teológicos completamente alheios à sua maneira de pensar. Para
a antropologia bíblica o ser humano não é um composto de “corpo e alma”, mas
uma única realidade que se pode perceber sob diversos aspectos, mas sem perder
nunca sua unidade.
Não podemos entender “literalmente” o dogma da
Assunção. Pensar que um ser físico, Maria, que se encontra em um lugar, a
terra, é transladada localmente a outro lugar, o céu, não tem sentido. O
próprio papa João Paulo II afirmou que o céu não é um lugar, mas um estado. Em
linguagem bíblica, “os céus” significam o âmbito do divino; portanto, Maria
está já “nos céus”; Maria “desapareceu em Deus”.
Quando o dogma fala de “corpo e alma”, não
devemos entendê-lo como o material ou biológico por uma parte, e o espiritual
por outra. O dogma não pretende afirmar que o corpo biológico de Maria está em
alguma parte, mas que todo o ser de Maria chegou à mais alta meta.
Realiza-se
em Maria a situação final, já dentro da história, situação prometida a
toda humanidade: “ser um dia de Deus e para Deus”; Maria o é
desde o início (imaculada) até o final (assunção), através de uma fidelidade de
toda a sua vida.
A Assunção de Maria é considerada,
também, como antecipação da nossa ressurreição, que seremos ressuscitados em
Cristo. Portanto, a glória de Maria não a separa de nós, mas se une mais
intimamente a nós. Maria na glória concretiza, de modo eminente, nosso próprio
destino futuro; ela vive agora em plenitude aquilo que nós, um dia, iremos
viver. A Assunção é realidade compartilhada, solidária.
Ela foi “assunta” porque assumiu
tudo o que é humano, porque “desceu” e se comprometeu com a história dos
pequenos, dos pobres e excluídos... Maria foi glorificada porque se fez
radicalmente “humana”.
Crer na Assunção
de Maria implica crer na exaltação dos pequeninos e humilhados, dos pobres
esquecidos, dos injustiçados sem voz, dos sofredores sem vez, dos abandonados
sem proteção, dos misericordiosos descartados, dos mansos violentados...
O mistério da Assunção vem, portanto, afirmar que a biografia de Maria
começa na eternidade. Maria “cheia de eternidade”, vivendo na
mente e no coração de Deus. Vem de Deus e volta para Deus. Ela está situada na
encruzilhada da história salvífica: AT
e NT. Com seu “sim” radical,
a distância entre Deus e o ser humano foi quebrada, o divino se humanizou e o
humano se divinizou. Mulher nova e livre, em Maria
ouvimos a resposta perfeita, o “fiat” da criatura dito ao Criador;
ela é a mulher da oblação. Nela a Trindade vê sua obra levada à plenitude. Seu “sim”
tornou possível a Encarnação. Nela, a ação da liberdade humana e
da graça divina harmonizam-se perfeitamente.
O “Amém” de Maria, seu “Fiat”, é um Amém ao “Sim” de Deus à humanidade.
Deus é para nós o “Sim” eterno, ativo e criativo.
Nosso “Abbá” é aliança fiel,
permanente, definitiva. Sua oferta de Aliança de amor sempre paira sobre a humanidade.
Por isso, derrama seu Espírito com abundância sobre toda a terra e sobre “todo
ser vivente”.
Maria disse “fiat” (“faça-se”) a essa
oferta. Nela, a humanidade, cada um de nós, é chamado a dizer “fiat”. O “sim”
proferido por ela é o melhor que a humanidade apresentou a Deus e desencadeou
outros inúmeros “sins oblativos” na história.
Maria é o verdadeiro Templo, é espaço de presença do Espírito, lugar sagrado
onde habita a divindade para, a partir dela, expandir-se depois a todo o povo.
Ela é lugar de plenitude do Espírito, “Terra” da nova criação, Templo do Mistério. Evidentemente, esta presença é dinâmica: o
Espírito de Deus está em Maria para fazê-la mãe, lugar de entrada do Salvador
na história.
Ela não é um instrumento mudo, não é um meio inerte que Deus se limitou a
utilizar para que fosse possível
a Encarnação. Maria oferece ao Espírito de Deus sua vida humana para que,
através dela, o mesmo Filho Eterno pudesse entrar na história.
Em Maria descobrimos aquilo que, na essência, todos somos. Não devemos
nos conformar em olhar Maria para ficarmos extasiados diante de sua beleza. O
que descobrimos nela, devemos também descobrir em nosso próprio ser. O que
importa realmente é que em Maria e em todo ser humano há um núcleo intocável
que nada nem ninguém poderá manchar. O que há de divino em nós será sempre imaculado. Tomar consciência desta
realidade, seria o começo de uma nova maneira de entender a nós mesmos e de
entender os outros.
Maria é grande em sua simplicidade e
não temos nada que acrescentar ao que ela foi desde o princípio. Basta olhar
para o seu verdadeiro ser e sua maneira original de se fazer presente junto aos
outros para, então, descobrir o que há de Deus em seu interior; isso é que
sempre será puríssimo, imaculado. Se descobrimos isso nela, é para tomar
consciência de que também está presente em cada um de nós.
De nada nos servirá descobrir a pérola
em Maria se não a descobrimos também em nós mesmos. Somos milhões de diamantes
que habitamos esta terra, embora cobertos de terra e barro.
Contemplar Maria, assunta ao céu, é
des-velar (tirar o véu) a nobreza humano-divina escondida em nosso interior.
Porque se fez presente a Deus, Maria se faz também
presente na vida das pessoas, através da atitude de serviço, de uma maneira
sempre mais criativa e atenta; presença que se faz manancial de vida para os
outros, tornando-se, ao mesmo tempo, amiga, irmã e mãe de todos.
A presença silenciosa, original e mobilizadora de Maria desperta e ativa também em nós uma presença inspiradora, ou seja, descentrar-nos para estar sintonizados com a realidade e suas carências. Tal atitude nos mobiliza a encontrar outras vidas, outras histórias, outras situações; escutar relatos que trazem luz para nossa própria vida; ver a partir de um horizonte mais amplo, que ajuda a relativizar nossas pretensões absolutas e a compreender um pouco mais o valor daquilo que acontece ao nosso redor; escutar de tal maneira que aquilo que ouvimos penetre na nossa própria vida; implicar-nos afetivamente, relacionar-nos com pessoas, não com etiquetas e títulos; acolher na própria vida outras vidas; histórias que afetam nossas entranhas e permanecem na memória e no coração.
Texto bíblico: Evangelho segundo Lucas 1,39-56
Na oração:
Deus continua enviando
mensageiros para comunicar-nos sua vontade; o que nos falta é ter o espírito desperto
para discernir e reconhecê-los. As pessoas dispostas, os cristãos vigilantes,
os santos e santas se encontram com muitos mensageiros que lhes comunicam
mensagens do Senhor. Discernir é realizar uma limpeza de ouvidos para escutar
cada vez mais fielmente os mensageiros (anjos) do Senhor.
- “Sentir Maria” é reencontrar em nós mesmos aquilo
que diz sim à vida, quaisquer que sejam as formas que esta vida
tomar. “Sentir Maria” é superar toda expressão de desconfiança, de dúvida, de
temor diante daquilo que a vida vai nos oferecer para viver.
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