Texto do Pe. Adroaldo Palaoro, sj como sugestão para rezar o Evangelho do 18º. Domingo do Tempo Comum (Ano B).
“Pois o pão de
Deus é aquele que desce do céu e dá vida ao mundo” (Jo 6,33)
Com o evangelho de hoje
iniciamos a reflexão sobre o Discurso do
Pão da Vida, que se prolongará durante os próximos domingos. Depois da
multiplicação dos pães, o povo foi atrás de Jesus; tinha visto o milagre, comeu
com fartura e queria mais! Procurou o milagroso e não buscou o sinal e o apelo
de Deus que nele se escondia. Quando o povo encontrou Jesus em Cafarnaum, teve
com ele uma longa conversa, chamada “Discurso do Pão da Vida”, um conjunto de
sete pequenos diálogos que explicam o significado da multiplicação dos pães
como símbolo do novo Êxodo e da Ceia Eucarística.
O milagre
da multiplicação dos pães provocou um sério mal-entendido. O
povo viu o que aconteceu, mas não chegou a entendê-lo como um sinal de algo
mais alto ou mais profundo. Buscou pão e vida, mas parou na superfície: a
fartura de comida. No entender do povo, Jesus fez o que Moisés tinha feito no
passado: deu alimento farto para todos no deserto.
Indo
atrás de Jesus, eles queriam que o passado se repetisse. Mas Jesus pede que o
povo dê um passo adiante. Além do trabalho pelo pão que perece, deve trabalhar
também pelo alimento não perecível. Este novo alimento será dado pelo Filho do
Homem; Ele traz a Vida que dura para sempre. Ele abre para todos um novo
horizonte sobre o sentido da vida e sobre Deus.
No longo diálogo com a multidão,
no outro lado do mar, João recolhe as palavras de Jesus e que sua comunidade
considerava como as chaves do seguimento. Jesus não responde à pergunta: “como e quando chegaste aqui?”, mas
responde às verdadeiras intenções das pessoas, trazendo o diálogo para o seu
terreno. O que tem importância de verdade é o compromisso de entrega, de
“fazer-se pão” para os outros. Tais palavras de Jesus põe em questão as
religiões de todos os tempos, ou seja, o perigo de manipular Deus para colocá-lo
a serviço e interesse próprios.
Segundo o
evangelista João, a necessidade de “passar para a outra margem do mar” foi
provocada porque a multidão faminta ficou saciada de pão, graças à ação de
Jesus que lhe deu de comer, multiplicando os poucos pães e peixes que um menino
levava consigo. Neste contexto, segundo o final do evangelho do domingo passado
(Jo 16,15), as pessoas pretendiam proclamar Jesus como rei. O pão é um bom
símbolo da riqueza e a realeza um instigante símbolo do poder. Estas são as “margens”
nas quais a multidão e os discípulos queriam se instalar.
Infelizmente,
estes também são nossos desejos ocultos: o poder e o dinheiro que, no
fundo, são as duas caras da mesma moeda. Este é o “pão” venenoso que alimenta
divisão, competição e ódio.
Compreende-se
assim, o apelo de Jesus a passar para a outra margem, deixando de lado as
solicitações do ter, para buscar o caminho do compartilhar. Em
algumas determinadas circunstâncias é preciso dar alimento a quem está com
fome; mas, ao mesmo tempo, é preciso ativar a liberdade e a autonomia para que
ele possa buscar o pão e aprenda a partilhá-lo.
O Pão
partido e preparado para ser comido é o sinal daquilo que foi Jesus em toda
sua vida. O sinal não está no pão como “coisa” perecível, mas no fato de que Ele
é partido e re-partido, ou seja, na disponibilidade na qual se encontra para
poder se tornar alimento de todos. Jesus esteve sempre preparado para que todo
aquele que dele se aproximasse pudesse assimilar Sua Vida, revestindo-se de seu
modo de ser e fazer: ser tudo para todos. Deixou-se partir, fez-se alimento,
deixou-se assimilar; embora essa atitude terá como consequência que fosse
aniquilado pelos encarregados da religião.
O sinal de Jesus é pão partilhado.
Não o alimento das purificações e dos ázimos rituais, que só os judeus piedosos
podiam comer, mas o pão de cada dia, aludido no Pai-Nosso: a refeição que se
oferece aos pobres e excluídos, se compartilha com os pecadores e se expande em
forma universal.
Este é seu sinal: tudo que disse,
tudo o que fez se condensa e se expressa na forma de alimento que sustenta e
reforça os vínculos entre as pessoas.
O pão
suscita e cria Corpo. Jesus não anuncia uma verdade abstrata, separada da vida,
uma lei puramente social, um princípio religioso... Ao contrário, Jesus,
Messias de Deus, é Corpo, isto é, Vida expandida, sentida, compartilhada. O
Evangelho nos situa, desta forma, no nível da corporalidade próxima, acolhedora
e compassiva. Aqui não há mais castas e nem exclusão.
Na Eucaristia se concentra toda a
mensagem de Jesus, que é o Amor. O Amor é Deus manifestado no dom de si mesmo e
que Jesus deixou transparecer durante sua vida. Isto somos nós: dom total, amor
total, sem limites. Ao comer o pão e beber o vinho, estamos completando este
sinal. Isso quer dizer que fazemos nossa Sua vida e nos comprometemos a nos
identificar com aqueles que Jesus se identificou.
O pão que nos dá Vida não é o pão
que comemos, mas o pão no qual nos convertemos quando vivemos de modo oblativo,
ou seja, quando vivemos des-centrados, voltados para os famintos que suplicam o
pão da amizade, da presença solidária e comprometida.
“Eu Sou” em João é a
suprema manifestação da consciência de quem era Jesus. Cada um de nós deve
descobrir o que verdadeiramente somos, como Jesus descobriu. Somos o mesmo que
era Jesus.
“Quem vem a mim não terá mais fome, e quem crê em
mim nunca mais terá mais sede”. Que
significa “ir a Ele, crer n’Ele”. Aqui se encontra o núcleo do
discurso. Não se trata de receber nada de Jesus, senão de descobrir que tudo o
que Ele tinha, também nós temos. Temos um “celeiro” interior, dotados dos mais
diversos pães: recursos, dons, sonhos ... O que Jesus quer dizer é que se os
seres humanos descobrissem que se pode viver a partir de uma perspectiva
diferente, que alcançar a plenitude humana significa descobrir o que Deus é
em cada um, responderíamos como respondeu Jesus.
Jesus não nos convida a buscar a nossa própria
perfeição, nem nos limitar a práticas piedosas egóicas e estéreis, mas a ativar
a capacidade de vivermos descentrados, partilhando o que somos e temos.
Buscar nossa própria “perfeição” significa edificar
nosso próprio pedestal, para colocar ali nosso “ego” que se alimenta do pão do
poder, do prestígio, do consumismo, do preconceito e da intolerância.
“Ser pão
para os demais”, pelo contrário, significa esvaziamento das fomes egóicas para
despertar fomes humanizadoras: pão da comunhão, da festa, do encontro. Só assim
é possível alcançar a unidade e a plenitude de vida. A Páscoa do pão
sinaliza para a Páscoa da vida que se faz pão e do pão que permanece para
sempre.
Texto bíblico: Evangelho segundo João 6,24-35
Na
oração:
Somos profundamente
gratos quando temos pão sobre a mesa de nossas casas; no entanto, “nosso pão de
cada dia” nos provoca: qual é o alimento que mais precisamos? Qual é o pão
cotidiano nos faz falta? Com que saciamos nossa “fome” de cada dia? O pão vem
de Deus ou mendigamos migalhas de coisas que não nos satisfazem?...
- Descubra na sua mesa o
seu pão; na sua jornada, o seu chão; no seu cotidiano, o inesperado que vem, o
outro em sua fome, em busca de mãos abertas que saibam partilhar.
- Com o pão nas mãos viva em
contínua ação de graças.
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