Texto do Pe. Adroaldo Palaoro, sj como sugestão para rezar o Evangelho do 19º. Domingo do Tempo Comum (Ano B).
“Eu
sou o pão da vida” (Jo 6,48)
Jesus
Homem se faz “pão”, Humanidade
convertida em alimento para os outros. A Vida Eterna não se revela num gesto de
pura interioridade, mas no encontro e comunhão de uns com outros... Quem crê
nos demais, quem compartilha com eles a vida (fazendo-se eucaristia) tem a vida
eterna, porque Deus é Comunhão de Vida e porque Jesus é a revelação mais alta
desse Deus entre nós.
Jesus deseja e se faz para nós um
alimento substancioso. É preciso que tenhamos acesso a um alimento que possa nutrir nossa identidade essencial. É preciso
nutrir em nós o que não morrerá.
Existe em
nós algo que se alimenta de ternura, que se alimenta de poesia, que se alimenta
da qualidade de nossas relações. O silêncio, a luz, a gratuidade, o
encantamento, a simples presença... alimentam nosso ser espiritual
Portanto, não podemos transformar a
Eucaristia em um rito puramente cultual, ou numa pesada obrigação que pesa
sobre as pessoas, nem convertê-la em uma cerimônia rotineira, que demostra a
falta absoluta de convicção e compromisso. Cada vez que participamos, devemos
fazer com profunda gratidão e veneração, e, sobretudo com compaixão pelos que
dela não podem participar.
Nesse
contexto é preciso dizer que o verdadeiro alimento é a vida mesma do ser humano: Jesus se fez alimento para os outros,
saciou a fome de justiça e amor. Ele é o alimento que gera vida nova no
mundo, vida oferecida e compartilhada. Um alimento “subversivo” porque subverte
a tradicional “ordem” das coisas. “Eu sou o
pão da vida”. Antes de partir o pão, Jesus parte-se a si mesmo,
faz-se alimento. Toda sua vida foi entrega. Sua vida inteira dá significado ao
partir, compartilhar e repartir o pão da vida.
Jesus,
desde pequeno, admirava o milagre do pão; sabia sua história: os minúsculos
grãos de trigo semeados na terra, desaparecidos, mortos; a surpresa do pequeno
broto verde, tão tímido; o prodígio da espiga, esbelta e frágil, que vai
amarelando ao sol; a abundância contida, apertada, das dezenas de pequenos
grãos, filhos renascidos do velho grão, enterrado e morto; o moinho implacável,
que parece matar sem piedade os grãos indefesos; a farinha, a flor da farinha
tão pura que podia ser apresentada como oferenda ao Senhor; o milagre do pão.
Em
sua casa, certamente Jesus tinha visto, inúmeras vezes, sua mãe amassar o
trigo, pôr na massa uma pitada de fermento, deixá-la em repouso. Quando
criança, Jesus levava a massa já fermentada ao forno comunitário; esperava um
pouco ou saía a brincar, ou ajudar José na oficina; depois, voltava à casa
cantarolando, abraçado ao pão para sentir seu calor, embriagado de seu aroma,
com vontade de tirar um pedacinho enquanto subia à sua casa.
O
milagre do pão, nascido da morte do grão de trigo; nascido para morrer e dar a
vida.
Partir o pão e reparti-lo antes
de começar a refeição. Isto fazia José, bendizendo o Senhor pelo dom tão
precioso. E Jesus, com seu pedaço de pão na mão, pensava, sem dúvida, no grão
desaparecido meses antes na terra, multiplicado pela força sagrada em seu
interior, pelo poder e sabedoria do Pai dos Céus, que agora, com a primeira
mordida, iria desaparecer para sempre e transformar-se em seu próprio corpo.
Não
sabemos quando nem como Jesus soube que para isso estava no mundo: para ser
semeado, para morrer no inverno debaixo da terra, para ser pisado e apertado
até que morresse para multiplicar a vida.
E,
algumas horas antes de morrer, na ceia que Ele sabia que ia ser a última, Jesus
se viu a si mesmo, em cima da mesa, em forma de pão. E disse: “meu corpo
entregue é pão”. E Ele sabia que ia ao moinho para ser triturado e se tornar
pão para muitos. “Fazei
isto em memória de mim”. “Isto” se refere ao partir e partilhar o pão
em torno à mesa; “isto” significa comungar com Jesus e com todos que O
comungam, formar um só Pão para alimento do mundo.
Porque
Jesus é “pão descido do céu” e porque compartilhamos sua vida, também nós
podemos e devemos “descer” e sermos comunhão de vida. Neste sentido, todos
somos pão de Eucaristia.
Cada
ser humano é “pão vivo, descido do céu” para
outro ser humano; cada homem, cada mulher é revelação de Deus, pão de vida
eterna para os outros. Por viver neste nível, por entregar-se e compartilhar a
vida neste plano, os homens e mulheres “não morrem”, tem vida eterna.
E é isso que, no nível mais profundo, somos todos.
Todos somos Vida, todos somos “pão de vida”.
O pão da vida não se encontra fora de nós; é o que
“somos” em profundidade; é nossa essência.
Somos pão quando alimentamos o outro na
esperança, no perdão, na acolhida, na compaixão, no compromisso... Sim, podemos
multiplicar o pão da festa, da alegria, o pão da justiça, o pão da ajuda
fraterna...
Quanto pão para ser dividido! “Tornar-nos pão”
significa “descer” em nossa própria condição humana para expandi-la em atitudes
de serviço, partilha, solidariedade...
Já estamos saturados do “pão venenoso” do ódio, da
intolerância e do preconceito...
Ser “pão para a vida” é confessar que ser seguidor(a) de Jesus é
ser-para-os-demais, é comprometer-se a ser fermento de unidade, de amor, de
paz, é consumir-se para que outros vivam. Se nossa participação no “pão da mesa” não colocar em questão
nossos egoísmos, nossos preconceitos, nossas rivalidades, nossos complexos de
superioridade..., não tem nada a ver com o que Jesus quis expressar com o “discurso do Pão da Vida”.
Aproximar-nos
do Pão da Vida para sermos “pão de vida” constitui-se como o
momento mais “subversivo” (subverte nossa maneira petrificada de ser e viver)
que podemos imaginar: fazemos memória do que Jesus foi durante sua vida (pão
para os outros) e nos comprometemos a viver como Ele viveu (“fazer-se pão para
os outros”). N’Ele, também nós tornamos “pão” para o mundo.
Por isso Jesus Cristo, em sua oração messiânica,
nos motiva a dizer: “o pão nosso de cada dia nos dai hoje”. Este continua sendo o “pão nosso”, pão de todos,
produto do trabalho de homens e mulheres, que deve ser compartilhado. Mas, ao
mesmo tempo, é “pão de Deus”, dom a ser multiplicado. Enquanto houver fome no
mundo, a Eucaristia não está completa.
Ao comer o pão e beber o vinho “fazendo memória”, estamos prolongando um “estilo de vida”, fundamentado no modo de viver de Jesus. Isso quer dizer que fazemos nossa Sua vida e nos comprometemos a nos identificar com o que Ele foi e fez. Tomar o pão e o vinho na Eucaristia é fazer memória de uma presença que nos devolve à realidade, faminta de sentido, de esperança, de comunhão...
Texto bíblico: Evangelho segundo João 6,41-51
Na oração:
Ao
“amassar” a minha vida para querer ser pão... de que sou feito? A massa de minha vida é
constituída, em primeiro lugar, de farinha; é
ela que dá consistência e firmeza ao pão, brin-dando-o com diferentes formas e aromas.
A farinha é a minha verdadeira
identidade, minha essência; é nela que minha vida se sustenta; ela é
constituída dos meus recursos, dons, capacidades...
- A água me dá maciez e elasticidade; é também aquela que me dá
unidade, que une os diferentes ingredientes, transformando a mistura numa
autêntica massa. Significa o afeto que me revitaliza, me devolve a ternura, me
faz terno como o pão recém-assado. E, assim, me dá um sentido na vida, um “para
que”.
- O sal é o que torna saboroso o pão, aquele que lhe realça sua
característica. Meu sal é meu próprio sabor, o mais original e único em mim.
- O fermento é o que faz aumentar o tamanho do pão. Meu
fermento é aquilo que me faz crescer, o que me impulsiona a sair de mim mesmo,
a superar meus limites, me desafia a ser mais, a ir mais além, a
transcender-me. É constituído de meus sonhos e minhas esperanças, para alcançar
aquilo que “quero e desejo”. É a força criadora que me habita, que potencia
tudo o que sou e tenho, para que cada dimensão de meu ser se faça plena.
- Por fim, o forno. Não é exatamente um ingrediente, mas é
igualmente imprescindível para eu deixar de ser massa, e revelar minha
identidade de pão. Não há verdadeiro pão sem forno, assim como não há homem ou
mulher sem paixão, sem amor, sem o calor daquilo que me faz vibrar, que me
comove, que me transforma.
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