A festa de de Santo Inácio de Loyola é celebrada no dia 31 de julho. Nesta ocasião também fazemos memória dos 500 anos de sua peregrinação a Jerusalém. Segue uma reflexão para este dia.
Inácio de Loyola: um santo dos “tempos novos”
Em todo momento histórico, quando a Igreja e a sociedade são sacudidas
por grandes mudanças, surgem homens
e mulheres que rompem com esquemas e seguranças envelhecidos e se deixam
conduzir pelo Espírito ao deserto, às margens, às fronteiras...
rompendo um ambiente e uma ordem asfixiantes.
A fronteira, para eles, passa
a ser terra privilegiada onde nasce
o “novo”
por obra do Espírito.
Eles(elas) descobrem na realidade do mundo e da história os “sinais
dos tempos” e entram em comunhão
com tudo, porque tudo é “diafania” (transparência) de Deus.
Enraízam sua convicção nesta visão, nesta mística da presença de Deus em sua
obra, na contemplação de um mundo chamado a se transformar em justo e belo,
verdadeiro e pacífico, unido e reconciliado, entranhado em Deus, como no primeiro
dia da Criação.
Foi num
contexto assim que o “peregrino” Inácio de Loyola, “sozinho e a pé” pelos
caminhos da Europa, situou-se nas fronteiras
da humanidade em busca da comunhão universal; aqui se situa o seu processo
original da vivência da santidade.
Depois de cinco séculos, Santo
Inácio continua sendo uma figura única e paradigmática. O que é marcante nele
está no fato de ter sido capaz de situar-se, de maneira original, no contexto
das mudanças de seu mundo e de seu tempo. Ele é considerado o santo dos “tempos
novos” que despontavam perante seus olhos deslumbrados. Novos valores
emergiam, novos modos de pensar e sentir, de viver.
S. Inácio é
o homem da mudança, da transição no tempo, dos tempos novos, agitados,
turbulentos, de transbordantes novidades que colocavam em questão tudo o que
até então era recebido. Ele não se fechou e nem resistiu a elas, mas abriu-se
ao diferente e surpreendente.
O
itinerário da sua vida foi um processo constante de “leitura orante da
realidade”. Por isso, S. Inácio foi um homem de síntese: num
mundo em mudança e até contraditório, ele assumiu com abertura total, sem
preconceitos, sem nostalgias estéreis, a mudança de tempo que lhe coube viver.
Isso lhe abriu horizontes culturais novos, nos quais vai deixar sua marca
original.
Até à época de Santo Inácio,
todo aquele que se sentisse chamado à santidade
deveria naturalmente afastar-se do mundo
e de seus “perigos” e buscar refúgio no deserto, nas montanhas ou nos
mosteiros.
S. Inácio não se afastou do mundo
para encontrar a Deus; ele fez a “experiência” do Deus agindo no
mundo; aí O encontra e caminha com Ele. O mundo não é só o “habitat”
da sua missão: é sobretudo a fonte da sua espiritualidade, o
lugar certo para encontrar a Deus e escutar o Seu chamado.
Da experiência de “amar a
Deus em todas as coisas e todas as coisas em Deus”, nasce uma espiritualidade radicalmente “mundana”,
de contemplação do mundo e de ação no mundo.
A partir de
então as velhas fronteiras
geográficas e políticas pelas quais Inácio lutou apaixonadamente, serão
substituídas por outras, aquelas do coração
humano.
A santidade, para ele, passa a significar
experiência de fronteira: rendição de uma fortaleza, troca de bandeira e de
senhor no próprio coração, esvaziamento de si mesmo como “ego inflado” e
oferecimento de sua pessoa ao verdadeiro “Senhor”
que o chama a segui-lo, ou seja, situar-se com Ele nos “extremos” humanos. Falamos
da admirável aventura espiritual de um homem que, dia após dia, aprende, tenaz
e apaixonadamente, a viver para Deus no cenário do tempo que lhe coube viver,
sacudindo e abalando as consciências daqueles que o rodeavam.
Mas, ao longo de todas as
mudanças, de lugar e de horizontes, bem como as profundas transformações
ocorridas no interior do próprio Iñigo, notamos que nele permanece idêntica a
abertura ao surpreendente e idêntico o discernimento como instrumento para
deixar-se interpelar pelos novos mundos e pelos novos desafios que se abriam
diante dele. De maneira original e inspiradora, Iñigo assume com intensidade e
abertura total a mudança de tempo e de cultura que lhe coube viver.
Isso lhe abriu horizontes
culturais novos, nos quais ele vai se fazer presente criativamente.
E a
“Narrativa do Peregrino” (autobiografia) nada mais é do que o relato da
admirável aventura espiritual e cultural de um homem sincero e obstinado, livre
e aberto, sempre empenhado em discernir, nos “sinais dos tempos”, aquilo que
vêm de Deus (para acolhê-lo), e aquilo que vem do mal (para rejeitá-lo).
O itinerário de Inácio não é unicamente geográfico. Mais que um
simples deslocar-se, trata-se de um modo
de viver e de situar-se no mundo.
Depois de ter posto literalmente seus pés sobre as “pegadas” de seu Senhor e
beijar o solo que Ele havia pisado, Iñigo de Loyola compreende que a terra de Cristo era o vasto mundo de
seu tempo. Desde então, para além do deserto e da peregrinação a Jerusalém,
abre-se diante de
seus olhos, outro caminho. Decididamente,
ele se volta para o mundo, esse
borbulhar de acontecimentos sócio-político-religiosos, no qual reconhece o
lugar da Encarnação.
Buscando considerar todas as coisas em sua referência a Deus, Inácio
quer serví-Lo em toda circunstância. Dado que seu Criador e Senhor está
presente e ativo em todo e qualquer lugar, ele se dirige ao mundo sem temor a
nada, seguro de que cada um de seus passos o conduz ao lugar da adoração e do
serviço.
Inácio contempla o mundo com
Deus; longe de representar um espaço de tentações e de dispersão, o mundo é para ele o lugar do serviço. O olhar que pousa sobre a realidade reacende nele
a saudade de Deus e o sentimento de sua presença.
A partir de então, o mundo o
aproxima de Deus e a saudade de Deus
não o afasta do mundo.
O olhar de S. Inácio para seu
tempo e seu mundo pode nos ajudar a nos situar melhor e mais lucidamente no
nosso. Também nós estamos vivendo profundas mudanças sociais, religiosas,
culturais… que provavelmente não são de menor porte que as do Renascimento.
Ouve-se
dizer hoje, com frequência, que estamos assistindo o fim de uma época e o
princípio de outra; emergem novas formas de cultura, entendida como novos modos
de relacionamento do ser humano com os outros e com o mundo. Os modos de pensar
e de sentir em que vivíamos e estávamos instalados parecem decompor-se aos
nossos olhos, ao passo que emergem por todos os lados, dispersos, sem que se
veja claramente o perfil, mundos novos, novas visões, novas maneiras de se
situar na realidade, novas culturas que nos interrogam, solicitam e inquietam.
Estes nossos tempos, novos e
turbulentos, pedem de todos nós, críticos, inquietos e vigilantes, uma
constante re-leitura dos novos “sinais” que surgem, a necessidade de viver em
estado de atenção permanente, capacidade de re-analisar tudo o que vemos, e
decidir a seu respeito no discernimento.
Se alguém se mantém
constantemente de olhos abertos diante do que está vivendo, como fez S. Inácio,
encanta-se em meio às grandes descobertas da ciência que ampliam o conhecimento
do ser humano, às novas formas de socialização que estão transformando o nosso
mundo, às novas formas e funções do saber, aos novos desafios que se apresentam
diante de seus olhos, às novas esperanças de uma humanidade que é diferente, às
novas formas de expressar a experiência religiosa... Este, certamente, estará
assumindo uma atitude ativa e acolherá tudo o que humaniza e rejeitará tudo o
que desumaniza.
Pondo-nos
na escola de Inácio, é aqui, neste mundo, que Deus nos chama a estender
o seu Reino, trabalhando cada dia como amigos(as) de Jesus que passam,
observam, curam, se compadecem, ajudam, transformam, multiplicam os esforços
humanos.
O(a) santo(a) dos tempos modernos é aquele(a) que na liberdade, afirma: “Fora do mundo não há salvação”.
Textos bíblicos: Mc 4,35-41; Ex 33,7-17; Ex 3,1-10; Jo 6,1-15
Na oração:
Para viver em atitude de “travessia” é preciso
estar em eterna vigilância; e, ao mesmo tempo, abrir-nos a um constante
assombro e gratidão, porque cada manhã é um milagre.
- A nossa vida é um êxodo,
um sair constante de uma realidade para entrar em uma outra realidade nova. O peregrinar é o elemento
determinante e com maior valor simbólico para toda a vida.
-
Existem ainda céus por explorar,
aventuras por empreender, pensamentos
por experimentar e
experiências
por aceitar; falta-nos
ainda muito por saber,
por ver, por sentir, por desfrutar...
- No “mapa espiritual” do meu interior,
ainda existe uma “terra desconhecida”, que desperta interesse, suscita
curiosidade, me põe a caminho...?
- Vivo uma atitude de busca permanente
(discernimento)? Minha presença no mundo faz diferença?...
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