Texto do Pe. Adroaldo Palaoro, sj como sugestão para rezar o Evangelho do 17º. Domingo do Tempo Comum (Ano B).
“Jesus tomou os pães, deu graças...” (Jo 6,11)
São João
situa na Última Ceia o mandamento do amor e o lava-pés (serviço); mas, a
Eucaristia – “Eu
sou o pão da vida” – ele a situa no cap.
6º. de seu Evangelho, no relato da multiplicação dos pães – “Eu sou o pão que desceu do
céu”. O
acontecimento da “multiplicação dos pães” ficou muito gravada na
memória e no coração dos primeiros cristãos, pois aparece seis vezes nos quatro
evangelhos.
De
fato, a partilha dos alimentos é uma das mais sólidas e atrativas
mensagens evangélicas. Certamente, nós cristãos, devemos atender ao que Jesus
prega quando nos revela que Deus é nosso Pai e fonte de misericórdia; mas, é
preciso também nos deixar inspirar pelos seus atos quando dá de comer aos
famintos, atos que dão suficiente fundamentação à sua pregação.
Jesus sempre se preocupou com as
necessidades dos enfermos, dos marginalizados e, no relato deste domingo,
deixou clara sua sensibilidade diante da fome daquela multidão que fora ao seu
encontro para escutá-lo. Afinal, todo ser humano precisa comer, no amplo
sentido do termo “alimentar-se”.
Seguramente, o problema mais
grave que a humanidade padece, em todos os tempos, está no fato de não saciar a
fome de tantos milhões de seres humanos, deserdados da possibilidade de se
alimentarem. Diante desta triste realidade sentimo-nos impotentes e incapazes
de encontrar uma solução.
Os
critérios, profundamente egóicos, que regem nossas sociedades, dificilmente
resolverão o problema da fome. O milagre da multiplicação dos pães é um forte
apelo a nos libertarmos de nossa indiferença diante daqueles que morrem de
miséria e fome. Quando somos solidários, há pão para todos, inclusive sobra.
Nesse
sentido, a multiplicação dos pães significa também multiplicar o trabalho,
acolher os imigrantes, dividir os bens... Na terra há alimento para todos;
inclusive sobra, quando não é especulado.
O pão de
vida não vem do dinheiro ou da compra abundante, que não sacia; o pão de
vida vem do coração, da boa relação, da solidariedade e da partilha entre os
seres humanos. O pão de vida é um dom, uma graça (gratuidade) do Senhor. Jesus
sabe disso: aqueles que tem dinheiro não resolverão nunca o problema da fome no
mundo, porque, para resolver este problema é preciso algo mais que o dinheiro:
partilha, solidariedade, boa vontade, sensibilidade oblativa... É muito difícil
ensinar a partilhar quando unicamente sabemos comprar com ansiedade.
Diante da fome, Jesus propõe uma
solução diferente daquela do comprar. Fala da partilha dos poucos pães e peixes
que um menino anônimo levou consigo e que dispõe para saciar a fome dos outros.
O menino põe seus pães de cevada (pão do pobre) e peixes a serviço dos demais,
como a pobre viúva do evangelho que deposita seus poucos centavos na urna da
coleta do Templo: era tudo o que tinha para viver.
Ao tomar os pães e peixes em suas
mãos, Jesus, cheio de gratidão, dirige-se ao Pai; não é possível crer n’Ele
como Pai de todos e continuar deixando que seus filhos e filhas morram de fome.
Por isso, profere a benção de ação
de graças. A Terra e tudo o que nos alimenta, recebemos de Deus. É dom
do Pai destinado a todos os seus filhos e filhas. Ninguém tem o direito de
acumular e especular os alimentos. Se vivemos privando os outros daquilo que
necessitam para viver é que já nos distanciamos de Deus e atrofiamos nossa
sensibilidade solidária.
No evangelho deste domingo
podemos também perceber uma profunda conexão entre a cena da multiplicação dos
pães e peixes e o relato da Última Ceia; também nessa multiplicação “Jesus tomou os pães, deu graças e os
repartiu entre aqueles que estavam sentados à mesa”. Aqui, Jesus acrescenta um
pedido para que a ceia fosse celebrada “em sua memória viva”, ou seja, que
todos recordassem que Ele passou neste mundo fazendo o bem, servindo e amando a
todos.
Diante
de tudo isso, sem refeição compartilhada, sem serviço efetivo e sem amor
incondicional, não pode haver Eucaristia em sentido pleno. Percebemos, nas
atuais “missas católicas”, que há muito culto, muita genuflexão, muita
adoração..., mas, pouca partilha, pouca vivência do amor e reduzido serviço;
“missas” que não deixam transparecer a “memória viva” da vida de Jesus, nem é o
lugar do cumprimento das recomendações tão caras que Ele nos fez no momento
mesmo de sua partida.
A Eucaristia nos recorda que o pão
é dom de Deus a receber; se ele leva a marca do dom, ele convida à partilha. A ação de comer deixa de ser somente um ato biológico, mas um ato
social e, portanto, um ato espiritual.
Alimentar-se é também uma
questão moral e teológica. É preciso examinar como nossa atitude diante do
alimento foi superficializado pela narrativa moderna e pela redução dele a uma
mercadoria. O entendimento espiritualmente empobrecido do alimento só poderá
ser corrigido se começarmos a pensar na alimentação como um “exercício
espiritual”.
O alimento é uma dádiva de Deus
oferecida a todas as criaturas para fins de nutrição, partilha e celebração da
vida. Quando se realiza em nome de Deus, a alimentação é a realização terrena
do eterno amor de comunhão de amor do Pai com todos os seus filhos e filhas
A
consciência do dom nos convence que o alimento não é um simples punhado
de nutrientes que simplesmente precisamos ingerir nas quantidades, variedades e
proporções certas; o alimento é muito mais que um combustível de que
necessitamos para manter nosso corpo funcionando, como uma máquina, em um nível
ideal. Nessa visão falta aquela atitude para o maravilhamento e reverência.
Normalmente
as pessoas costumam parar e dizer uma oração antes de tomar uma refeição, mas
grande parte das pessoas aprendem que o alimento é apenas um produto
manufaturado que é controlado e especulado.
O pão tem sido, há muito
tempo, um elemento central para o coração e a vida das culturas ocidentais e do
Oriente Próximo. Por gerações, as pessoas têm associado pão com alimento, e a
disponibilidade de pão com tempos bons e segurança alimentar. A ausência de
pão, ou medo da escassez dele, com frequência, eram suficientes para causar
revoltas. Na mente de muitos, ao longo do tempo, sem pão simplesmente não há
vida.
A importância do pão ainda
permanece em nossa imaginação quando nos referimos ao dinheiro como o “pão
nosso de cada dia” ou aos salários como o “ganha-pão” dos trabalhadores.
O
aroma do pão saído do forno é suficiente para fazer que as pessoas queiram se
sentar, se acomodar e se deliciar com várias fatias. A presença visível,
aromática e tátil de um pão quentinho convida ao compartilhamento e ao
companheirismo (“companheiro” – do latim “cum-panis” é alguém que “compartilha
o pão”).
Além
de proporcionar nutrição, o pão comunica aconchego, hospitalidade,
fraternidade, compartilhamento de nossa vida juntos. Podemos olhar para uma
refeição e ver apenas uma variedade aleatória de nutrientes, inconscientes da
graça de Deus que nela se manifesta. Podemos esquecer que o alimento é um dos
meios básicos e duradouros de Deus expressar a providência e o cuidado divinos.
Compartilhar
uma refeição é participar de uma comunicação divina (cf. Sl 104,10-15).
Recebido à mesa eucarística como o corpo de Cristo, é nossa nutrição para reforçar nossos laços comunitários.
Texto bíblico: Evangelho segundo João 6,1-15
Na
oração:
Não é
possível reconhecer o Corpo do Senhor presente na Eucaristia se não
reconhecemos o Corpo do Senhor na comunidade onde alguns passam
necessidades. Pois, se fechamos os olhos às divisões e às desigualdades
mentimos ao dizer que Cristo está presente na Eucaristia.
Enquanto
não nos mobilizamos a mudar nossa sociedade de maneira que mais pessoas aceitem
a alegria de compartilhar o pão e a vida, faltará algo em nossa Eucaristia.
Essa “ferida” o cristão deve sempre tê-la presente.
- Sua
participação na Eucaristia desperta uma sensibilidade solidária diante das
diferentes “fomes” que afetam tantas pessoas?
Nenhum comentário:
Postar um comentário