Texto 1 da série elaborada pelo pe. Adroaldo Palaoro, sj sobre a vida e missão de São José que poderá ser usada como subsídio para melhor viver o ano de São José (2021) decretado pelo Papa Francisco na Carta Apostólica "Patris Corde".
“A felicidade de José não se situa na lógica do
sacrifício de si mesmo, mas na lógica do dom de si mesmo. Naquele homem, nunca
se nota frustração, mas apenas confiança. O seu silêncio persistente não inclui
lamentações, mas sempre gestos concretos de confiança”
(Papa Francisco – Patris Corde)
A única coisa que o Evangelho nos diz de José é que
era um “homem justo”. Este adjetivo, de profundas raízes bíblicas, nos
quer dizer que era reto, íntegro, autêntico, bom, etc..., tudo o que podemos
encontrar de positivo em uma pessoa humana. O homem justo é aquele que, como Abraão,
acolhe na fé o plano de Deus e com Ele colabora. José é “justo” porque adere ao
misterioso desígnio de Deus, é justo porque se “ajusta” ao modo de agir de Deus,
arrisca com Deus, embora os contornos do Seu Plano permaneçam obscuros e, em
certos aspectos, incompreensíveis.
José se coloca, portanto, na linha das grandes figuras da
história da salvação. Sua atitude é um exemplo de silenciosa dedicação ao
Reino. É o homem de uma
grande nobreza de coração que, no silêncio da fé, acolhe o mistério que não
compreende. Ele também teve sua “anunciação”; também teve que dar seu “sim” a
Deus no mistério do desconhecido.
O “justo” José viveu no dia-a-dia a fidelidade a Deus. Mateus repete três vezes que ele se levantou para fazer o que lhe fora revelado como Vontade de Deus. José soube acolher também, na obediência e no amor despojado, a missão que Deus lhe confiou.
José é o homem do silêncio; de fato, uma das coisas que mais chama a atenção é que
ele não pronuncia palavra alguma em nenhum dos relatos evangélicos nos quais
aparece. Diríamos
que os relatos apresentam a figura de um homem silencioso. Sua existência está
atravessada pelo silêncio. José é o homem que vive e atua no silêncio.
Mas entendamos bem. Este silêncio não se deve a que José fosse um homem de caráter introvertido, isolado, fechado sobre si. Pelo contrário, trata-se de um silêncio interior, intenso, grávido de conteúdo. Precisamente o que as cenas evangélicas mais destacam é que José escuta atentamente o que lhe é anunciado e ele responde instantaneamente, com gestos decididos. Poderíamos dizer que suas ações são suas palavras e suas palavras não pronunciadas se convertem em gestos eloquentes que manifestam a grandeza de sua alma.
Nos relatos de aparição de anjo, normalmente se dá
um intercâmbio de palavras entre o mensageiro e a pessoa à qual é enviado. No
caso de José, no entanto, nunca há diálogo. Nos três momentos em que o anjo do
Senhor aparece a José dá-se o mesmo esquema: o anúncio da mensagem e a resposta
decidida de José por meio da ação. José não pede explicações nem sinais
confirmadores; obedece e pronto.
Quando recebe o anúncio de que Maria
estava grávida por obra do Espírito Santo, imediatamente faz o que lhe havia
dito o anjo do Senhor e toma consigo a sua mulher. No caso da fuga ao Egito, o
anjo, além do mais, pede a José colocar-se a caminho: pede-lhe uma prontidão
que o desenraiza de seu ambiente, que o desinstala de sua própria terra para
viver no estrangeiro.
Quando o anjo lhe adverte da perseguição de Herodes, imediatamente se levanta, toma o menino e a sua mãe durante a noite e se retira ao Egito. O mesmo acontece quando o anjo do Senhor lhe diz que pode voltar a Israel porque tinham morrido aqueles que buscavam tirar a vida do menino.
Os textos destacam a atitude de disponibilidade
obediente e prontidão confiada de José.
Seu silêncio não tem nada de ingênuo, não é o silencio daquele que nada sabe ou não quer complicar sua vida. José está, sim, ciente de que sua esposa está grávida; está ciente que o menino está em perigo e, por isso, o leva ao Egito; está ciente de que seu filho se perdeu e, por isso, busca-o. E como está ciente, tem medo. Não um medo que o paralisa, mas um medo inquietante, que o impulsiona a buscar soluções respeitosas para com sua esposa e lhe move a tomar decisões valentes, como a de emigrar em busca de um lugar onde refugiar-se. José se arrisca como resultado de uma reflexão, feita possível graças a um silêncio que escuta, valoriza e discerne.
A figura silenciosa de José des-vela e denuncia o
“palavreado crônico” que nos esvazia. Ele nos mobiliza a viver o silêncio atento e que escuta. Quando
calamos e fazemos silêncio começamos a escutar a nós mesmos e a Deus, que fala
silenciosamente “em sonhos”.
Há uma diversidade de silêncios. Existe o silêncio dos mortos ou o silêncio daquele que
não tem nada que dizer, porque sua vida está vazia. Existe o silêncio cheio de
tristeza do desamparado, que sofre, chora e perdeu toda esperança. Existe o
silêncio tenso que se estabelece quando duas pessoas que não se amam se
veem obrigadas a estar em um mesmo lugar. Existe o
silêncio respeitoso diante de um enfermo ou diante de uma tragédia; existe o
silêncio cheio de amor que brilha no olhar daqueles que se amam. E existe o
silêncio daquele que escuta atentamente o que o(a) amado(a) tem a lhe dizer.
Sem dúvida, este último silêncio é o que melhor
caracteriza a José de Nazaré. Os Evangelhos o apresentam como um homem sempre
pronto a escutar a voz de Deus que fala através dos acontecimentos de sua vida
e da vida daqueles que foram confiados aos seus cuidados.
Carecemos do silêncio transformador neste nosso
mundo. O ruído inunda as ruas, os lugares de trabalho, as casas e até os
corações. O ruído atordoa, tem efeito devastador, provoca a revolta,
agressividade e um estado de ânimo convulsionado. Com o barulho, o espírito
humano se acomoda, se anestesia, se dopa. O funcionamento normal do cérebro
fica debilitado. A pessoa não sente, não pensa, não tem serenidade para
decidir. Todas as expressões de vida se atrofiam. A criatividade seca, os
sonhos desaparecem e o ser humano torna-se incapaz de escutar a música
harmoniosa de toda a Criação...
Num contexto de ruídos
atrevidos, tanto na cidade como em nossos lugares de “repouso”, torna-se mais
do que necessário uma “cultura do
silêncio”, que permita re-descobrir o nosso próprio interior, escutar a voz
dos anjos indicando os melhores caminhos a serem trilhados.
Tony de Mello nos diz: “O
silêncio não é ausência de som, mas
ausência de Ego”.
A carência do silêncio em nossa vida nos faz seres
superficiais. Com efeito, a cultura pós-moderna decretou o fim do silêncio:
vivemos imersos nos mais diferentes ruídos. E o silêncio, por sua vez, está se
vingando de nós, criando vazio, superficialidade, palavras sem sentido, já não
sabemos quem somos, para onde andamos e o que queremos...
É indispensável “fazer
silêncio” para entrar em contato com a realidade, sobretudo para abrir
espaço ao Outro dentro de nós, para
acolhê-Lo, para ouví-Lo e entrar em sintonia com sua Vontade.
Nos murmúrios interiores do coração ali encontramos os sinais da presença viva de Deus.
Textos bíblicos para oração: Mt 1,18-24; Mt 6,5-15; 1Rs 19, 9-15
Na oração: “Quando o silêncio
fala, a vida se transforma”. A oração é o
lugar para o silêncio como lugar de encontro.
- No percurso de sua
vida, você tem reservado momentos de silêncio e preparar-se para acolher Aquele
que, no silêncio pleno, vem fazer morada em seu interior.
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