Texto do Pe. Adroaldo Palaoro, sj (Centro de Espiritualidade Inaciana), como sugestão para rezar e preparar-se, pessoal e comunitariamente, para a solenidade da Ascensão do Senhor, com base no Evangelho.
“...o Senhor foi levado ao céu, e sentou-se à direita de Deus” (Mc 16,19)
O Mistério
que estamos festejando neste domingo é o mesmo que celebramos cada dia deste
tempo de Páscoa ou que celebraremos em Pentecostes: a certeza de que nosso Deus
é um Deus Vivo e um Deus de Vida, que não permite que a morte tenha a última
palavra e que se empenha para que nós sejamos, junto a Ele, doadores de vida.
Já se passaram 40 dias desde que celebramos a Páscoa, o acontecimento inspirador e alegre da Ressurreição de Jesus. Talvez seja um bom momento para tomarmos o pulso de como temos vivenciado este tempo pascal. Também a nós, como seguidores(as), a liturgia nos apresentou Jesus Vivo e Ressuscitado durante quarenta dias: Ele nos falou de paz, de esperança, de fortaleza, do imenso amor com que nos ama, do sentido de sua morte e de sua paixão... Conhecendo em profundidade nossos medos e debilidades, nos prometeu com insistência que sempre permanecerá entre nós através do alento e da força do seu Espírito, da “Ruah” criativa e transformadora.
Na Ascensão, Jesus não nos abandona, pois realizou uma comunhão
definitiva com a humanidade, garantindo a ela um destino de plenitude. Ele
subiu ao céu para abrir-nos o caminho, mas agora é o Espírito aquele que nos
move e nos conduz ao Pai. Cabe a nós esforçar-nos em fazer o nosso êxodo, sob a ação do mesmo Espírito e
confiantes na fidelidade de Deus.
Depois destes 40 dias de preparação
é tempo de nos mover, de sair, de pôr-nos a caminho. É preciso colocar em
prática tudo o que foi escutado e experimentado. É tempo de “expulsar
demônios, de
curar enfermos, de
falar linguagens novas...”.
Cada um de nós pode dar nome a esses “demônios” que somos chamados a expulsar,
às enfermidades que devemos curar ou à linguagem de devemos praticar com
insistência.
Agora, através do seu Espírito, o Senhor nos coloca em movimento com um envio apaixonante: que a Boa Notícia, aquela que nós já temos recebido, chegue ao mundo inteiro.
Ao
mistério da Ascensão corresponde ao
mistério da Kénosis (esvaziamento)
do Verbo; Ele que se despojou de sua glória e majestade e se fez homem, agora é
elevado aos céus e com Ele toda a humanidade redimida e divinizada. Em Cristo,
a humanidade inteira já se encontra envolvida por Deus; em Cristo, céus e terra se encontram.
A Ascensão
nos revela que a terra termina no céu, o tempo na eternidade, o ser
humano termina em Deus. Mas o céu, a esperança, o horizonte, estão já presentes
em nosso hoje, dando sentido. O futuro sonhado e esperado é a alegria do
presente. O céu não pode esperar!
Frequentemente, a festa da Ascensão é explicada
utilizando a mentalidade grega que distingue e separa “céu” e “terra”, que vê
estas duas realidades como espaços contrapostos e, de certa forma, separados
por um imenso abismo. Como consequência, neste domingo faríamos memória da
grande “desconexão”: Jesus Ressuscitado ascende ao céu, abandona a terra e a
nós, seus discípulos, sua comunidade; deixa-nos tristes e órfãos.
No entanto, a chave está aqui: “tudo está entrelaçado,
inter-conectado, inter-dependente...”
A cosmologia bíblica não é dualista. Céu e terra não são duas realidades separadas, opostas, desconectadas, senão que existe entre elas uma permanente inter-relação; são realidades inter-conectadas. “Céu” (Deus e seus anjos) e terra estão em permanente relação. E tanto os humanos como os animais, as plantas, os planetas, experimentam sempre o “toque” e a “influência do céu”. Assim se expressam os Salmos, os Profetas, os Sábios... Para o pensamento bíblico há salvação ali onde céus e terra se tocam.
Os
primeiros cristãos contemplavam a ressurreição de Jesus como o início da
reconciliação entre o céu e a terra. Jesus “sobe ao céu” para que se realize
sua “conexão” definitiva com a terra; Jesus sobe ao céu para que o céu venha à
terra. Essa foi a oração que Ele ensinou àqueles que o seguiam: “Venha a nós o vosso Reino; seja feita a vossa vontade, assim
na terra como no céu”.
O que dizemos da terra, o que a ciência da ecologia
nos mostra cada vez com mais evidência é que tudo está inter-conectado, todas
as manifestações de vida estão inter-relacionadas. Assim, com muito mais razão,
é preciso dizer de uma maneira muito especial nesta celebração da Ascenção:
Jesus sobe para “conectar” tudo. Esta é a “ecologia do Espírito do
Ressuscitado”: o céu na terra e a terra no céu.
Esta é a ecologia integral: a ressurreição transformou absolutamente tudo, uniu tudo. Uma estupenda beleza nasceu e nós estamos integrados neste cenário.
Na Bíblia, céu e terra querem
exprimir, espacialmente, a totalidade da Criação de Deus; por
isso Deus é Senhor do céu e da terra.
Tudo, então,
chegará à plena reconciliação: o céu terá baixado à terra e a terra terá
sido elevada até o céu. E então será
a plenitude: “Deus será tudo em todas as coisas” (1Cor.
15,28)
A tradição nos lembra que o Espírito Santo é o mesmo na terra e no
céu, que o Amor é o mesmo, na terra
e no céu. Todas os atributos divinos que podemos viver no espaço-tempo são
nossa realidade celeste.
Ao celebrar a
Ascenção, sentimos aqui na terra como o céu se conecta com uma experiência
universal, comum a todo ser humano: nosso profundo desejo de comunhão.
E, assim, muitas
outras expressões humanas, sobretudo através da arte, nos convidam a olhar o
céu não como algo etéreo, separado de nossa realidade, mas como algo que habita
em cada um de nós. O “céu” se
encontra naquelas situações e relações que fazem o ser humano apaixonar-se pela
vida. Onde predominam o ódio e o desprezo pela vida, ali se encontra o “inferno”. Quantas “expressões
infernais” destroem o impulso para o encontro neste nosso contexto social,
político, econômico...!
Como vemos, o “céu” nos mobiliza e nos interpela, nos conduz àqueles lugares, pessoas e situações nas quais experimentamos o profundo desejo de nos unir com a humanidade; também a humanidade mais frágil e necessitada de comunhão. E aí, nesse desejo de construir o céu na terra e de encontrar-nos uns com outros, encontramos o Ressuscitado, falando-nos com paixão, ternura e amor.
O
movimento desencadeado por Aquele que Vive é um movimento que reúne para ativar
a vida, para restaurar vínculos rompidos, para libertar das ataduras que
escravizam...
Jesus “subiu”
ao céu porque “desceu” às profundezas da terra. E assim também nos mostrou o
caminho. Não podemos subir ao céu se não estivermos dispostos a descer com
Cristo ao nosso “húmus”, às nossas sombras, à condição terrena, ao
inconsciente, à nossa fraqueza humana.
Nós “subimos”
a Deus quando “descemos” à nossa humanidade. Este é o caminho da liberdade, este é o caminho do amor e
da humildade, da mansidão e da misericórdia; é o caminho de Jesus também para
nós.
A vida cristã não é “subida” para fora da
realidade, mas “descida” para o mais profundo da mesma.
Entramos no movimento da Ascensão quando amamos, servimos, cuidamos...; nós nos elevamos quando lutamos por uma causa, investimos a vida num projeto em favor da vida.
Texto bíblico: Mc 16,15-20
Na oração:
A
festa da Ascensão nos ensina o caminho através do qual descemos a uma dimensão
mais profunda, chegando à corrente subterrânea por onde flui a vida; aqui
experimentamos a unidade de nosso
ser; o impulso para a comunhão, o
lugar da transcendência, onde nossa
transformação realmente acontece.
Para
nos realizar e desenvolver toda a nossa potencialidade, busquemos, na oração, cavar
mais profundamente, até atingir as raízes de nosso ser, o núcleo original de nossa personalidade. É no mais íntimo de nós que rezamos ao Senhor. É
no mais profundo de nossa interioridade
que escutamos o Senhor.
Deixemo-nos
invadir pela luz e pela vida d’Aquele que “armou sua tenda entre nós”.
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