Texto 5 da série elaborada pelo pe. Adroaldo Palaoro, sj sobre a vida e missão de São José que poderá ser usada como subsídio para melhor viver o ano de São José (2021) decretado pelo Papa Francisco na Carta Apostólica "Patris Corde".
“Jesus viu a ternura de Deus em José: «Como um pai
se compadece dos filhos, assim o Senhor Se compadece dos que O temem» (Sal 103, 13).Com certeza, José
terá ouvido ressoar na sinagoga, durante a oração dos Salmos, que o Deus de
Israel é um Deus de ternura, que é bom para com todos e «a sua ternura
repassa todas as suas obras» (Sal 145,
9)” (Papa Franciscon – Patris Corde)
Com a carta
apostólica “Patris Corde” (com coração de pai), o Papa Francisco lança uma
nova luz sobre São José, revelando-o
inspirador de muitas pessoas que, trabalhando no silêncio, longe dos focos e
câmeras, estão escrevendo os acontecimentos decisivos da história. Como S.
José, o Papa define estas pessoas como aparentemente ocultas ou na “segunda
fila” no cenário da história, mas são presenças que fazem a diferença, pois
assumem a fragilidade dos outros, curando as feridas existenciais, com atitudes
acolhedores sobre as pessoas, deixando transparecer em seu olhar a ternura e o cuidado de Deus, Pai-Mãe providente.
Ao falar de S. José, o Papa nos desperta para que estejamos conscientes de que nossa vida está tecida e sustentada por pessoas normalmente esquecidas, ocultas e que, a partir de posições aparentemente de segunda linha, manifestam um protagonismo sem igual na história da salvação, através de gestos que sabem dizer aos cansados, aos humilhados e excluídos, aos sem voz: “estou contigo, acolho seu sofrimento, tua solidão, tua busca da vida; sou sensível às tuas lágrimas e à tua fragilidade; não há nada em ti que me deixe indiferente”. São pessoas que, através do cuidado compassivo, se fazem próximas e solidárias da condição humana de cada um de nós.
Recuperar o
sentido da ternura exige de nós contemplar a vivência da ternura de José de Nazaré, e não só como um mero
modelo ético de atuação, senão em sua profunda intimidade e filiação referida a
um Deus materno cujas entranhas se estremecem e sente ternura por seus
filhos e filhas.
A ternura
emerge assim como algo que é, antes de mais nada, próprio de Deus, e Deus, como
Aquele que instaura o primeiro movimento de ternura para com a realidade, como
a relação que une Àquele que dá o ser com aquele que o recebe (Criador e
criatura).
O coração de Deus é o de um Deus
com “entranhas de ternura”, entranhas que se comovem e que o fazem sair e
transbordar-se como amor terno sobre a história e sobre a humanidade.
Ou seja, antes de mais nada, há uma ternura divina que se adentra como Amor absoluto de Deus nas fibras do ser humano. À imagem desse Deus de ternura fomos criados como seres capazes e necessitados de ternura. Uma ternura que não será senão um pálido reflexo dessa “forma suprema de ternura” que é o Amor de Deus, que se aproxima da realidade humana como Ternura amorosa.
Contemplando
a pessoa de São José, podemos também descobrir que nosso Deus é um Deus de ternura.
Só quem
experimentou a ternura de Deus se sabe possuidor de uma “segunda pele”
que certamente o faz mais vulnerável, mas ao mesmo tempo mais humano, ou ao
menos, mais apto para penetrar no secreto de uma humanidade capaz de sentimento
e estremecimento até os limites não imaginados. Nele pulsa o coração de Deus
que se sintoniza com a pulsação do coração do mundo.
Com razão afirmava Abrahán Heschel, que “o grau de sensibilidade diante do sofrimento humano indica o grau de humanidade que temos atingido”. E é a ternura aquela que desperta em nós essa sensibilidade e mede, por isso, o grau de humanidade alcançado.
A ternura é o
afeto que devotamos às pessoas e o cuidado
que aplicamos às situações existenciais marcadas pela fragilidade. É uma
proximidade que se revela como intuição, vê fundo e estabelece
comunhão.
A ternura brota
quando a pessoa se descentra de si mesma, sai na direção do outro, sente o
outro como outro, participa da sua existência, deixa-se tocar pela sua história
de vida.
Esse sentimento é um modo de ser existencial que afeta todas
as dimensões da pessoa.
A expressão por excelência da
ternura é o carinho, onde se acentua
a proximidade física e o respeito ao outro. O carinho em certas situações é a melhor forma de comunicação
não-verbal.
Ele revela cuidado solícito,
manifesta sensibilidade através do contato físico, expressa-se como gesto
sensível que quer acolher a pessoa como tal.
A ternura é impulso íntimo e
comunicacional, é forma de viver e de conviver, circula entre as pessoas, sustenta
novas relações, é valor original que se irradia como verdade. A ternura se
expressa como acolhida de quem é frágil e não se cansa de amar.
Forte é a ternura
que permanece resistente.
A ternura
revela lucidez, firmeza e tenacidade. Não se deve confundir ternura com
emocionalismo.
A ternura
possui fibra e sustenta causas justas. A ternura mantém fidelidade às
pessoas e assume posições sérias. A verdadeira ternura é destemida, não se
amedronta e sustenta a verdade, é corajosa, não compactua com a violência, a
crueldade, a exclusão. A ternura pode
e deve conviver com o extremo empenho por uma causa: “hay que endurecer pero sin perder la ternura jamás” (Che Guevara).
A ternura emerge do próprio ato de existir no mundo com os outros
A ternura mantém a reciprocidade com o diálogo, a afetividade, a compreensão, a amizade, o respeito, o direito, a solidariedade; ela é aberta, não se fecha, ajuda o mundo a ser humano e não selvagem, é alegre e não triste, pacífica e não belicosa, justa e não legalista, limpa e não contaminada. Assim, a ternura ética preserva a humanidade, ventilada pelo sopro da dignidade. A ternura leva a pessoa a sentir-se gente.
A ternura vital é
sinônimo de cuidado essencial. O exercício da ternura é fundamental para
desenvolver atos de cuidado. O
cuidado faz o ser humano aberto,
sensível, solidário, cordial e conectado com tudo e com todos no universo. Sem
o cuidado o humano se faria inumano.
O cuidado vive do amor primordial, pois o
amor é a expressão mais alta do cuidado; tudo o que amamos também cuidamos
e tudo o que cuidamos é um sinal de que também amamos.
O cuidado abre-nos
caminho para viver, com mais intensidade, nossa humanidade. E viver “humanamente”
significa viver em vulnerabilidade.
A arte do cuidado confere a
cada um a capacidade de exercer a paternidade-maternidade
espiritual; cuidar é sentir o outro, é verdadeiramente escutar, é
ter um olhar desarmado, eliminando todo preconceito. Cuidar é dar
atenção com ternura, isto é, descentrar-se de si mesmo e sair em
direção do outro, participando de sua existência; é esvaziamento de si mesmo
para deixar o mistério da fragilidade do outro, que também traz
em si, encontrar abrigo no coração.
Cuidar é entrar em sintonia com...
Disso emerge a dimensão de alteridade, de respeito, de sacralidade...
Quem não aceita a própria vulnerabilidade e inter-dependência não desenvolve atitudes de cuidado. Quem não
aceita ser cuidado, também não está disposto a cuidar dos outros. Somos
educados para sermos “super-homens” ou
“super-mulheres”; aprendemos a não admitir e a não aceitar o limite, a vulnerabilidade, o fracasso...
O ser humano é finito, portanto vulnerável. Ele não se basta a si
mesmo; necessita de relações com o seu meio, com os seus semelhantes e com o
Transcendente, dando sentido à sua existência.
Isto significa que o cuidado
faz parte da constituição do ser humano. É um “modo-de-ser” singular do
homem e da mulher. Fomos criados à imagem e semelhança do “Deus cuidador e providente”.
Cuidar é mais que um ato; é uma
atitude “kenótica”, porque exige o esvaziamento de nós mesmos para deixar o
mistério do outro encontrar abrigo em nosso coração.
O cuidado se encontra na raiz primeira do
ser humano, é um “modo-de-ser essencial” de cada pessoa.
É uma
dimensão fontal, originária, primeira, impossível de ser totalmente esvaziada.
Por isso, para além do “ter cuidado”, “somos cuidado”; é da nossa essência, ou seja, no cuidado vamos construindo nosso próprio ser, nossa autocons-ciência e nossa própria identidade.
Textos bíblicos:
Is 49,8-26; Os 11; Mt 6,25-34; Mt 5,43-48
Na oração:
Quem já foi afetado
por um olhar de uma pessoa pobre ou
sofredora, e deixou que este olhar penetrasse no fundo do seu coração, sabe que
não sai “ileso” desta experiência; algo mudou dentro de si: a ternura é
despertada e o cuidado é mobilizado.
O modo-de-ser-ternura
e cuidado de São José se prolonga em nós, no encontro com as pessoas.
- Pedir a graça de sentir a ternura,
o carinho, a proteção das mãos benditas e providentes de São José.
Alargar o coração,
para que aí a ternura de Deus possa fazer morada.
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