terça-feira, 25 de maio de 2021

José de Nazaré, o homem de ternura e do cuidado amoroso

Texto 5 da série elaborada pelo pe. Adroaldo Palaoro, sj sobre a vida e missão de São José que poderá ser usada como subsídio para melhor viver o ano de São José (2021) decretado pelo Papa Francisco na Carta Apostólica "Patris Corde".

“Jesus viu a ternura de Deus em José: «Como um pai se compadece dos filhos, assim o Senhor Se compadece dos que O temem» (Sal 103, 13).Com certeza, José terá ouvido ressoar na sinagoga, durante a oração dos Salmos, que o Deus de Israel é um Deus de ternura, que é bom para com todos e «a sua ternura repassa todas as suas obras» (Sal 145, 9)” (Papa Franciscon – Patris Corde)

 

Com a carta apostólica “Patris Corde” (com coração de pai), o Papa Francisco lança uma nova luz sobre São José, revelando-o inspirador de muitas pessoas que, trabalhando no silêncio, longe dos focos e câmeras, estão escrevendo os acontecimentos decisivos da história. Como S. José, o Papa define estas pessoas como aparentemente ocultas ou na “segunda fila” no cenário da história, mas são presenças que fazem a diferença, pois assumem a fragilidade dos outros, curando as feridas existenciais, com atitudes acolhedores sobre as pessoas, deixando transparecer em seu olhar a ternura e o cuidado de Deus, Pai-Mãe providente.

Ao falar de S. José, o Papa nos desperta para que estejamos conscientes de que nossa vida está tecida e sustentada por pessoas normalmente esquecidas, ocultas e que, a partir de posições aparentemente de segunda linha, manifestam um protagonismo sem igual na história da salvação, através de gestos que sabem dizer aos cansados, aos humilhados e excluídos, aos sem voz: “estou contigo, acolho seu sofrimento, tua solidão, tua busca da vida; sou sensível às tuas lágrimas e à tua fragilidade; não há nada em ti que me deixe indiferente”. São pessoas que, através do cuidado compassivo, se fazem próximas e solidárias da condição humana de cada um de nós.

Recuperar o sentido da ternura exige de nós contemplar a vivência da ternura de José de Nazaré, e não só como um mero modelo ético de atuação, senão em sua profunda intimidade e filiação referida a um Deus materno cujas entranhas se estremecem e sente ternura por seus filhos e filhas.

A ternura emerge assim como algo que é, antes de mais nada, próprio de Deus, e Deus, como Aquele que instaura o primeiro movimento de ternura para com a realidade, como a relação que une Àquele que dá o ser com aquele que o recebe (Criador e criatura).

O coração de Deus é o de um Deus com “entranhas de ternura”, entranhas que se comovem e que o fazem sair e transbordar-se como amor terno sobre a história e sobre a humanidade.

Ou seja, antes de mais nada, há uma ternura divina que se adentra como Amor absoluto de Deus nas fibras do ser humano. À imagem desse Deus de ternura fomos criados como seres capazes e necessitados de ternura. Uma ternura que não será senão um pálido reflexo dessa “forma suprema de ternura” que é o Amor de Deus, que se aproxima da realidade humana como Ternura amorosa.

Contemplando a pessoa de São José, podemos também descobrir que nosso Deus é um Deus de ternura.

Só quem experimentou a ternura de Deus se sabe possuidor de uma “segunda pele” que certamente o faz mais vulnerável, mas ao mesmo tempo mais humano, ou ao menos, mais apto para penetrar no secreto de uma humanidade capaz de sentimento e estremecimento até os limites não imaginados. Nele pulsa o coração de Deus que se sintoniza com a pulsação do coração do mundo.

Com razão afirmava Abrahán Heschel, que “o grau de sensibilidade diante do sofrimento humano indica o grau de humanidade que temos atingido”. E é a ternura aquela que desperta em nós essa sensibilidade e mede, por isso, o grau de humanidade alcançado.

A ternura é o afeto que devotamos às pessoas e o cuidado que aplicamos às situações existenciais marcadas pela fragilidade. É uma proximidade que se revela como intuição, vê fundo e estabelece comunhão.

A ternura brota quando a pessoa se descentra de si mesma, sai na direção do outro, sente o outro como outro, participa da sua existência, deixa-se tocar pela sua história de vida.

Esse sentimento é um modo de ser existencial que afeta todas as dimensões da pessoa.

A expressão por excelência da ternura é o carinho, onde se acentua a proximidade física e o respeito ao outro. O carinho em certas situações é a melhor forma de comunicação não-verbal.

Ele revela cuidado solícito, manifesta sensibilidade através do contato físico, expressa-se como gesto sensível que quer acolher a pessoa como tal.

A ternura é impulso íntimo e comunicacional, é forma de viver e de conviver, circula entre as pessoas, sustenta novas relações, é valor original que se irradia como verdade. A ternura se expressa como acolhida de quem é frágil e não se cansa de amar.

 

Forte é a ternura que permanece resistente.

A ternura revela lucidez, firmeza e tenacidade. Não se deve confundir ternura com emocionalismo.

A ternura possui fibra e sustenta causas justas. A ternura mantém fidelidade às pessoas e assume posições sérias. A verdadeira ternura é destemida, não se amedronta e sustenta a verdade, é corajosa, não compactua com a violência, a crueldade, a exclusão. A ternura pode e deve conviver com o extremo empenho por uma causa: “hay que endurecer pero sin perder la ternura jamás” (Che Guevara).

A ternura emerge do próprio ato de existir no mundo com os outros

A ternura mantém a reciprocidade com o diálogo, a afetividade, a compreensão, a amizade, o respeito, o direito, a solidariedade; ela é aberta, não se fecha, ajuda o mundo a ser humano e não selvagem, é alegre e não triste, pacífica e não belicosa, justa e não legalista, limpa e não contaminada. Assim, a ternura ética preserva a humanidade, ventilada pelo sopro da dignidade. A ternura leva a pessoa a sentir-se gente.

A ternura vital é sinônimo de cuidado essencial. O exercício da ternura é fundamental para desenvolver atos de cuidado. O cuidado faz o ser humano aberto, sensível, solidário, cordial e conectado com tudo e com todos no universo. Sem o cuidado o humano se faria inumano.

O cuidado vive do amor primordial, pois o amor é a expressão mais alta do cuidado; tudo o que amamos também cuidamos e tudo o que cuidamos é um sinal de que também amamos.

O cuidado abre-nos caminho para viver, com mais intensidade, nossa humanidade. E viver “humanamente” significa viver em vulnerabilidade.

A arte do cuidado confere a cada um a capacidade de exercer a paternidade-maternidade espiritual; cuidar é sentir o outro, é verdadeiramente escutar, é ter um olhar desarmado, eliminando todo preconceito. Cuidar é dar atenção com ternura, isto é, descentrar-se de si mesmo e sair em direção do outro, participando de sua existência; é esvaziamento de si mesmo para deixar o mistério da fragilidade do outro, que também traz em si, encontrar abrigo no coração.

Cuidar é entrar em sintonia com... Disso emerge a dimensão de alteridade, de respeito, de sacralidade...

Quem não aceita a própria vulnerabilidade e inter-dependência não desenvolve atitudes de cuidado. Quem não aceita ser cuidado, também não está disposto a cuidar dos outros. Somos educados para sermos “super-homens” ou “super-mulheres”; aprendemos a não admitir e a não aceitar o limite, a vulnerabilidade, o fracasso... O ser humano é finito, portanto vulnerável. Ele não se basta a si mesmo; necessita de relações com o seu meio, com os seus semelhantes e com o Transcendente, dando sentido à sua existência.

 

Isto significa que o cuidado faz parte da constituição do ser humano. É um “modo-de-ser” singular do homem e da mulher. Fomos criados à imagem e semelhança do “Deus cuidador e providente”.

Cuidar é mais que um ato; é uma atitude “kenótica”, porque exige o esvaziamento de nós mesmos para deixar o mistério do outro encontrar abrigo em nosso coração.

O cuidado se encontra na raiz primeira do ser humano, é um “modo-de-ser essencial” de cada pessoa.

É uma dimensão fontal, originária, primeira, impossível de ser totalmente esvaziada.

Por isso, para além do “ter cuidado”, “somos cuidado”; é da nossa essência, ou seja, no cuidado vamos construindo nosso próprio ser, nossa autocons-ciência e nossa própria identidade.

Textos bíblicos:

Is 49,8-26; Os 11; Mt 6,25-34; Mt 5,43-48

Na oração:  

Quem já foi afetado por um olhar de uma pessoa pobre ou sofredora, e deixou que este olhar penetrasse no fundo do seu coração, sabe que não sai “ileso” desta experiência; algo mudou dentro de si: a ternura é despertada e o cuidado é mobilizado.

O modo-de-ser-ternura e cuidado de São José se prolonga em nós, no encontro com as pessoas.

- Pedir a graça de sentir a ternura, o carinho, a proteção das mãos benditas e providentes de São José.

Alargar o coração, para que aí a ternura de Deus possa fazer morada.

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