Texto 4 da série elaborada pelo pe. Adroaldo Palaoro, sj sobre a vida e missão de São José que poderá ser usada como subsídio para melhor viver o ano de São José (2021) decretado pelo Papa Francisco na Carta Apostólica "Patris Corde".
“O acolhimento de José convida-nos a receber os outros, sem exclusões,
tal como são, reservando uma predileção especial pelos mais frágeis, porque
Deus escolhe o que é frágil (1 Cor 1,
27), é «pai dos órfãos e defensor das viúvas» (Sal 68, 6) e manda amar o forasteiro. Posso imaginar
ter sido do procedimento de José que Jesus tirou inspiração para a parábola do
filho pródigo e do pai misericordioso (Lc 15,
11-32). (Papa Francisco – “Patris Corde”)
Se existe uma atitude de vida que pede o resgate de sua profundidade e
seu poder evocativo original é a da acolhida. É um dos termos bíblicos
mais ricos, que nos ajuda a aprofundar e aumentar a compreensão sobre a relação
com nossos semelhantes. Por isso, buscamos inspiração no modo original e
criativo de ser presença acolhedora na pessoa de São José.
Na parábola
citada pelo Papa Francisco, fica claro que o conceito de acolhida implica necessariamente a atitude de “ter coração”,
expresso nos gestos de escuta, paciência, dom e paz. Portanto, um modelo de
espiritualidade que se converte numa disposição interior para perceber, a
partir de dentro, as angústias das pessoas. O sentimento que inspira e ilumina
a acolhida é o da compaixão, pois não
se trata de “dar coisas” mas deixar-se “afetar cordialmente” pela
situação do outro.
Tudo isto
vem a dizer a todos nós que não é suficiente encontrar com os outros só para um
serviço útil e parcial, mas é preciso investir a nossa própria vida na
proximidade viva, no compromisso solidário, em colocar-nos à disposição para
ajudá-los a ser o que verdadeiramente são, o único caminho para a humanização.
Trata-se, pois, de nos perguntar o
que significa hoje ser e trabalhar no Reino, partindo do fato de que no coração
do seguimento de Jesus não há – e não pode haver – só um serviço, mas um encontro, rico em assombro e
fascinação.
O contexto social pós-moderno nos coloca numa situação que acaba atrofiando este impulso tão humano da acolhida; aqui podemos indicar algumas características próprias de nosso tempo que complicam de modo peculiar a vivência desta virtude: as dificuldades que o ser humano atual tem para abrir-se e escutar uma voz diferente da própria, bem como uma disfarçada resistência para acolher a grandeza do mistério do outro que vem ao seu encontro; há um medo generalizado do outro, do diferente... e as casas se tornaram verdadeiras fortalezas, cercadas de parafernália eletrônica de segurança.
No entanto, a virtude da acolhida é um modo de proceder
característico do seguidor de Jesus: “quem acolhe a um destes pequeninos é a
mim que acolhe”; implica a capacidade de abertura e acolhida
daquele que vem de “fora”, o estranho, o diferente...
A acolhida é uma das múltiplas manifestações da capacidade
de amar. O amor verdadeiro se
exprime, sobretudo, através de uma relação em que o outro é acolhido como próximo.
A acolhida
se apresenta como um valor humano e espiritualmente vital, conectado, ao mesmo
tempo, com a vulnerabilidade de cada um que sempre requer ser acolhido e aceito,
que sempre precisa encontrar espaços humanizadores de convivência e comunhão.
Essa relação de acolhida
supõe abrir-nos de verdade à realidade do outro, sem reduzi-lo às nossas projeções,
nem submetê-lo às nossas categorias mentais, sem anular seu mistério e contando
com o imprevisível, com o inesperado, com o radicalmente novo; em definitiva,
com o que supera o plano das nossas expectativas. Receber
as pessoas com atenção, escutá-la, pode ser uma ocasião para receber a única
coisa verdadeiramente necessária. A acolhida implica uma integração entre escuta
e serviço.
Por
isso os pobres são especialistas em hospitalidade e acolhida.
Como homem e como mulher trazemos esta força interior que
nos faz “sair de nós mesmos” e criar
laços, construir fraternidade, acolher o diferente, fortalecer a
comunhão. O olhar do outro é o fato originante da fraternidade. No encontro com o outro
temos uma oportunidade única de encontrar-nos a nós mesmos.
O ser humano está comprometido com os outros; por
sua própria natureza, ele se torna pessoa humana somente em interação
com os outros; ele possui impulsos naturais que o levam em direção ao
convívio, à cooperação, à comunhão...; ele é reserva de humanidade e
compromete-se com a dignidade humana.
Cada pessoa está sempre em contato com o “outro”. E
o outro é pessoa. O outro revela certa magia, ao mesmo tempo
sedutor e enigmático. O outro é plural, apresenta múltiplos rostos; é
diferente, inédito...
Num mundo em que a competência se degenera em competitividade sem limites, e em que o individualismo e a falta de solidariedade criam novas fronteiras e exclusões, é preciso recuperar o discurso e a prática do “ser-para-os-outros”, o saber e o agir como serviço, a solidariedade, a compaixão, a partilha, o perdão, a gratuidade, a acolhida, o dom de si mesmo, o amor...
A experiência
de viver permanentemente sob o olhar compassivo de Deus permite descobrir que “o
ser-com” e “o ser-para” é a autêntica condição humana que
se desloca em direção ao outro, na arte de deixar e abrir lugar
ao excluído, ao estranho, ao “sobrante”...
A acolhida implica também
iniciativa de sair do próprio “lugar” e mergulhar no lugar do outro.
Essa “travessia”
não é apenas geográfica; trata-se de uma experiência que requer a atitude de
abrir-se ao outro como diferente; e isso implica em “passar” para
o seu lugar, aprender a ver o mundo a partir de sua perspectiva, deixar-se
questionar e desinstalar-se pelo outro, despojado da condição de pessoa.
A acolhida alimenta coragem de
romper as fronteiras do preconceito, da indiferença e da
intolerância; ela impede que as fronteiras se transformem em frias barreiras,
ou seja, distância e negação do outro.
Esta capacidade humana de encontrar o
outro, entrar na vida do outro e deixar que a própria vida seja questionada
pela presença do outro é a qualidade maior daqueles que alargam sua acolhida
e não se deixam dominar pelo medo e pela suspeita.
A acolhida
também nos leva a reconhecer no outro (sobretudo o outro que é excluído,
marginalizado...) uma dignidade e uma capacidade criativa de superar sua
situação; ela gera protagonismo e nunca dependência; compartilha sem humilhar;
cria humanidade em seu entorno, com generosidade, humildade e silêncio; supera
todo exibicionismo, sentimentalismo ou instrumentalização do outro.
A diaconia (serviço) da acolhida é um movimento que vem de dentro
da pessoa e se estende no vaivém das relações humanas mais distantes e mais
próximas. É abertura e disponibilidade àquele que
interpela as suas convicções, seu modo rotineiro e estreito de viver.
Só quem tem coração dilatado vive a acolhida como surpresa provocativa.
A acolhida é
antes de mais nada uma disposição da alma, aberta e irrestrita. Acolher o outro
significa multiplicar a alegria do encontro, da novidade e da partilha...
enfim, da vida.
A acolhida vivida por São José nos revela que Deus nos convoca a “fazer estrada” com Ele,
a viver um êxodo permanente, gerando-nos continuamen-te para a responsabilidade
como pura gratuidade e generosidade.
O “modo de proceder” de S. José nos faz
compreender a acolhida como hábito do coração; não é um evento, um ato
isolado; ela fermenta, dá calor e sentido ao nosso cotidiano e se encarna nos
pequenos gestos de inclusão. Importa “re-inventar” com urgência a
acolhida como valor ético e como atitude permanente de vida.
Textos bíblicos: Mt 1,18-25; Gen 18,1-15; Lc 15,11-32; Mc 9,33-37; Lc 10,25-42; Jo 12,1-11
Na oração:
Continuamente nos
deparamos com um Deus que chega gratuito e imprevisível em nossa vida, suplicando
acolhida. Quando Ele é acolhido, nossa cotidianidade se converte em milagre.
- Na relação com os outros, quê
lugar ocupa a acolhida em sua espiritualidade e em seu ministério
cotidiano?
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