Texto 6 da série elaborada pelo pe. Adroaldo Palaoro, sj sobre a vida e missão de São José que poderá ser usada como subsídio para melhor viver o ano de São José (2021) decretado pelo Papa Francisco na Carta Apostólica "Patris Corde".
“Todos podem encontrar em São José – o homem que passa despercebido, o
homem da presença quotidiana discreta e escondida – um intercessor, um amparo e
uma guia nos momentos de dificuldade. São José lembra-nos que todos aqueles que
estão, aparentemente, escondidos ou em segundo plano, têm um protagonismo sem
paralelo na história da salvação. A todos eles, dirijo uma palavra de
reconhecimento e gratidão” (Papa Francisco – Patris Corde)
Quando
falamos da figura de São José,
muitas vezes nos limitamos a afirmar que temos pouquíssimo dados sobre ele nos
evangelhos. Mas, sob outra perspectiva, podemos afirmar que temos muitíssimos
dados sobre José, todos revelados pelo seu próprio filho, Jesus de Nazaré. Na
realidade, quem modelou a natureza humana de Jesus, foi José, da casa de Davi.
Na verdade,
lendo o Evangelho como um todo podemos encontrar, com facilidade, uma descrição
muito aproximada de quem era José. Quem, senão José, poderia ensinar a Jesus
tudo o que conhecia sobre o campo, as colheitas, o tempo, as aves e o mundo que
os rodeava? Quem, senão José, poderia ensinar Jesus a tratar as pessoas, a
servir o seu próximo, a olhar, a falar, a sorrir...?
Em cada gesto de Jesus, revelava-se
um ensinamento do Pai e de seu pai José; em cada parábola havia uma expressão
da natureza e da terra com o selo de José, e uma mensagem espiritual inspirada
a partir do alto. Em cada cura que Jesus realizava havia um modo e uma
sensibilidade de tratar o enfermo, o desvalido, herdados da tradição mantida
por José; e à hora de orar havia um hábito criado na casa de seu pai, fiel
cumpridor da lei mosaica e aberto à novidade e ao mistério que seu filho Jesus
deixava transparecer.
Podemos dizer que o aparente vazio da paternidade legal de José revela, na verdade, plenitude e grandeza.
Foi na escola cotidiana da família de Nazaré, que
Jesus foi se humanizando: “Ele crescia em sabedoria, em
estatura e em graça, diante de Deus e diante dos homens” (Lc 2,52)
Nazaré é, em certo sentido, a apologética
do cotidiano, das horas, dos meses, dos anos escondidos, da vida tranquila,
provinciana, não-escrita, de uma família simples e iluminada.
Essa atenção à simplicidade
do cotidiano, à natureza da Galileia, à mensagem que Deus esconde nos corações
das pessoas, nas coisas, nas horas…, é uma constante na vida e na família de
José. Nazaré é o sinal da epifania
de Deus nas pequenas coisas, é o sinal da palavra divina escondida nas vestes
humildes da vida simples e familiar, é o sinal da presença graciosa de Deus em
todas as casas.
Custa-nos muito descobrir a “espiritualidade
da vida cotidiana”, a vida de cada dia nos parece sem sentido, sem
muito destaque e sem muitos fatos extraordinários; temos ainda muito que aprender
da vida cotidiana do artesão de Nazaré.
Precisamente
a vida cotidiana é o lugar privilegiado para descobrir Deus (“por onde
passa meu Senhor?”), sentir o sabor da Sua presença que permanece. Os lugares
cotidianos são “lugares sagrados” de encontro com o Senhor da
Vida.
Encontrar
a Deus no cotidiano significa que é preciso viver em um contexto vital no qual
cada um se sinta estimulado a tomar decisões, a assumir responsabilidades,
grandes e pequenas, a cuidar pessoalmente dos processos concretos da vida de
cada dia.
É vital descobrir se nossa vida cotidiana é egocêntrica ou excêntrica, se tem a marca da “cultura do encontro” ou da “cultura da indiferença”, se a missão de nossa vida nos projeta para o compromisso com o outro, se temos paixão pelo Evangelho encarnado nos ambientes onde nos fazemos presentes cotidianamente.
O ritmo da sociedade atual e,
sobretudo, o culto à novidade, ao efêmero, ao superficial, ao consumismo, pede
de nós recuperar a dimensão de profundidade em nossa vida cotidiana.
Estamos mergulhados numa cultura onde,
normalmente, o cotidiano é
rotineiro, convencional, repetitivo, e, não raro, carregado de desencanto.
Fechado em si mesmo o cotidiano
torna-se pesado, desinteressado e frustrado. Geralmente não nos damos conta de
que estamos envolvidos pelo cotidiano.
Na maioria das vezes,
o cotidiano resume-se num fazer tão “normal”
que, por causa dele, fazemos coisas que não faríamos se pudéssemos tomar
distância e refletir a respeito do que estamos fazendo. Vivemos uma quantidade
de experiências
rápidas, amontoadas, sem possibilidade de avaliação... e vamos perdendo, pouco
a pouco, a história pessoal e
comunitária.
A
existência inteira faz-se maquinal e
rotineira: é a soma das horas, dos
dias, dos anos...
Na vida cotidiana, as pessoas correm o risco de serem apenas imitadoras ou repetidoras, pois temem se perderem na busca do novo; as respostas são confirmadas, mesmo que estas estejam velhas e desfocadas e as perguntas são silenciadas. A maioria das pessoas vive restrita ao cotidiano com o anonimato que ele envolve.
No entanto, as grandes histórias são tecidas na trama do
cotidiano; os “tempos” de Deus não são os da eficácia, da produção, do ritmo
estressante... Também são os tempos do silêncio, da rotina inspirada e da
aprendizagem silenciosa. Todo crescimento pessoal demanda previamente tempo,
ritmo, reconhecimento e aceitação da própria verdade, sólidos fundamentos sobre
os quais podemos construir nossa pessoa.
É a “mística”
que nos desperta da letargia do cotidiano.
E despertos, descobriremos que o cotidiano
guarda segredos, novidades, energias ocultas, forças
criativas... que
sempre podem sempre conferir novo sentido e brilho
à vida. O Reino também se revela no
pequeno, no anônimo, no despojamento.
É o cotidiano que nos prepara para as grandes decisões. É a fidelidade ao cotidiano que possibilita a transformação da realidade; é o cotidiano que abre espaço à ação do Espírito para que Ele nos expanda, nos alargue e nos impulsione em direção a uma nova vida.
A realidade cotidiana da nossa
Nazaré é o lugar onde somos chamados
a viver a espiritualidade cristã e a
deixar-nos conduzir pelo mesmo Espírito que animou a família de Nazaré e a
levou a inserir-se na trama humana e a assumir o risco da história. Inspirados
na pessoa de São José, inseridos no mundo, em meio às agitações cotidianas, somos
chamados a prolongar em nós os atributos josefinos: escuta, silêncio, trabalho,
cuidado, acolhida, sensibilidade, bondade, vivência da fé, paternidade,
sintonia com o Deus Providente...
A espiritualidade
cristã é a espiritualidade do cotidiano, que conserva sua força
transformadora, que é capaz de despertar o espanto e a admiração, apontando
sempre para um horizonte mais amplo e mais rico;
é a espiritualidade
que reacende desejos e sonhos novos, que suscita energias em
direção ao mais; é a espiritualidade que faz descobrir,
escondida no cotidiano, uma Presença
absoluta que nos envolve; é a espiritualidade
que faz saborear o eterno e o Absoluto no ritmo doméstico e cotidiano
da vida...; é a espiritualidade que
projeta a vida a cada instante.
Textos bíblicos: Lc 2,41-52; Ex 3,1-10; Lc 10,38-42
Na oração:
A vida cotidiana exige não apenas
fidelidade, mas também amor, gratuidade. É o lugar que
inspira a viver encontros com a
marca da surpresa, da acolhida do diferente, do respeito ao outro...
- Como é
o seu cotidiano? rotina e repetição
ou desafio e criação? Espaço de encontros inspiradores ou alimentador da
indiferença? Nele há lugar para a esperança e o novo?
- Suas atividades diárias formam parte do seu
caminho para Deus? Você tem consciência que cada dia é um “tempo de graça”? Você “apalpa”
a presença de Deus nas “rotinas diárias”?
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