Texto do Pe. Adroaldo Palaoro, sj (Centro de Espiritualidade Inaciana), como sugestão para rezar o Evangelho da Epifania do Senhor.
“Nós vimos a sua estrela no Oriente e viemos adorá-lo” (Mt 2,2)
A festa da Epifania
é a mais antiga que se conhece. Era a única festa de Natal celebrada em toda a
Igreja, até que no Ocidente passou a ser celebrada no dia 25 de dezembro. A
palavra “epifania” significa, em grego, “manifestação”, referindo-se sobretudo
à primeira claridade da manhã, antes do nascer do sol. Depois passou a
significar a “manifestação” de Deus a todos os povos, pois Ele inunda com sua
Luz todos os recantos escuros de nossa existência.
Mais uma vez a Epifania grita para
que nos levantemos e, iluminados pela Luz do Nascimento de Jesus, sejamos
espelhos que refletem essa mesma Luz, iluminando toda a realidade envolta em
trevas.
Tanto no nível pessoal como comunitário, sejamos luz do mundo, e não nos cansemos de proclamar a todos que nosso Deus se manifesta nas coisas simples e palpáveis, próximas: como um menino que nasce, ou como uma expressão infantil de assombro e surpresa frente ao diferente, ou como cada um dos gestos que podemos e devemos fazer para abrir espaço ao Deus da Vida e àqueles que, como novos “magos”, vêm ao nosso encontro...
A celebração da Epifania nos lança para além dos estreitos limites de qualquer
instituição religiosa, de todo dogmatismo, fanatismo e intolerância... Deus se
manifesta sempre a todos os povos e em todas as épocas. Todos os homens e
mulheres estão sob a mesma mão providente de Deus. No momento em que nos
sentimos privilegiados por Deus, fazemos a mensagem desta festa virar pó. Todos
recebemos tudo de Deus e todos temos a obrigação de aprender e ensinar uns aos
outros; todos temos a nobre missão de acender uma luz, em lugar de maldizer as
trevas; todos temos uma estrela a nos guiar até à fonte da verdadeira Luz.
Aqui não se trata de buscar, no
relato da Epifania, um fundo histórico, no sentido moderno da palavra. O
importante não é o que está por “detrás” da narração, mas o que nela se
manifesta, a saber: os sábios do oriente representam a humanidade em busca
de paz, verdade e justiça; representam a aspiração profunda do espírito humano,
a marcha das religiões, da ciência e da razão humana ao encontro de Cristo.
O caminho dos magos que buscam o
Menino Jesus é o caminho de todos os homens e mulheres, de todas as raças e
religiões... O Jesus de Belém está sempre disposto a receber o ouro
da cultura dos povos, o incenso de todas as expressões religiosas,
a mirra
de todas as dores.
Os Magos
do Oriente são o símbolo de tantos homens e mulheres que, em qualquer parte do
mundo, a partir de outras sendas e tradições espirituais, se perguntam, buscam
e caminham.
Uma
lenda os apresenta como um rei jovem, outro ancião e outro negro, querendo
significar que a humanidade toda é mobilizada a “fazer-se caminho”.
Nesse percurso, os Magos escutam outras palavras e sinais, aprendem a filtrar aquilo que “ajuda para o fim” e a não seguir qualquer conselho. Herodes e os escribas estarão sempre presentes e ameaçam reaparecer antes, durante e depois do encontro com o Menino. E toda viagem que culmina na manjedoura, é ponto de partida para novos caminhos.
O ícone bíblico do relato dos Magos ilustra o risco do fechamento em nós mesmos, de enredar-nos
nas armadilhas da nossa própria inteligência, ou de petrificar-nos em nossas
sacralidades doutrinárias e legais. Isso se manifesta como rigidez para a
mudança, a intensa necessidade de manter a própria imagem, a resistência em
aceitar coisas novas que rompam nosso frágil equilíbrio ou os limites da nossa vontade...
A experiência da Epifania
supõe uma capacidade de encontro e de escuta de Alguém que chama, uma atenção
especial para distinguir vozes diferentes da própria voz, uma sensibilidade
para escutar os gritos de nosso mundo e para receber a palavra da comunidade
cristã.
O Deus, escondido na fragilidade humana, não é encontrado naqueles que vivem encastelados em seu poder ou fechados em sua segurança religiosa. Ele se revela àqueles que, guiados por pequenas luzes, buscam incansavelmente uma esperança para o ser humano, na ternura e na pobreza da vida.
A viagem dos Magos se torna, assim, o símbolo da vida cristã, entendida como seguimento, como discipulado, como busca. A viagem exige desapego, coragem, movimento, esperança. Quem está prêso à terra pelo peso das coisas, pelos apegos, pelos egoísmos, não é capaz de se tornar peregrino. Não pode peregrinar aquele que não se dispõe sinceramente a ultrapassar as fronteiras e os esquemas pré-concebidos que muitas vezes lhe fecham e lhe dão segurança. Isto não o deixa livre para encontrar o Deus da Vida que se manifesta.
Quem está convencido de possuir tudo, inclusive o monopólio da verdade, não tem a gana da busca contínua; é semelhante aos sacerdotes de Jerusalém, frios exegetas de uma Palavra que não os atrai nem converte. Quem está bem instalado na cidade não precisa ir a Belém; ao contrário, Belém se reduz a um insignificante vilarejo de província. Quando aprende a aceitar e amar a sua própria viagem, novamente a estrela surgirá à sua frente, indicando o sentido de sua existência e mantendo acesa a chama da busca inspiradora.
Os “magos” somos todos. Esta é a festa
do Deus que atrai a todos em seu amor. Quando parece que tudo está
definitivamente fechado vem os Magos para abrir as portas da vida. Quando
parece que o céu está escuro, brilha uma estrela para aqueles que querem
continuar caminhando.
O Menino Jesus, Messias de Deus, não está fechado
no templo e na estrutura religiosa, mas é coração aberto em Belém para todos os
que dele se aproximam. Não é rei que impõe seu direito, mas criança
necessitada, nos braços de sua mãe. Não é sacerdote que controla a sacralidade
divina a partir do tabernáculo do tempo, mas menino ameaçado que se faz
imigrante, assumindo assim a história de todos os excluídos.
Nós somos “magos” para
anunciar a todos que há estrelas que apontam para a Gruta onde um Menino é
acolhido, na rota da vida, que continua sempre aberta. Devemos mobilizar a
todos para criar um mundo onde nenhum menino-Deus morra abandonado.
Somos “magos” quando experimentamos e anunciamos
que a vida é um dom, que o ouro do
mundo é um presente para todos os homens e mulheres, que os bens da terra estão
a serviço da vida, que toda riqueza é para ser compartilhada para o bem de
todos.
Somos “magos” quando temos de dizer a todos, com
nosso exemplo, que a vida é prazer e glória, é incenso de admiração e de
ternura, de intimidade orante e de proximidade. É preciso proclamar que não
buscamos a glória do poder, a vitória da imposição, o incenso da mentira, mas
buscamos e compartilhamos o incenso
do amor que pode ser celebrado na intimidade da família, nas relações pessoais
e sociais, no compromisso solidário. Diremos que sempre haverá um perfume ao
nosso lado, ao lado de todos os homens e mulheres que poderão festejar,
sonhar...
Somos “magos” quando revelamos que a vida é
feita também de mirra. Somos todos
“mirróforos(as)”, portadores do perfume, para levar o agradável odor em meio
aos ambientes fétidos de ódio, intolerância e violência. A mirra é o perfume de
amor, mas também é o bálsamo da morte. A mirra é como uma flor preciosa que
pode nos acompanhar na vida, no crescimento de cada dia, na comunhão com os
outros, na tristeza e na esperança de cada despedida.
Que cada morte seja tempo de amor,
esperança de amor e não fruto da violência.
Enfim, a Epifania nos destrava e nos coloca a caminho, seguindo as “pegadas” dos Magos, fazendo opções, usando desvios, lançando-nos pessoalmente a ações concretas..., movidos pela experiência de encontro com a Vida, no despojamento de uma Gruta.
Texto bíblico: Mt 2,1-12
Na oração:
Às
vezes tenho de me deter na vida, como os magos, para pensar e sempre me
perguntar: onde estou? Em quê momento da vida me encontro? A quê estrela sigo?
Meu caminho tem coração?... É a arte do discernimento.
A Graça também me precede, me acompanha sempre e libera meus melhores recursos e minha inteligência para abrir-me ao novo, a abertura que permite reconhecer o “Mistério” e deixar-me inspirar por Ele.