“...e viu que a pedra tinha sido
tirada do túmulo”
(Jo 20,1)
A
escuridão da madrugada desaparece e desponta a Luz que dá início à nova Criação e à nova história.
Depois do silêncio,
renasce a Palavra. Parecia o fim e, no entanto, aquele silêncio era o mesmo que
precedeu à Palavra criadora: “Faça-se a luz”! O silêncio de Deus é
fecundo. É no tempo silencioso que a semente se torna fruto e o ser humano se
torna pessoa. O silêncio permite transformar a morte em vida. Aquele túmulo,
afinal, era uma fonte pujante de vida e de alegria. Aquele lugar, aparentemente
escuro e vazio, veria uma luz que o mundo inteiro não pode conter. Por isso,
para nós, as experiências do silêncio de Deus serão sempre um convite à fé e à esperança.
Não há razão para o medo e a
tristeza, pois o silêncio esconde a vida e a consolação de Deus.
Arrancados do silêncio dos nossos
túmulos, também nós podemos gritar como Maria Madalena no primeiro dia de
Páscoa: “Vi o Senhor”!
Este grito, que nos enche de esperança,
rasgará todo o silêncio e ecoará por toda a eternidade.
A pedra que fora removida do túmulo de
Jesus revelou a Madalena uma novidade que seu coração buscava, uma novidade que
espanta, enche o interior do desejo de procura: “Ele vive”.
O caminho de Madalena em direção ao túmulo é
símbolo da coragem de atravessar o escuro da madrugada para ver resplandecer
uma nova aurora em sua vida, pela força criadora da única Presença que tudo
sustenta, tudo recria e enche de amor: a presença do Cristo Ressuscitado.
Ressurreição: experiência de afastamento das
pedras que travam o fluir da vida.
“Nossa vida
está escondida com Cristo em Deus”.
Essa vida quer se expandir. Vida que vem de Deus, vivida em Deus e que
desemboca, como um rio, no Grande Oceano da Vida.
A experiência da Ressurreição
permite transformar todas as pedras da entrada do túmulo em pedra
fundamento, sobre a qual construir nossa vida. A ressurreição tudo
integra, tudo pacifica, mesmo as pedras que bloqueavam a vida.
A ressurreição nos faz sair da
estreiteza da vida e renascer para coisas maiores, do alto.
“Há um risco
de acostumarmos e conviver com os sepulcros” (Papa Francisco).
Sepulcro é passagem: é como ventre
materno. Há um tempo para germinar, potencializar a vida.
Podemos dizer que a Ressurreição é a “pedra
angular” da nossa vida de fé. Pedra sobre a qual a fé pode se
construir, base sólida que fundamenta a nossa vida.
Diferença entre a Pedra angular e a pedra
rolada na entrada do túmulo (que impede o fluir da vida): pedra na entrada
no túmulo é sinal de morte, pois se fixa no passado; pedra angular é sinal de vida,
base sobre a qual se constrói um futuro inspirador.
Há muitas pedras na entrada do nosso coração,
travando a vida (tristeza, fracasso, crise, trauma...); só a experiência de
encontro com o Ressuscitado pode rolar estas pedras, integrando-as e dando um
novo significado. A experiência de Ressurreição permite transformar a pedra da
entrada do túmulo em Pedra angular.
No evangelho de hoje, a experiência dos três
personagens (nossos espelhos), revelam pedras na entrada de seus
corações. Madalena, vai ao sepulcro
sozinha, de madrugada, busca um corpo, carrega uma pesada pedra de tristeza,
fracasso e dor pela perda do amigo. Encontra a pedra do sepulcro removida e
fica assombrada diante deste fato. A pedra do seu coração também começa a ser
removida (vai culminar no encontro com Jesus); ela entra em outro movimento:
sai de sua solidão e vai avisar os outros discípulos, embora não tenha clareza
do que está ocorrendo.
Sua vida foi uma longa noite até
que o encontro com Jesus a libertou e lhe abriu um novo horizonte, restituindo-a
em sua dignidade de filha de Deus e potenciando-a para iniciar uma nova vida e
formar parte do grupo dos mais achegados a Jesus. Madalena, a “apóstola dos
apóstolos”, é uma de nossas grandes mestras na noite e na crise que supõe a
passagem pelo Sábado santo.
Pedro e João também carregam a pedra do medo (estavam trancados em casa,
como se fosse sua sepultura). Com o aviso de Madalena, começa um movimento
interior neles: saem do esconderijo correndo e vão ao encontro do túmulo.
João, talvez com uma pedra menor, corre
mais veloz. Foi o único apóstolo fiel até o fim.
Pedro, que carrega pedra até no nome,
permanece na dúvida.
João corre e chega primeiro; não
entra de imediato no túmulo: precisa de tempo para processar a novidade
da pedra removida. Ele é mais
místico e se deixa impactar pela surpresa que encontra. Por isso, quando
entra no túmulo, mergulha no
mistério: viu e acreditou. Bastou alguns sinais (faixas de linho no chão e
sudário enrolado), mas foi o suficiente para compreender o que estava
acontecendo. Se não houvesse encontro com o Ressuscitado, para ele bastariam os
sinais.
Pedro, primário na sua reação,
entra abruptamente no túmulo: vê os mesmos sinais, mas ainda permanece na
dúvida. Mas ambos, Pedro e João, sentem que as pedras interiores começam a ser
afastadas.
“A pedra tinha sido removida”: debaixo de cada pedra
que parece amassar-nos, há vida que quer ressuscitar. À luz da ressurreição não
há pedra que seja capaz de sufocar o impulso vital.
O sepulcro vazio é um convite a saber olhar com o
coração para descobrir, nas faixas e sudários de nossa vida, a presença do
Ressuscitado. Só o amor nos capacita para um olhar contemplativo; por isso, o
amor corre mais depressa que a autoridade. Para quem tem olhar contemplativo,
as faixas já representam um grande sinal: apontam para uma vida destravada e
plena.
“Viver
como ressuscitados”
é a marca que identifica os(as) seguidores(as) de Jesus.
Estar atentos às faixas e sudários de nosso
cotidiano: elas apontam para a vida.
Texto bíblico: Jo
20,1-9
Na
oração:
Vamos,
no dia de hoje, acompanhar Maria Madalena em seu itinerário da morte à vida,
vamos fazer o caminho com ela da nostalgia à fé, do luto à esperança, do vazio
à comunidade, do silêncio ao anúncio.
Vamos
assumir como nossas as suas perdas, seu pranto e seu desconsolo, e identificar
neles também nossas perdas e as de nosso mundo.
Vamos
pedir ao Deus de todo consolo que, com sua ternura e cuidado, regue as sementes
de nossas perdas, nossas frustrações, nossos ceticismos, nossas expectativas
fracassadas, para que engendrem vida nova e não amargura e nem desespero.
Acompanhando
Maria Madalena em seu percurso de luto, façamos memória dos nossos lutos e os
de nosso povo e peçamos a Deus para sermos consolados, e assim poder ser
testemunhas da consolação em meio a tantos fracassos históricos, como estão
acontecendo em nosso mundo e em nossos ambientes cotidianos.
-
“Olhar
o ofício de consolar que Cristo nosso Senhor exerce...” (S. Inácio de Loyola)
Nenhum comentário:
Postar um comentário