“E levaram o
jumentinho a Jesus” (Lc 19,35)
Celebramos
hoje o chamado “Domingo de Ramos”, a
entrada triunfal de Jesus em Jerusalém. Nada de mobilizações, nada de comissão
de preparação da festa; não
teve um mestre de cerimônias para que tudo acontecesse dentro das normas
estabelecidas; não pediu que a polícia lhe acompanhasse, nem guarda-costas para
sua segurança pessoal. Jesus nunca buscou as grandes manifestações populares. A improvisação contou com a espontaneidade do povo
simples e, como tal, nada de grandes solenidades, de aparato espetacular. Para
Jesus, bastava-lhe um jumentinho. O resto ficou a cargo da iniciativa da
multidão que se uniu a Ele, enfeitando o caminho e entoando hinos messiânicos.
Todos
sabemos que as “mudanças profundas e duradouras” na sociedade não vem de cima,
mas de baixo, a partir da solidariedade e da identificação de vida com os
últimos deste mundo. Ali, nas periferias e nas margens, há uma esperança
latente e alentadora daqueles que se empenham por imprimir um movimento
novo à história; é nele que está a semente de uma vida diferente, criativa e
mais promissora.
E
Jesus foi o ponto de partida de uma ousada mudança na história da
humanidade.
Os evangelistas sinóticos relatam a vida pública de
Jesus como uma subida das “periferias” até a capital política e religiosa. E
Jesus “entra” em Jerusalém, montado num jumentinho e aclamado por
seus seguidores. Escolhe um jumentinho como símbolo de um messianismo de paz e
simplicidade. Nada, portanto, de uma manifestação espetacular; Ele rompe com a
imagem de um triunfador e despoja-se de todo indício de poder. Jesus, presença
de vida nos povoados, vilas e campos, quer levar vida a uma cidade que
carregava forças de morte em seu interior. Ele quer pôr o coração de Deus no coração da grande cidade; deseja recriar, no
coração da capital, o ícone da nova Jerusalém, a cidade cheia de humanidade e comunhão, o lugar da justiça
e fraternidade...
Mantos
colocados como tapetes pelo solo, ramos de oliveira e palmas e tudo o que saía
de dentro das pessoas: o canto, o grito de louvor, as vivas, os aplausos. O
povo simples faz as coisas de maneira simples, mas que se tornam simpáticas,
festivas. Além disso, Jesus não precisava mais que isso.
Jesus não quis entrar em Jerusalém como
os conquistadores militares, mas como o homem simples, como o Salvador simples.
Porque, para Jesus era uma entrada que queria ser como uma nova oferta de
salvação à cidade de Jerusalém, e a salvação não é oferecida com títulos de
grandeza; isso sim, ela é oferecida com cantos, danças, alegria. Jesus quer que
todos descubram a novidade do Evangelho com vibração e com sentido festivo; quando
Ele nos oferece o dom salvação, faz com alegria e é também com alegria que
somos chamados a acolhê-lo.
Como
mensageiro de paz, chegou Jesus a Jerusalém montado num jumentinho.
Não precisava de soldados e nem de instituições de violência para se defender.
Sem armas de guerra, sem um possante cavalo, sem poderes e nem ambições..., mas
montado num jumentinho de paz; um jumentinho emprestado e novo, não domado,
pois Jesus não possuía nem um jumentinho.
O
texto de Lucas supõe que Jesus tinha conhecidos naquela região, à entrada da
aldeia (Betfagé). O jumentinho não era seu, mas contava com amigos que o
emprestaram.
Este jumentinho é símbolo da vida campesina e
pacífica, animal do pobre; é conhecida sua resistência na lida do cotidiano do
campo: carrega peso, lavra a terra, suporta longas viagens... Não é animal para
a guerra e nem para alimentar a vaidade daqueles que querem demonstrar seu
poder diante dos outros. Jesus se serve de um jumentinho para dizer que não
quer se impor pelas armas e pela força; seu senhorio é diferente, retomando as
tradições campesinas de seu povo.
Como o jumentinho não tem arreio, nem apetrechos (é um
jumentinho novo, nunca montado), os discípulos estendem seus próprios mantos na
garupa, para que assim Jesus pudesse montar com dignidade e, sobre sua garupa,
pudesse entrar na cidade, descendo pelo Monte das Oliveiras.
Jesus chegou a Jerusalém de maneira pacífica, mas
muito provocadora, pois instaurar o Reino como Ele propunha implicava um
desafio para o sistema imperial de Roma e para a política sacerdotal do templo.
Que
Jesus era uma pessoa desconcertante, não resta dúvida.
Continuamente Ele assumia atitudes que desconcertavam a todos, ou realizava
alguns gestos que causavam assombro...
Sempre
evitou grandes manifestações que poderiam se prestar a enganos e equívocos em
torno à sua pessoa. Quando quiseram fazê-lo rei, escapou e se refugiou na
montanha. Como é que agora, o primeiro dia de sua última semana, lhe ocorre
armar um rebuliço?
Como profeta, Jesus toma consciência que agora já não
é mais o momento dos discursos, mas dos gestos; já não é o momento das
palavras, mas dos fatos; já não é o momento de esconder-se, mas de mostrar a
cara; já não é o momento das prudências, mas dos riscos; já não é o momento de
ocultar sua messianidade, mas de proclamá-la.
A
Igreja também necessita de gestos, mas de gestos evangélicos. Muito mais que grandes
discursos, a Igreja necessita de gestos simples que o povo entenda, viva e
sinta.
Temos
demasiados “exibicionismos clericais” que tem pouco a ver com a simplicidade de
Jesus; temos grandes solenidades, que possivelmente são bem-intencionadas, mas
que expressam pouco da simplicidade e da pobreza de Jesus.
Com frequência confundimos nossa vitalidade cristã com
as grandes massas em torno às grandes figuras da Igreja. Medimos nossa fé pelas
estatísticas daqueles que assistem a essas grandes manifestações. E logo, todos
somos conscientes de que tudo continua igual, que as grandes massas não vão
mudar depois dos grandes aplausos e vivas.
Jesus mesmo viveu essa experiência. Essa mesma
multidão que hoje o acompanha, dentro de uns dias pedirá que o crucifiquem. Os entusiasmos massivos têm muito pouco de
personalização da fé. É mais o sentimentalismo do momento que uma experiência
profunda do Evangelho.
Jesus não
fundou uma Igreja de grandes massas. Pelo contrário, falou de uma Igreja “pequeno
rebanho”, “sal e fermento”, esvaziada de vaidades e carregada de simplicidade.
Não estamos insistindo
em demasia no prestígio da Igreja?
Não estamos por demais preocupados com uma Igreja que brilha, em vez de uma
Igreja simples, pobre e despojada? Não temos na Igreja “carros possantes” em
excesso e pouquíssimos jumentinhos?
Texto
bíblico: Lc
19,28-40
Na
oração:
Nosso
zêlo e amor pelo Evangelho e pela semente do Reino que nele está contida, deve favorecer o advento de uma “Nova
Jerusalém”; é preciso cuidar o coração, esvaziá-lo, limpá-lo, aquecê-lo,
transformá-lo em humilde receptáculo,
para que o Espírito do Senhor possa ali pousar e nele habitar como num ninho
acolhedor, transmitindo-lhe vida, luz, calor, paz, ternura...
- Como você descreve sua “Jerusalém interior”: cidade da paz e do encontro ou cidade da
intolerância e da violência?
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