“Depois,
as mulheres voltaram para casa e preparam perfumes e bálsamos” (Lc 23,56)
* Como se pode passar da SEXTA-FEIRA
SANTA ao primeiro DIA da semana sem unir-nos a Cristo no SÁBADO SANTO?
É o Sábado
Santo de um credo pascal que sabe que amanhã
florescerá a messe. Submergido no sepulcro do
Senhor, espera-se simplesmente.
Ao sentir
a própria incapacidade de levar adiante a exigência do Evangelho, o(a) seguidor(a)
de Jesus se apresenta no sepulcro
de onde pode irromper a força transformadora da manhã
da Ressurreição.
Nossa experiência, como cristãos e como seres humanos, se parece bastante
à experiência do Sábado Santo. Não é uma experiência de morte, como a da
Sexta-feira Santa; não é tampouco uma experiência de luz, nem de vida, como a
do domingo de ressurreição. O Sábado Santo é o dia da ausência e do vazio, o
dia do luto, o dia das dúvidas e também das esperanças. É terra de penumbra,
tempo de vigília. É um caminho que nos afasta da morte, mas não sabemos para
onde nos leva. O Sábado Santo oferece duas possibilidades: ou habituar-nos à
ausência, ou arriscar-nos a esperar o “desconhecido”.
O sepulcro
é o lugar do silêncio e da espera, onde parece que nada acontece. Há muitos
espaços em nosso mundo e em nosso interior que se assemelham a este; muitos
lugares onde temos a sensação de apalpar a derrota e o fracasso. Pois bem, esse
sepulcro onde jaz a Vida a ponto de explodir, onde a Palavra espera para voltar
a ser proclamada com nova força, é hoje o ícone
de esperança para todas essas realidades vencidas e atravessadas, que
continuam esperando que se faça a luz.
Ensina-nos a sentir que, embora não a vejamos, a pedra que cobre tantas
realidades está a ponto de romper-se.
Aqui evocamos a palavra talvez mais estranha e misteriosa
do Credo: “desceu
aos infernos”,
ao lugar onde todos os humanos estão unidos no destino comum da morte. Jesus
penetrou nesse abismo, chegando assim ao que a Igreja chama “os infernos”, o
sub-mundo da morte.
O Credo afirma que Jesus “desceu” ao lugar ou
estado desse inferno, para libertar os humanos da morte, oferecendo-lhes sua
ressurreição (a tradução em português do Credo afirma: “desceu à mansão dos mortos”). Dizendo que “desceu aos infernos” o Credo destaca o abismo
de dureza, destruição e morte onde Jesus revelou sua máxima solidariedade com
os humanos.
Dessa forma Ele se fez solidário com os mortos,
radicalmente. Só é solidário quem assume a situação dos outros. Descendo até à
tumba, sepultado no ventre da terra, Jesus se converteu no amigo daqueles que
morrem, iniciando, precisamente ali, o caminho ascendente da vida.
Jesus penetrou no abismo da morte e sua presença
solidária removeu as entranhas do inferno, como diz Mt 27, 51-52: “a terra tremeu e as pedras se partiram, os túmulos
se abriram e muitos corpos dos santos falecidos ressuscitaram”. Dessa forma, realizou radicalmente sua
missão messiânica.
Jesus já tinha descido ao inferno
dos loucos, enfermos, violentados pela miséria, aqueles que estavam angustiados
pelas forças do abismo; assumiu a impotência daqueles que padeciam e pereciam
arrastados pelas forças opressoras da terra, chegando dessa forma até o inferno
da morte.
Havia sobre o mundo outros infernos
de injustiça, solidão e sofrimento; mas só o inferno da morte era total e
decisivo. Mas Jesus derrubou suas portas, abrindo assim um caminho que conduz
para a plena liberdade da vida (à ressurreição), na dimensão da graça. A este
nível podemos falar de reconstrução da realidade, salvação definitiva. Por
isso, em princípio, estão (estamos) todos salvos pelo Cristo.
Jesus “desceu até o
inferno”
para encarnar-se plenamente, partilhando a sorte daqueles que morreram. Mas, ao
mesmo tempo, “desceu” para anunciar-lhes a vitória do amor sobre a morte,
revelando-se como Grande Evangelista que proclama a mensagem de libertação
definitiva, visitando e libertando os cativos do inferno.
Quando afirmamos que Jesus “desceu aos infernos”
estamos falando desta realidade radical de não-vida, onde Ele revela uma
presença “iluminante”, abrindo um horizonte de luz a todos que “jazem na sombra da morte”. A morte redentora de Jesus estende sua influência
até o espaço misterioso dos mortos. Não se trata de uma influência externa; foi
Jesus mesmo quem partilhou o estado da morte, do inferno. Sua solidariedade
simplesmente é anúncio de Evangelho, é salvação, é extensão inesperada da
Misericórdia de Deus.
Em nosso contexto social, o inferno
continua se expressando nas diversas opressões da história humana (desde a fome
ao cárcere, da exclusão social à enfermidade, da injustiça à intolerância...).
O Papa Francisco nos fala cada dia
da necessidade de “descer aos infernos da história humana” (lugares de opressão, bolsões de
fome, violências, exclusões...) para libertar os homens e as mulheres dos
infernos atuais do mundo, esperando a grande libertação de Deus.
O pior inferno é aquele alimentado justamente
pelos que se dizem seguidores(as) de Jesus, mas que assumem atitudes
preconceituosas e intolerantes, fazem apologia da “posse de armas”, criam
guetos sociais, políticos, religiosos..., onde a morte continua tendo a
primazia. Neste inferno se situam aqueles que preferem fechar-se em sua
violência, de maneira que não aceitam, nem neste mundo nem no novo mundo da
páscoa, a graça messiânica e o amor universal de Jesus. Sabemos que Jesus não
veio para condenar ninguém; mas se alguém se empenha em manter-se em seu
egoísmo e violência, pode converter-se, ele mesmo (apesar da graça de Jesus) em
inferno perdurável.
Só acredita n’Aquele que “desceu
aos infernos” quem está disposto a descer com Ele e comprometer-se a tirar do
inferno tantas pessoas oprimidas, torturadas, violentadas...
Não tenhamos pressa no Sábado Santo. Não passemos tão
rapidamente da Sexta-feira Santa ao Domingo da Ressurreição. Deixemos que o
Sábado Santo estenda suas sombras em nosso interior. Reconheceremos, então, que
essa é a chave para entender o que nos acontece e o que acontece na manhã de
Páscoa.
Com Jesus, que desce aos “infernos” da
humanidade, somos também movidos a descer em direção aos nossos “infernos
interiores” (lugar dos traumas não pacificados, das vivências não integradas,
das feridas não curadas). Na sombria obscuridade interior há pontos de luz que são
alimentados pela presença de Jesus que, na morte e descida, integra tudo e tudo
redime. Nada do que é humano é descartado.
Nosso interior, a terra, a humanidade, o cosmos…
estão grávidos de Ressurreição.
Texto bíblico:
Lc
23,50-56
Na oração:
Como
as mulheres, nos afastamos do túmulo para preparar aromas e perfumes. As
orações são aromas que
o Espírito recolhe em sua taça. A esperança é o perfume que faz ultrapassar a
putrefação das intolerâncias e preconceitos.
Na
noite do Sábado Santo nos propomos dormir pouco e levantar-nos muito cedo,
porque algo surpreendente vai acontecer. A Luz está para chegar. O Espírito
ficou sem palavra, mas já sussurra. A voz do silêncio já geme; nele
vislumbra-se a chegada da Vida. Algo grandioso está sendo gestado.
Da escuridão da morte do Filho de Deus brota a Luz
de uma esperança nova: a luz da Ressurreição reflete-se no rosto das
mulheres esperançosas; a transparência feminina da “Ruah” nos mantém no ritmo
da espera.
Aproximam-se os rumores de ressurreição.
É Páscoa.
Não basta re-nascer; é preciso assumir nossa
condição de responsáveis de uma Nova Vida.
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