“Estavam tomando a ceia” (Jo 13,2)
Na Quinta-feira
Santa celebramos o Amor de Jesus até o extremo, a radicalidade de sua
ternura que se faz cuidado até o ponto de identificar-se com a humanidade mais
ferida.
Não é só o “dia do amor fraterno”, mas do amor
pleno, em todas as suas dimensões, tal como se revelou na vida e mensagem de
Jesus, culminando neste dia através de quatro expressões:
- É Amor de Ceia, compartilhar o pão e o vinho (Eucaristia), em gesto
de comunhão aberta a todos os homens e mulheres da terra, amor que protesta
contra a fome e marginalização de milhões de pessoas;
- É Amor de Lava-pés, ou seja, de serviço concreto aos outros, na casa,
no trabalho, nas relações... É lavar os pés, dar dignidade a quem está próximo
ou distante, em gesto concreto de compromisso e ajuda humana;
- É o Amor do Novo Mandamento, o único mandato de Jesus, que marca a
identidade dos seus seguidores.
- É Amor que se institui em forma
de Ministério concreto de serviço
aos demais. Este é o dia do sacerdócio, que não é posição de poder sobre os
outros, mas um modo de viver, acompanhando e ajudando os outros, homens e
mulheres, em gesto concreto de amor (“como eu vos tenho amado” e “vos lavei
os pés”).
Enfim, Jesus pede aos seus que amem
assim, que se lavem os pés, que se ajudem e sirvam a todos. Esta é sua Páscoa
de Quinta-feira Santa. E tudo isso junto a uma mesa, despojada e provocativa.
Modelada pelo ser humano, a mesa, ao mesmo
tempo modela todo aquele que dela se aproxima; na perspectiva cristã, a mesa
desperta em nós aquela sensibilidade e delicadeza de servidores,
como Jesus teve, ao se prostrar, com o avental, aos pés dos apóstolos para
lavar-lhes os pés.
Jesus, antes de se deixar no
sacramento do pão, “desejou ardentemente”
cear com os seus, ou seja,
Ele teve fome, desejo ardente, motivação para...
A mesa e a refeição
foram o “lugar sagrado” do pão, dos afetos, dos desejos de
relações livres, de compromisso, de justiça e de solidariedade vividos por Ele
durante sua peregrinação, passando de mesa em mesa, até se fazer alimento, numa
mesa de refeição e de festa: a da sua Páscoa.
Podemos dizer que a mesa tem um “quê”
de mistério pascal, pois ela nos capacita para acolher o inesperado que vem: o “outro”
em sua aflição, em sua fome, em sua dor.
Nela, o coração humano encontra repouso, alento,
força e vigor para caminhar com sentido de viver no mundo que o cerca, ora em sua
paixão, ora em sua morte, mas também em sua ressurreição, até que toda a
Criação seja plenificada em Deus.
Palco da realidade cotidiana, a mesa
da refeição e da festa transforma-se num grande teatro, onde o personagem
principal é a vida e suas aventuras.
Nesse teatro cotidiano, nós
contamos, re-contamos e nos re-conectamos com a nossa própria história, muitas
vezes enterrada pelo esquecimento. Como seres pensantes e pulsantes, somos
desafiados, junto à mesa, a compor uma nova história.
O importante é que estejamos à mesa
da refeição sempre inteiros, para que nada seja perdido, alienado aos nossos
olhos, mas sim resgatado, redimido pelo “mistério do encontro”.
Mesa criativa, solo de onde brota o alimento
material, emocional, psíquico e espiritual em suas múltiplas formas, cores,
aromas e sabores do Reino do Pão e da Festa da Vida.
A grande e sublime refeição foi a Última Ceia
que se apresenta como o cume de todas as refeições que Jesus participara com
diferentes pessoas, porque nela desembocam as aspirações de todos os tempos.
Na Eucaristia,
estão a mesa, a comida e a bebida, os comensais, sem exclusão de ninguém,
provocando, como na mesa humana, a partilha, o encontro, a troca, a
comensalidade, a união e a comunhão.
O altar
se torna o móvel sagrado por excelência, em torno do qual se reúne a povo
peregrinante, que marcha para o festim do Reino, mesa definitiva, preparada
para todos aqueles que ouviram e atenderam o convite do Senhor. A mesa
do Senhor oferece pão e vinho, os quais são distribuídos sem distinção de
pessoas.
A eucaristia
reúne os participantes na comensalidade divina, recordando-lhes o grave
compromisso que os une a todos os homens e mulheres. Unir-se a Cristo é unir-se
a toda e qualquer pessoa.
Quê
fazia e quê queria fazer Jesus na Última Ceia?
A chave de
resposta está no evangelho de hoje; a única forma de compreender a Eucaristia é
entender o Lava-pés. O gesto escandaloso de Jesus revela um enfoque nem
sempre percebido em seu sentido último. Jesus não faz um gesto teatral; Ele
revela aos apóstolos um “novo ângulo” ou um novo modo de ver as
coisas: não a partir do lugar dos comensais, mas a partir da perspectiva
de quem não está sentado à mesa.
O gesto de Jesus convida a nos deslocar,
ou seja, ocupar o lugar da pessoa que não participa da mesa. Quê novidade
se percebe a partir deste lugar?
Quando me situo no lugar fora da
mesa, a primeira coisa que percebo é que falta um lugar junto à mesa,
precisamente o meu lugar.
Suponhamos que os comensais me admitam à mesa e
arrumem um lugar para mim. Automaticamente se revela um problema:
redistribuição de espaço, de alimentos, etc...
Portanto, olhar a refeição a partir do ângulo
de quem não participa muda totalmente as perspectivas.
Assim fica
claro que não é normal que haja pessoas excluídas da refeição, quando todos
fomos criados para sentarmos como irmãos(ãs) na mesma mesa do Pai. Enquanto
houver excluídos não será o banquete que Jesus quis, e portanto, será
necessário cair-nos na conta da exigência de mudança para que todos eles possam
participar. Somente fazendo-nos solidários da promoção e libertação daqueles
que não se sentam à mesa comum poderemos realizar, na verdade, a prática do
sacrifício de Jesus.
Esse era o desejo que habitava o mais profundo
do coração d’Ele: reunir todos os homens e mulheres ao redor de uma mesa,
sem exclusões e nem marginalizações.
Não é possível reconhecer o Corpo do Senhor
presente na Eucaristia se não reconhecemos o Corpo do Senhor na
comunidade onde alguns passam necessidades. Pois, se fechamos os olhos às
divisões e às desigualdades mentimos ao dizer que Cristo está presente na
Eucaristia.
Enquanto não nos mobilizamos a mudar nossa
sociedade de maneira que mais pessoas aceitem a alegria de compartilhar o pão e
a vida, faltará algo em nossa Eucaristia.
Essa “ferida” o cristão deve sempre tê-la
presente.
Texto bíblico:
Jo
13,1-15
Na oração:
O
apelo, neste dia, é “cristificar nossas mesas cotidianas”; e ao
participar delas nos descobrimos solidários com todo o povo que caminha; ao
mesmo tempo, elas prolongam em nossas casas a “mesa do Senhor”, quebrando
em nós qualquer solidão ou muralha e nos ajudando a acolher as pessoas, a
amá-las na sua diferença. A “mesa cristificada” desperta em nós outras fomes:
justiça, solidariedade, compaixão...
-
Jesus, companheiro de mesa, nos convida a ser mesa de acolhida e de partilha.
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