São sete expressões ditas por Jesus na
Cruz e recolhidas pelos evangelistas; elas condensam a vida do Crucificado.
Nestas expressões revela-se a identidade de Jesus: quem Ele é e sua missão.
Vamos contemplar o significado das
“palavras pronunciadas por Jesus na Cruz”, deixando-nos impactar e iluminar por
elas. São palavras densas, carregadas de vida; palavras “ex-cêntricas”, onde
Jesus sai de si e se dirige aos outros.
1. PERDÂO. “Pai, perdoa-lhes, pois não sabem o que fazem” (Lc 23,34)
Jesus, na sua vida pública,
sempre revelou o perdão do Pai; no encontro com os pecadores deixou
transparecer a misericórdia reconstrutora de Deus. O perdão foi a marca de sua
vida e deve ser também a marca dos seus seguidores.
É difícil perdoar: a dor, o
orgulho, a própria dignidade, quando é violentada, grita pedindo “justiça”,
buscando “reparação”, exigindo “vingança”... Mas, perdão?
Surpreende-nos que Jesus na Cruz
seja capaz de continuar vendo humanidade em seus verdugos; Ele é capaz de
continuar crendo que há esperança para aqueles que cravam seus semelhantes na
Cruz.
Porque, esta palavra de perdão,
dita a partir do madeiro, é sobretudo uma declaração eterna: o ser humano, todo
homem e toda mulher, conserva sua capacidade de amar nas circunstâncias mais
adversas. E todo ser humano, até aquele que é capaz das ações mais atrozes,
continua tendo um germe de humanidade em seu interior e que permite que haja
esperança para ele. Perdoar é atrever-se
a ver o que há de verdadeiro, de beleza em cada um. O perdão é capaz de ver
dignidade e faísca de humanidade escondida no coração do verdugo. O perdão abre
futuro, destrava a vida e não se deixa determinar pelos erros do passado; ele
quebra distâncias, nos faz descer em direção à fragilidade do outro, ao mesmo
tempo que revela nossa fragilidade. É enquanto pecadores que somos chamados a
perdoar e não enquanto justos. Por isso, no perdão é onde mais nos assemelhamos
a Deus, pois só Ele podia inventar o perdão.
Deus também continua me perdoando
hoje, pelas atitudes pecaminosas em minha vida que destroem, rompem, ferem os
outros e o meu mundo.
- Deixar ressoar esta expressão
de Jesus: Fiz experiência de perdão? Sou capaz de perdoar e acolher o perdão?
2. CONTIGO. “Hoje estarás comigo no paraíso” (Lc 23,43)
Jesus sempre viveu “em más
companhias” e agora morre entre dois ladrões. Mais uma vez, não assume o papel
de juiz sobre dos outros mas oferece uma nova chance de salvação. O moribundo
que dá vida: presença solidária, que, mesmo em meio ao pior sofrimento, oferece
companhia a outros sofredores.
Um dos ladrões, impactado pela
serenidade e testemunho de Jesus “rouba o paraíso”.
Jesus revela uma promessa que
muitas pessoas precisam ouvir hoje, sobretudo aqueles que carregam cruzes
injustas e pesadas, que vivem realidades atravessadas pela dor, pela solidão,
dúvida, incompreensão ou pranto... Como soarão estas palavras no interior de
cada um de nós: “Hoje estarás comigo no
Paraíso”
Hoje: porque as mudanças, a nova criação, a humanidade
reconciliada, não tem que esperar mais; hoje, agora, já...; talvez esse “hoje”
não chega é por causa de tantas pessoas que não decidem, não optam, esperam
sentadas...
Comigo: promessa de viver em sua companhia e desperta ecos de uma
plenitude que não conseguimos entender.
No paraíso: que não é um mítico Eden, mas lugar de plenitude de
vida, onde não haverá mais pranto, nem dor; realidade já presente onde habitará
a justiça e a paz.
- Deixar ressoar esta expressão
de Jesus para construir, hoje, o Paraíso em nosso cotidiano.
- Como viver hoje no paraíso?
Neste momento, a quem podemos despertar a esperança?
3. APOIO. “Mulher, eis o teu filho; filho, eis a tua mãe” (Jo 19,26)
Maria, mulher do “sim”; “sim” que
se prolonga até à Cruz, onde, de pé, revela sua presença materna e consoladora
junto a seu Filho Jesus.
A presença de Maria na vida de
Jesus não é acidental: foi aquela que mais amou, conheceu e seguiu Jesus. Ela
agora é nossa referência fiel no seguimento do seu Filho.
Despojado de tudo, Jesus tem um
tesouro a nos dar: entrega sua própria mãe para que ela seja presença cuidadora
e de ternura junto aos seus filhos sofredores.
Jesus não nos deixa órfãos;
sempre precisamos dos cuidados e do consolo de uma mãe; alguém para nos
acompanhar nas horas mais obscuras e difíceis; alguém que nos sustenta nos
momentos trágicos; alguém que compartilha nossas perdas... e
que também está presente nas horas boas, que chegarão.
É como se Jesus nos dissesse: “Para viver o meu seguimento, inspire-se
nela, tenha-a como referência”.
Não estamos sozinhos: muitas
presenças marianas em nossas vidas – amigos, pais, filhos... São tantas pessoas
junto ao pé da cruz, inumeráveis homens e mulheres de Igreja que foram e são
companheiros de caminho, de esforço, de apoio, de buscas e de amor.
João, também de pé junto à Cruz,
representa todo seguidor fiel de Jesus, mesmo nos momentos de crise.
- Deixar ressoar estas palavras
de Jesus: ser presença materna e cuidadora junto aos sofredores; prolongar o
modo solidário de Maria junto aos crucificados.
4. SOLIDÃO. “Meu Deus, meu Deus, porque me abandonaste?” (Mt 27,46)
O grito de Jesus na Cruz condensa
o grito da humanidade sofredora; é o próprio Deus que grita seu abandono.
Esse grito de Jesus revela uma
Presença no próprio abandono, embora, de imediato não se sinta esta presença.
Grito que não fica no vazio, mas aponta para a Vida.
Todos perguntamos: “Onde está Deus no sofrimento, na violência,
na morte...?” E Deus responde, perguntando: “Onde está você no meu sofrimento, na violência que sofro, na morte...
de meus filhos/as?”
O sofrimento da humanidade é o
sofrimento de Deus; Deus não é insensível e distante da dor dos seus filhos.
Quem não passa por momentos de
noite escura, de insegurança, de absoluta incerteza...?
Quem não viveu experiências de
abandono, de falta de sentido na vida, de solidão, de rejeição...?
Quem não tem momentos de
ceticismo, de amargura, de medo, de dúvida...?
Quem não se pergunta, talvez por
um instante fugaz mas pungente, onde está Deus agora?
Nesses momentos temos a impressão
de que todas as nossas opções foram equivocadas, que cada decisão nos levou por
um caminho sem saída... Nesses tempos nos remorde o fracasso, a miséria,
própria e alheia.
É do meio desta situação que
brota um grito desesperador, como o de Jesus... No entanto, nos atrevemos a
seguir adiante, com nossos projetos, compromissos e esforços em seu nome.
O desafio está em não ceder, em
não crer que tudo tem sido uma mentira. O desafio é não abandonar, não
render-se, não capitular nesses momentos.
Entende-se,
assim, o grande “grito” que brotou das profundezas da dor de Jesus na
Cruz e que continua ecoando como clamor angustiado. Não são poucos os gritos
dos mais pobres e excluídos. É um clamor forte pela intensidade de suas
carências. Um clamor surdo porque não consegue impactar de modo a conseguir
respostas prontas e imediatas aos graves problemas que os afligem.
O grito
dos sofredores é sempre forte. Forte pela violência das necessidades e das
urgências para a garantia de uma vida mais digna. Em Cristo se condensam todos
os gritos da humanidade sofredora.
Sua
força, no entanto, não consegue incomodar a todos os que precisam ser
interpelados pela exigência deste clamor. Um grito, pois, é a expressão
do mais forte sentimento que está no centro do próprio coração; é, também, a
expressão mais concreta do que aflige o coração.
Um grito
é, na verdade, um convite a um compromisso solidário.
O grande
grito de Jesus é a certeza de tudo o que sustenta o seu coração; ao ecoar junto
aos crucificados, provocará grandes novidades. Um grito que não fica no vazio
mas aponta para a vida.
- Deixar ressoar este grito de
Jesus: quais são os gritos surdos que brotam da realidade hoje?
5. SEDE. “Tenho sede...” (Jn 19,28)
Jesus sempre foi um homem
“sedento”: fazer a vontade do Pai, realizar o Reino, compromisso com a vida,
presença solidária junto aos sofredores, fazer conhecido a Deus como Pai/Mãe...
Agora grita sua derradeira sede:
um mundo sem dor, sem exclusão, sem violência
Grita o homem com a garganta
ressequida: sede na garganta e sede no coração. Sede expansiva, sede que
descentra.
Grito que se multiplica em
milhares de gargantas espalhadas pelo mundo: quero “justiça”, clamam os
injustiçados deste mundo; quero “pão”, pede a criança com a barriga inchada de
ar e de fome; quero “paz”, exclama a testemunha de atrocidades sem fim; quero
“amor”, pede o jovem solitário por ser estranho; quero “moradia”, sonha o
morador de rua que dorme em um banco da praça; quero “trabalho”, suspira uma
jovem que se sente fracassar; quero liberdade escreve o presidiário em seus
poemas; quero saúde, recita o enfermo em seu leito... Vozes de compaixão, vozes
de pranto, vozes que refletem as dores do mundo.
Há alaridos, e também sussurros,
todos carregados de sensibilidade dolorida.
O grito de Jesus na Cruz recolhe
todos esses brados da humanidade quebrada. E não há explicação; não há sentido;
não há justiça. Só um grito a mais.
A sede de Jesus desperta em nós
outras “sedes”: de quê tenho sede? Sede de sonhos, de mundo novo...
Sede mobilizadora que ativa as
melhores energias dentro de nós, que desperta nossa criatividade...
Sede que purifica nossa
capacidade de escutar os gritos, de perto e de longe. O quê fazer?
“Quem tem sede venha a mim e beba”. Quem não tem sede não busca,
não cria.
- Deixar ressoar essa súplica de
Jesus: A quem precisamos nos atrever a escutar?
6. COMPROMISSO. “Tudo está consumado”
(Jo 19,30)
Parece contradição alguém
dependurado na Cruz afirmar que tudo está consumado; tem-se a impressão de
fracasso total. Mas na Cruz Jesus leva até às últimas consequências sua
Encarnação: mergulha e se faz solidário com todos os crucificados da história.
“Desce” até às profundezas do sofrimento humano e ali revela a presença do Deus
compassivo.
No alto da Cruz, Jesus tem
consciência que não viveu em vão; sua presença fez a diferença; viveu para os
outros. Jesus morre com as mãos cheias de vida; gastou a vida a serviço da
vida; deixou pegadas nos corações de quem encontrou pela vida. “Jesus morreu de tanto viver”. Morreu de
bondade, de compaixão, de justiça.
Jesus teve um “caso de amor” com
a vida; viveu intensamente.
Uma vida consumada faz fecunda a
morte. Uma história consumada de Amor. Vida consumada quando se consome no
serviço aos outros. Jesus desencadeou um movimento de vida.
- Deixar ressoar esta afirmação
de Jesus: quão plenificante é poder dizer a cada dia: tudo está consumado. É
poder dizer como Pablo Neruda: “Confesso
que vivi”.
7. SENTIDO. “Pai, em tuas mãos entrego meu espírito” (Lc 23,46)
Só quem viveu intensamente uma
vida expansiva pode acolher a própria morte com paz, confiança, serenidade e
abandono nos braços do Pai. Jesus morre como tinha vivido: ancorado na
confiança do Pai.
Jesus, que sempre prolongou as
mãos do Pai, agora entrega-se confiadamente nos braços do mesmo Pai.
Jesus sempre viveu em profunda
sintonia com o Pai; agora Ele dá um “salto vital” nos braços do Pai.
Ao “entregar seu espírito” Jesus
é “aspirado” para dentro de Deus.
A morte nos inspira medo; mas na
morte, somos todos iguais, sozinho diante de Deus.
A morte é a última ponte que nos
conduz ao Pai. Seremos abraçados do outro lado da ponte. Nosso destino é o
coração de Deus.
Não só na hora da morte, mas a
cada dia somos chamados a “entregar o espírito”; num mundo em que todos buscam
seguranças, que em tudo querem ter “salva-vidas”, num mundo que nos convida a
ter as costas cobertas... queremos arriscar, apostar pelo Reino; queremos nos
sentir confiados, atravessar tormentas ou espaços serenos, sentindo-nos
protegidos pelas mãos do Pai. Mãos que curam, acariciam, sustentam...
- Deixar ressoar em nosso
interior as palavras de entrega de Jesus: vivemos amparados pelos mãos providentes
e cuidadosas do Pai; sentir-nos movidos a prolongar as mãos do Pai.
Estas palavras,
proferidas por Jesus no alto da Cruz, causam um profundo impacto em nosso
coração.
Tal impacto nos faz ter os olhos fixos no
Crucificado; a partir do Crucificado ativar um olhar comprometido com os
crucificados da história. Só podemos crer no Crucificado se estivermos
dispostos a tirar da Cruz aqueles que estão dependurados nela (Jon Sobrino).
Após a oração universal faremos a chamada
“adoração da Cruz”; não se pode contemplar a Cruz isolada daquilo que nela
aconteceu. A Cruz nela mesma não tem sentido.
O que vemos ao contemplar o Crucificado?
A Cruz é expressão da máxima compaixão e
comunhão, com Jesus e com os sofredores. Ela aponta para Aquele que foi fiel ao
Pai e ao Reino. Por isso, a Cruz não é um “peso morto”.
A partir da Cruz de Jesus, iluminamos e damos
sentido às nossas cruzes.
expressão de morte e abriu um novo tempo e uma Nova Criação na história. Uma Santa Páscoa a todos.
Nenhum comentário:
Postar um comentário