Que a experiência da Semana Santa seja um momento privilegiado para expandir a vida interior e fazer a travessia pascal, no encontro com Aquele que, pela força do Espírito do Pai, venceu toda
expressão de morte e abriu um novo tempo e uma Nova Criação na história. Uma Santa Páscoa a todos.
“Estavam tomando a ceia” (Jo 13,2)
Essa foi a prática de Jesus que mais causou
espanto e escândalo: a partilha nas
mesas com pobres e pecadores. Para Ele, a mesa era para ser compartilhada com todos; a partilha do pão com
publicanos e pecadores fazia parte das práticas transgressoras de Jesus.
Comendo e bebendo com todos os
excluídos, Jesus estava transgredindo e desafiando as formalidades do
comportamento social e das regras que estabeleciam a desigualdade, a divisão, a
separação...
Jesus revelava uma grande liberdade ao transitar por
diferentes mesas; mesas escandalosas que o faziam próximo dos pecadores, pobres
e excluídos. Ele não só transitou por outras mesas, mas instituiu a grande mesa para a festa, o encontro, a
memória: a “mesa do Lava-pés e da Última
Ceia”.
Da “mesa eucarística” à “mesa
cotidiana”: este é o movimento de vida, inspirado por Jesus.
A pedagogia de Jesus incluiu a “espiritualidade
da mesa”. Ele, antes de fundar uma igreja, fundou a “co-mensalidade”.
Ao reunir os seus discípulos para o encontro junto à mesa, Ele revelou
o verdadeiro simbolismo deste simples móvel: a lição fundamental da comunhão,
como fonte inesgotável de
vida. A comunhão que faz sonhar com a mesa eterna no Reino e desafia seus
comensais a viver encontros solidários, como hábito e dinâmica que preserva e
promove a vida. Do encontro junto à mesa ao encontro com os mais excluídos:
este deve ser o movimento inspirador de todo(a) seguidor(a) de Jesus.
A
espiritualidade da mesa não pode ser apreendida e mercantilizada por ninguém,
pois ela é puro dom da refeição – onde dois ou mais estiverem reunidos
por causa do alimento-mesa-ser humano, um novo mundo poderá ser descortinado,
revelado. A benção à mesa instaura o horizonte da partilha, em que os
alimentos são destinados à necessidade de todos por meio da co-responsabilidade
dos participantes, fazendo memória do banquete da Criação, sobre cuja mesa Deus
preparou pão e vinho em abundância para todos.
A comunhão bíblica se realiza entre
os “distantes e os diferentes”, por meio de um gesto que não é de poder, mas de
esvaziamento, não é de apropriação, mas de partilha, não é de fechamento, mas
de abertura das mãos que acolhem, que distribuem... “Ninguém
considerava propriedade particular as coisas que possuía, mas tudo era posto em
comum entre eles”. (Atos. 4,32).
Preparar a mesa e fazer a refeição é todo
um ritual. Comer é mais do que ingerir alimentos, é entrar em comunhão com as
energias que sustentam o universo e, por meio dos alimentos, garantem nossa
vida.
Por isso, a mesa, a ceia e o banquete
são cercados por uma rica simbologia. O próprio Reino de Deus, a utopia de
Jesus, é apresentado como uma ceia ou um banquete na casa do Pai (Lc 14,15-24; Mt 21,1-10).
Quando o Criador tirou do húmus o
homem e a mulher, Ele pôs, com seu hálito, no coração deles, o desejo do encontro
de um com o outro. Esse desejo foi crescendo e configurando-se sob formas
sociais diversas, segundo cada cultura e crença.
Surgiram refeições comuns, mesas de
comensais, mesas festivas.... Para esse centro converge o ser humano em busca
do alimento, renovar suas energias, tomar novo impulso... descobrir-se humano.
É junto à mesa que se dá o processo
de humanização e comunhão; a partir desse ato
sagrado, podemos olhar o outro mais de perto, escutá-lo mais de perto, senti-lo
mais de perto... pois “a comida, o alimento de nossas
refeições, não é somente o que aparenta, mas, remete a algo que está atrás de
si, para além de si. Portanto, o gesto de sentar-se à mesa para comer revela um
tipo de relação social de um determinado grupo humano”
(Manuel Diaz Mateos).
A mesa é um sinal de encontro e comunhão;
ao mesmo tempo que sinaliza, ela realiza aquilo que sinaliza, ou seja, a inter-comum-união.
A missão da mesa é criar comunhão intra-pessoal (eu comigo
mesmo), inter-pessoal (eu-outro) e trans-pessoal (eu-Deus).
Ela não é agente passivo, mas construtora de
novas possibilidades de vida. Aliás, ela existe enquanto lugar de refeição por
causa do ser humano que a modelou.
A refeição em torno da mesa
representa um ato comunitário e reforça nos participantes os laços de
humanidade, de compaixão, de mútua confiança e de comunhão. Por toda esta carga
de simbolismos, a mesa não pode ser posta de qualquer maneira; a sala
que ostenta a mesa deve ser um local aconchegante e íntimo, para
realizar o milagre do encontro. Ela passa a ser um “altar” que deve ser
preparado e ornado com carinho, para ser digno de realizar a sua missão
sagrada, pois sagrados são aqueles que dele se aproximam, se apoiam e se
reclinam sobre seus dons.
Sentar-se à mesa com o outro é
descobrir-se vivo, corpo pulsante, latente, carente.
Mas é também descobrir um outro tipo de alimento, que só
pode ser colhido na delicadeza da inter-relação, no encontro gratuito com o
outro.
Nela e com ela aprendemos a acolher
o outro como dom. Aprendemos a nos doar, a partilhar, a receber, a
escutar e a falar, a contemplar o outro em sua singularidade. A mesa é
também o lugar onde acolhemos as alegrias e as tristezas do outro, com quem
partilhamos nossa refeição. A mesa-refeição, portanto, é o lugar do
suporte das relações, espaço que garante o sustento, que alimenta o corpo, o
emocional, o psíquico, o espiritual e o social. Esse lugar humano é
revelador de cultura, do inconsciente individual e coletivo.
Lugar fecundo, onde o imprevisível pode
acontecer.
A
mesa da refeição se torna lugar de humanização do ser
humano. Espaço de verdadeira reserva de humanidade. Muitos são aqueles que
sabem abrir as mãos, partir o pão, saciar a fome do irmão.
É
nesse universo de mesa-refeição que o ser humano vai se
auto-construindo, auto-definindo como ser que é humano, mas também divino.
Diviniza-se humanizando, humaniza-se divinizando.
O simples gesto de passar ao outro
o que ele precisa é um gesto despojado de poder, de segundas intenções. Quando
alguém passa um prato ou um pedaço de pão ao companheiro, está passando mais do
que isso: consome em comum a mesma sorte. “Servir” é o nome do gesto
fundamental de estar à mesa. Há necessidades atendidas, o cuidado amoroso
perpassa as relações; busca-se o necessário revigoramento físico para a
continuidade do caminho, e esforço no trabalho, a preservação da saúde...
O ritual da mesa rompe as
distâncias e garante a proximidade, estabelece o estreitamento dos vínculos com
o diferente. Junto à mesa, cada um se coloca diante do outro, não
importando as diferenças de vida, de opções. A lição da misericórdia é a única
que ganha validade e sentido.
A espiritualidade da mesa
exala gratidão aos que dela se aventuram em assentar-se. Com isso
ela nos interpela a vivermos uma espiritualidade do encontro e do serviço
de uns para com os outros. Esta é a prova da autenticidade do verdadeiro seguimento
de Jesus. Este é o sentido verdadeiro de toda Eucaristia.
A mesa eucarística se prolonga e se
visibiliza na mesa-família.
Texto bíblico:
Jo 13,1-15
Na oração:
Descubra
na sua mesa o seu pão; na sua jornada, o seu chão; no seu cotidiano, o
inesperado que vem, o outro
em
sua fome, em busca de mãos abertas que saibam partilhar.
-
Rever o sentido e o lugar da mesa-refeição no seu ambiente familiar: é lugar facilitador
de partilha e convi-vência?
Nenhum comentário:
Postar um comentário