“Fez então um chicote de cordas e
expulsou todos do Templo…” (Jo 2,15)
A Quaresma nos oferece os grandes sinais
da vida e da mensagem de Jesus: das tentações (1º. dom.) e transfiguração (2º.
dom.) à expulsão dos comerciantes do Templo (3º. dom.).
Este terceiro sinal, vinculado com a construção
do novo Templo (formado pela vida
dos cristãos, unida à vida de Cristo), está no centro da mensagem de Jesus. E
revela-se uma ocasião privilegiada para denunciar a tendência da religião
cristã em distanciar-se da mensagem de Jesus e deixar-se contaminar pelo poder,
pela riqueza, pela vaidade... Todos devemos nos empenhar em destruir muitas coisas
do “velho templo” que fomos construindo ao longo da história.
João, à diferença dos outros
evangelistas, situa o relato da expulsão dos comerciantes do Templo no começo do
ministério de Jesus. O espaço do Templo tinha se convertido em mercado, e se
encontrava dominado pelos comerciantes da religião, vendedores e sacerdotes.
Com sua atitude, Jesus combate uma religião que está a serviço do
“deus-dinheiro”, deixando de ser mediação de vida, de comunhão e partilha dos
bens. Evidentemente, este não é o templo de Jesus, que veio chamar e convocar
aqueles que não podem comprar “bois-ovelhas-pombas”.
Jesus expulsou os
mercadores-vendedores do templo porque estes expulsaram Deus de suas vidas e da
realidade cotidiana; queriam ter Deus sob seu controle para se enriquecer com o
sagrado.
Por que este gesto violento de Jesus para com
aqueles que dominavam o templo e manipulavam Deus em favor de seus interesses?
Porque, para eles, o primeiro e o intocável era “o ritual” e “o sagrado” (com
todas as suas consequências). Enquanto que, para Jesus, o primeiro e o
intocável, era “o humano” (a vida humana, o respeito ao humano, a dignidade de
todos os seres humanos por igual). Jesus se
situou do lado da vida e da felicidade dos seres humanos. De fato, as preocupações
de Jesus não foram nunca nem as observâncias rituais do templo, nem a
inviolabilidade do sagrado, nem a dignidade dos sacerdotes, nem os poderes da
religião... As preocupações de Jesus foram: a saúde das pessoas (relatos de
curas), a mesa da partilha e da inclusão (relatos de refeições), a reconstrução
das relações entre os humanos (o sermão da Montanha).
Jesus foi um profeta leigo; não foi
sacerdote, nem funcionário da religião, nem mestre da lei, nem nada parecido.
Mais ainda, Jesus viveu e falou de tal maneira que logo entrou em conflito com
os dirigentes da religião de seu tempo, os sacerdotes e os funcionários do
Templo, que eram os representantes oficiais do “religioso” e do “sagrado”.
Se há algo que é claro e é repetido
tantas vezes nos Evangelhos é que os “homens da religião” não suportaram o
Evangelho de Jesus, centrado na vida e não no Templo. E não o suportaram porque
eles viram, em Jesus, um perigo e uma ameaça aos seus privilégios. Enquanto o
projeto deles era defender e manter o Templo com seus ritos e normas, com suas
dignidades e privilégios, com seus poderes sobre o povo, o projeto de Jesus
centrava-se na cura dos enfermos, na proximidade junto aos mais pobres, aos
pequenos, aos pecadores e a todo tipo de pessoas desprezadas e rejeitadas pelos
dirigentes religiosos. Tudo isto é o que Jesus privilegiou, inclusive
transgredindo as normas da religião, enfrentando os escribas, fariseus, os
sacerdotes e atuando com violência contra aqueles que utilizavam o templo como
negócio, até convertê-lo em “casa de comércio”.
O Compassivo não quer sangue, nem incenso, nem
ritos...; quer compaixão, ternura, quer justiça, quer que todos vivam e vivam
intensamente.
Sabemos
que em toda religião o determinante está no sagrado. No projeto de
Jesus, o centro de tudo está no humano, na dignidade e na felicidade
das pessoas, na vida. Jesus não suprimiu o sagrado, mas o deslocou do religioso
ao humano. Este é o verdadeiramente sagrado para Jesus. Seu projeto não é projeto
“religioso”, mas a vida humana;
o central na sua vida não foi o religioso, mas o humano e a
humanidade.
Por isso, Jesus
prescindiu do Templo para relacionar-se com Deus. Ele se encontrava com o Pai não no espaço
sagrado do Templo, nem no tempo sagrado do culto religioso, mas no espaço
cotidiano do encontro com as pessoas. Seu Templo era a convivência com as
pessoas, sobretudo as mais excluídas.
Jesus foi um piedoso israelita que
teve uma forte experiência de Deus, a quem chamava Pai e que fomentava a oração
não no templo, mas no monte, nos lugares solitários e silenciosos. Sua “religiosidade”
não estava vinculada ao templo nem aos rituais sagrados.
Frente ao projeto que chamava
“Reinado de Deus”, Jesus foi questionando uma religião que desumanizava as
pessoas. Ele mesmo foi relativizando os pilares da religião: o sábado, a
“pureza” legal, o pecado, o
Templo, o culto, os sacrifícios, as
doutrinas... Pouco a pouco, foi colocando tudo em questão, infringindo suas
normas e atacando a hipocrisia de um culto a Deus que desprezava as pessoas.
Para aqueles que veem em Jesus o novo Templo onde habita Deus, tudo é
diferente. Quem deseja viver a fundo e encontrar-se com Deus (“os verdadeiros adoradores do Pai), não é preciso ir a um
templo ou outro, frequentar uma religião ou outra. É necessário aproximar-se de
Jesus, entrar em seu projeto, seguir seus passos, viver sob o impulso do seu Espírito.
Neste Novo Templo, que é Jesus, para adorar a
Deus não bastam o incenso, as aclamações nem as liturgias solenes. Os
verdadeiros adoradores são aqueles que vivem diante de Deus “em espírito e em verdade”. A verdadeira adoração
consiste em viver com o “Espírito” de Jesus e na “Verdade” do Evangelho. Sem
isto, o culto é “adoração vazia”.
Nós dizemos que a religião é um meio (mediação) para nos relacionar com Deus. Mas nem
sempre caímos na conta que a religião com seus rituais (templos, ritos, o
sagrado, os sacerdotes, a normativa religiosa...) ocupam tanto espaço e alcançam
tanta importância na experiência dos indivíduos e da sociedade que Deus acaba ficando
deslocado da vida e desfigurado em sua imagem de Pai/Mãe de misericórdia. O que
acontece, com muita frequência, é que a religião, seus ritos, suas hierarquias
e suas normas, em lugar de fazer-nos aproximar de Deus e fazer-nos pessoas
melhores, na realidade fazem é complicar nossa relação com Deus e, sobretudo,
dificultam nossas relações sociais, religiosas ou simplesmente humanas.
No Reino de Deus não se requer
“templos” mas corpos vivos. Estes são os santuários de Deus, onde brilha Sua
presença e Seu amor, onde as pessoas vivem dignamente. Jesus não veio para
continuar a linha religiosa tradicional. Veio para propor uma humanidade
restaurada a partir do princípio da centralidade da vida das pessoas que vivem
com dignidade. Sobre esta base é possível sonhar e construir outra maneira de
viver e outra maneira de ser.
Neste Novo
Templo, que é a vida dos(as) seguidores(as) de Jesus, não se faz
discriminação alguma, nem se fomenta a desigualdade, a submissão e o medo. Não
há espaços diferentes para homens e mulheres. Em Cristo já “ não há varão e
mulher”. Não há raças eleitas nem povos excluídos. Os únicos preferidos são os
necessitados de amor e de vida.
Necessitamos, sim, de igrejas e templos para
celebrar e fazer memória de Jesus como Senhor, mas Ele é nosso verdadeiro
Templo. Os templos físicos não podem ser fronteiras que dividem o sagrado do
profano, mas espaços onde vivemos a sacralidade de toda a vida.
Fonte da imagem: Jornal O Caminho
Texto bíblico: Jo
2,13-25
Na
oração:
As
portas do “novo Templo”, que é Jesus, estão abertas para todos; ninguém
está excluído.
Podem
entrar nele os pecadores, os impuros, os excluídos, os marginalizados da
religião...
O
Deus que habita em Jesus é de todos e para todos.
Somos
também o “novo templo”, morada do Espírito, presença que alarga nosso
interior para que todos possam ali ter acesso.
-
Quem são os “frequentadores” do seu “templo interior”?
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