“José comprou um lençol de linho,
desceu Jesus da Cruz, envolveu-o no lençol e colocou-o num túmulo escavado na
rocha; depois, rolou uma pedra na entrada do túmulo” (Mc 15,46)
A gravidez
é uma metáfora sugestiva e provocadora sobre o Sábado Santo; no silêncio
e na obscuridade do sepulcro tem lugar a segunda gestação de Jesus Cristo e o
novo parto do homem, da mulher e do cosmos renovados. Assim, o sepulcro é
contemplado como o ventre da terra, onde acontecerá o milagre da renovação
plena da vida. O amor é mais poderoso que a morte e quem ama não morre nunca,
senão que suas sementes são húmus e germe de nova vida, embora não possamos
controlar quando nem onde.
É preciso saber acolher este silêncio surdo, que marca a passagem
entre duas experiências intensas: a Sexta-feira
de dor e o Domingo de Ressurreição.
No sepulcro, Jesus se faz solidário com
toda a morte humana. E é preciso esperar com Ele. É preciso esperar em nossos
projetos e sonhos, na libertação dos povos, em uma nova humanidade.
Em nossas vidas teremos muitas
sextas-feiras santas de dor e dias de páscoa, mas, teremos muito mais sábados
de espera.
Fazer memória do Sábado Santo nos faz compreender que, nos sábados santos da vida não podemos ter a pretensão de querer ver o
significado de tudo o que vivemos, no mesmo momento que o vivemos. Muitas
vezes, terão que passar muitos anos para poder ver o rosto do Deus vivo em
situações vividas de dor e abatimento; além disso,
temos que começar a entender que não podemos pretender chegar ao último dia com
todas as interrogações resolvidas.
Saber viver neste tom vital é o que nos convida o
Sábado Santo.
A partir da experiência sabática, a
noite pode espantar, mas também pode ser chance para ver melhor; a morte
pode ser ameaçadora, mas ela ensina a viver; o sepulcro vazio pode causar
dúvida, mas ele aponta para a ressurreição; o infinito pode suscitar
inquietação, mas consegue impulsionar para o além, até acender no coração uma
chama persistente: a esperança.
A terra, a humanidade, o cosmos...
estão todos grávidos de Ressurreição. Assim começa a ressurreição; assim começa
essa experiência que alguns chamam “a outra vida”, mas que na realidade não é a
“outra vida”, mas a vida “outra”.
Como nos deixou escrito um
jornalista guatemalteco, desaparecido sob a ditadura nos anos 80. “Dizem que estou ‘ameaçado de morte’; nem eu
nem ninguém estamos ameaçados de morte. Estamos ameaçados de vida, ameaçados de
esperança, ameaçados de amor. Estamos ‘ameaçados’ de ressurreição. Porque
Jesus, além do Caminho e da Verdade, é a Vida, embora esteja crucificado no
alto do lixão do Mundo...”
Ameaçados de vida, ameaçados de esperança,
mesmo que a esperança frequentemente seja uma “esperança enlutada”. Há homens e
mulheres que se fizeram “experts” em transitar e esperar na noite. São nossos “mestres e
mestras do Sábado Santo”.
O ser humano que espera não tem certeza, não fica
seguro, não está satisfeito. Mas a esperança tem fundamento; não é uma
ilusão e nem uma utopia; não é um sonho impossível e nem uma lembrança irrecuperável;
não é só futuro, mas permanece, disfarçadamente, presente; não é uma morada,
mas um sentimento sempre inédito. A esperança evita tropeçar no
fracasso, no desânimo, na apatia e no silencioso desespero.
A esperança é caminho e meta, posse e dom,
destino e encontro, antecipação e cumprimento, expectativa e busca, risco e
proteção, nó e liberdade. A esperança é
certa, mas não dá “garantias”.
“O coração do cristão é inquieto, está
sempre em busca, em espera: esta é a esperança...
porque a esperança é aquela que faz
caminhar, faz abrir estradas...” (Massimo
Cacciari)
O ser humano-esperança é o
peregrino que caminha, é o artífice que tece o existir.
Esperança é força prospectiva que suscita
passos para a gênese da nova humanidade. Esperança é o ser humano
nômade. Des-loca-se. Des-dobra-se. Inventa-se. Deixa de ser o que era para chegar
a ser o que ainda não é. Na noite ela se acende; na impotência,
ela vence; na finitude, ela impele a caminhar.
A esperança é brasa, é pés,
é caminho, é narrativa, é assombro, é antecipação.
Não há esperança na solidão das
próprias seguranças e das próprias expectativas. A esperança se realiza
no encontro, que impele a sair, a caminhar, a ir ao encontro, narrar aos outros
o fogo que se acendeu por dentro. A esperança é o canto que ativa a coragem nos
corredores escuros da história.
Poderíamos acrescentar que uma humanidade,
incapaz de cultivar a esperança, não merece ser considerada, porque lhe
faltaria a única razão pela qual vale a pena existir. Sem a esperança, a
humanidade perde a iniciativa. Embota-se.
A vida sem desafios não é real; mas a vida sem
espera, sem desejo, sem paixão, sem esperança, não é vida.
A esperança mora onde a
deixamos entrar: onde lutamos, onde convivemos com o outro diferente de nós,
onde a fragilidade e a transição podem desorientar, onde as trevas parecem mais
fortes que a luz, onde a vida parece ser ameaçada pela morte, onde a violência
pensa levar vantagem, onde o caminho é íngreme, onde a espera se confunde com a
angústia...
A força da esperança está
oculta precisamente na sua impotência e fragilidade.
Mas não basta ter esperança. É preciso ser
esperança. O ser humano vive de esperança, acredita na esperança,
mas, sobretudo é esperança. A esperança leva a querer algo mais.
É “antecipação criadora”; ela tem “rosto novo”. É madrugada e não crepúsculo.
Jamais “envelhece”. A esperança pascal antecipa aquilo que ainda não é
realidade. É o futuro que ainda pode ser convertido em história nova.
O mal, a injustiça, a violência, o
sofrimento, existem em nossa história, mas não tem a última palavra sobre ela.
A ternura de Deus é mais poderosa e ela é nossa esperança, ela nos sustenta nos
túneis mais escuros da vida a partir de dentro, atravessando-os. Deus é nossa
esperança; o Deus da vida que nos ama até o extremo é a esperança que nos
ampara contra toda desesperança.
Mas a esperança não é uma propriedade privada, mas um presente
comunitário, coletivo, um bem comum, como nos diz o Papa Francisco:
“Não vos deixeis roubar a esperança! Talvez
a esperança seja como as brasas debaixo das cinzas; ajudemo-nos uns aos outros
com a solidariedade, soprando nas cinzas, a fim de que o fogo volte a atear-se
mais uma vez. Pois é a esperança que nos faz ir em frente. E isto não é
otimismo, mas algo diferente. Todavia, a esperança não é de uma só pessoa, a
esperança fazêmo-la todos juntos. Temos que alimentar a esperança entre todos,
entre todos nós e todos nós que estamos distantes. A esperança é algo vosso e
também nosso. É algo que pertence a todos” (Discurso aos trabalhadores de
Cagliari – 22/set/2013).
A Cruz permanece em seu lugar, mas
o sepulcro fica vazio para sempre!
É Ressurreição: vida plena
antecipada.
Textos bíblicos:
Mc.
15,42-47 Jo. 19,38-42
Na oração: Como muitos mestres e mestras,
cujas vidas são testemunhas da esperança, como os discípulos de
Jesus e como as mulheres
que o acompanharam até o final, nos perguntamos:
-
É possível esperar quando sentimos que a realidade é um “beco sem saída”?
-
Como esperar em meio a tanta violência, preconceito, indiferença
-
Como esperam os vencidos, os últimos, os excluídos...?
-
Como aprendemos a esperar quando nos encontramos tendo que enfrentar
situações-limite?
-
Qual tem sido nosso suporte e ajuda nesses momentos da vida e como podemos
oferecê-lo aos outros?
-
Quê aprendizagens vitais fizemos na densidade da noite em nossas vidas?
-
Quê e quem nos ajudou a rolar a pedra do sepulcro de nossa vida?