“...os
cobradores de impostos e as prostitutas entrarão antes de vós no Reino de Deus” (Mt 21,31)
A
frase acima é uma das mais cortantes, proferida por Jesus aos chefes
religiosos. Os cobradores de impostos e as prostitutas
constituíam as duas classes de pessoas mais odiadas e que sofriam maior preconceito
na sociedade religiosa de seu tempo.
Com sua presença e ternura Jesus quebra as
atitudes preconceituosas que delimitam friamente os espaços e alimentam
proibições que impedem a manifestação da vida.
Jesus provoca um grande escândalo nos seus ouvintes,
sobretudo entre os fariseus, sacerdotes e anciãos do povo, que se consideravam
superiores aos outros, perfeitos cumpridores da lei, e portanto, merecedores da
atenção de Deus.
Eles apresentavam-se como modelos para o povo, porque
viviam atraídos por um Deus que somente eles encontravam. É duro viver ao lado
de um fundamentalista, porque igualmente duro é seu “deus”.
De
fato, há um monstro que habita as profundezas de nosso ser, devorando-nos
continuamente e expelindo seu veneno mortal: trata-se do preconceito.
Ele constitui o risco permanente em nossa vida, pois
limita a realidade, aumenta as distâncias, estreita o coração, inibe o olhar e
nos faz incapazes de acolher o bem e a verdade presentes no outro que é
diferente.
O
preconceituoso está o tempo todo petrificado em suas velhas e deformadas
opiniões sobre tudo e sobre todos. Ele é precipitado em julgar, apressado e
ansioso na formulação de juízos sem critérios.
Geralmente, os preconceituosos são
dogmáticos e fervorosos, muitos deles tornam-se fundamentalistas, com
hostilidade e intolerância religiosa. Cegos para a verdade, eles preferem o
auto-engano ao conhecimento de fato; fincam pé naquilo que pensam que sabem, no
que está estabelecido e normatizado; não se atualizam, não conseguem ver o novo
e a necessidade de mudanças.
Ao tornarem absoluta uma verdade, condenam-se à
intolerância e passam a não reconhecer e a respeitar a verdade e o bem
presentes no outro. Não suportam a coexistência das diferenças, a pluralidade
de opiniões e posições, crenças e ideias. Daí surgem o conservadorismo radical,
o medo à mudança, a violência diante da crítica, a suspeita, a vigilância, o
controle autoritário...
Jesus,
pelo seu modo de ser e pela sua pregação, toca as profundezas da vida. Ele convive, a maior parte de seu
tempo, com aqueles que não tinham lugar
dentro do sistema social-religioso existente. Ele se coloca ao lado dos excluídos
e dos últimos da história: acolhe os “imorais” (prostitutas e
pecadores), os “marginalizados” (leprosos e doentes), os “hereges” (samaritanos e
pagãos), os “colaboradores” (publicanos e soldados), os “fracos
e os pobres” (que não tem poder nem saber); os que não tem lugar passam a ser incluídos.
Jesus se revela “excêntrico” com relação
aos sistemas, poderes e costumes de seu tempo, e isto numa dupla dimensão: - o centro,
para Jesus, está nas margens,
- os marginalizados e
excluídos são trazidos por Ele para o centro.
Jesus
assume a tal ponto a indigência e a fragilidade do ser humano, que aqueles
que o encontram e o escutam reconhecem de imediato estar diante de um homem
profundamente humano.
Jesus “entra” na realidade, sem discriminá-la nem classificá-la.
Simplesmente acolhe tudo quanto é desprezível e aparentemente desprovido de
valor. A atuação de Jesus revela-se como abraço da realidade. Sua visão de vida
não o afasta da realidade; manteve-se sempre em contato com a fragilidade da existência; sentou-se à
mesa com pecadores e misturou-se com prostitutas; voltou-se para aqueles pelos
quais as pessoas não nutriam qualquer interesse: os pobres, os oprimidos, os
excluídos...
Jesus derruba as barreiras
da religião e raça. A revelação messiânica se expande como o sol do meio-dia e
atinge a todos, sobretudo aqueles de “má-fama”. O Reino encarna-se na história dos pequenos e desprezados. O vinho
novo faz arrebentar os odres velhos.
A partir da fragilidade, Jesus impulsiona o salto para a vida; Ele reconstrói o ser humano na própria raiz do seu ser,
precisamente onde ele se revela limitado, frágil. Pois é quando se reconhece
fraco e limitado que o ser humano se abre para Deus e para os outros; ele sente-se
necessitado de salvação; sua indigência e
fragilidade fazem-no disponível,
aberto à graça de Deus e lhe permitem abraçar o dom da salvação.
Por isso, o específico da vida cristã é
buscar, através do seguimento, fazer e viver o que fez e viveu Jesus:
adotar as atitudes, o olhar e a capacidade de contemplação da realidade que o
mesmo Jesus adotou.
No seu “exceder-se”, Jesus abraçou
diferenças e novos horizontes. O Seu ministério ultrapassou as fronteiras. Convidou-nos a tomar consciência da ação de
Deus em lugares e pessoas que estamos inclinados a evitar: cobradores de
impostos, doentes, prostitutas, pecadores e pessoas de todos os tipos, que eram
marginalizadas e excluídas. Jesus “deslocou” Deus do Templo para as periferias.
Como água que dá vida a todo aquele que
tem sede, Jesus mostrou-se interessado por todas as zonas áridas do Seu mundo.
O Reino de Deus, que pregava constantemente, tornou-se uma visão de um mundo
onde todas as relações são reconciliadas em Deus.
E foi nas “fendas da humanidade” que o próprio
Jesus revelou o novo rosto do Pai e entrou em comunhão com Ele. Jesus nos
aponta o Deus presente e atuante nos meandros de nossa história, de nossas
feridas, de nossos fracassos...; Aquele que não tem vergonha de se aproximar e
de se misturar com a pobreza e a fragilidade dos seus filhos; é o Deus santo que
mergulha e santifica toda nossa existência.
Ele se revela como um “Deus errante”, que corre
ao encontro daqueles que estão perdidos.
Nas
encruzilhadas desafiadoras de hoje somos chamados a estabelecer, também com
aqueles que não compartilham nossa fé, nem são de nossa cultura,
mentalidade..., relações de proximidade, reciprocidade e intercâmbio; somos
movidos a compartilhar com eles obscuridades e perguntas e também momentos de
luz e de revelação.
A
partir das “fendas da humanidade” se faz visível o rosto Deus que toma partido
pela vida de qualquer ser humano e que nos chama a fazer-nos presentes
nos lugares onde essa vida está ameaçada, algo que foi sempre a
“especialidade de Jesus”.
Uma profunda experiência cristã nos faz “virar
a cabeça” e dirigir nosso olhar
para as “margens”, para as “periferias” da história...
comprometendo-nos com os prediletos de Deus.
Textos bíblicos: Mt 21,28-32
Na oração:
Nossa
vocação é a de construir pontes em situações de fronteira. Num mundo dilacerado
pela violência, preconceito, indiferença... como você coopera com o Senhor para
uma “globalização na solidariedade”?
* O
papa Francisco nos dirige um contínuo apelo a viver a “cultura do encontro” em
meio a uma “cultura da indiferença”. Concretamente: qual seria sua “ajuda”
específica e original neste grande empreendimento?
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