“Onde dois ou três estiverem reunidos
em meu nome, eu estou aí, no meio deles” (Mt 18,20)
Tudo na vida gira em torno das relações: com
Deus, consigo mesmo, com os outros, com a natureza. Isso é especialmente
verdadeiro numa comunidade cristã. Famílias saudáveis, grupos saudáveis,
igrejas saudáveis, vidas saudáveis, ambientes saudáveis... falam de relações
saudáveis.
No capítulo
18, Mateus recolhe uma série de afirmações de Jesus sobre a comunidade dos
seus seguidores. É a primeira vez que se emprega o termo “irmão” para designar
os membros da comunidade cristã. É preciso notar que o texto de hoje é
continuação da parábola da ovelha perdida, que termina com a frase: “Assim vosso Pai que está nos céus não deseja que se
perca nenhum destes pequeninos”.
No evangelho de hoje é muito
relevante a preocupação pela vida interna da comunidade; o texto nos adverte
que não se pode partir de uma comunidade de perfeitos, mas de uma comunidade de
irmãos, que reconhecem suas fragilidades e precisam do apoio mútuo para superar
seus limites e erros. As rupturas nas relações podem surgir em qualquer
momento, mas o importante é estar preparado para superá-las.
Jesus Cristo
não só revelou a verdadeira identidade de Deus, cuja essência é relacional
(cerne da doutrina cristã da Trindade), mas mostrou que o caminho para a
transformação pessoal consiste, também, numa correta e justa vivência na relação
com os outros.
De fato, a pessoa humana não se pode realizar sem
os outros. Realiza-se quando, livre e voluntariamente, conhece e é conhecida,
ama e é amada, compreende e é compreendida. Precisamente, a reciprocidade das
relações é a que permite integrar a igualdade e a diferença, a identidade
pessoal e a identidade do outro, buscando chegar à comunhão e à unidade.
Humanamente falando, nem sempre nós
nos damos conta, mas o foco em torno do qual gira toda a existência humana está
na capacidade de nos relacionar e de nos comunicar. As relações humanas são o centro de tudo. A essência última de todas
as ansiedades humanas manifesta-se como um problema de relações: com os pais,
com os filhos, com os companheiros de trabalho, com os amigos, com os vizinhos,
com os irmãos de comunidade, com as diversas culturas, raças, grupos étnicos,
etc...
Relacionar-se é a grande e única finalidade da
vida do ser humano: encontrar-se, viver em sociedade, colaborar, construir
amizades, amores, conhecer gente...; tudo está condicionado pela potencialidade
e pela capacidade de relacionar-se.
“No princípio
era a relação”,
afirmava o filósofo
Martin Buber. De fato, a pessoa existe graças à relação
e para a relação; cresce na relação e em vista da relação; amadurece e se
humaniza na relação.
Mas é na relação
que emergem nossas riquezas e nossas pobrezas humanas. Todos temos limites, bloqueios que fragilizam os laços
comunitários. É importante aceitar que existem tais limites, aprender a reconhecê-los,
ajudando mutuamente a superá-los e acolhendo aquilo que nos convida a ser mais
criativos, audazes e valentes.
A gestão das relações interpessoais exige
equilíbrio e sabedoria. A partir das limitações e fragilidades também podemos
nos encontrar com os outros. Precisamos de sabedoria para aceitar a realidade,
acolhê-la e cuidá-la, para ir transformando por dentro. Não podemos nos
conformar com a mediocridade da comunidade. Toda a comunidade é impelida a um
“mais” que brota do modo de proceder e viver de Jesus.
O sentido da comunidade cristã, portanto, é de ajuda
mútua. “Ajudar” pede um coração magnânimo, grandeza
de sonhos, de ânimo e de desejo; mas, ao mesmo tempo ela nos convida à humildade,
ou seja, abrir-nos às necessidades do outro, descer ao nível do outro,
renunciando nossos próprios critérios, modos fechados de viver...
“Ajudar” não
vai na linha do impor, senão do propor. Trata-se, isso sim, de propor com
qualidade, com firmeza, com proximidade, com compromisso pessoal. Isso requer
presença gratuita, desinteressada, centrada no bem da outra pessoa, sem criar
dependências, mas fazendo o outro crescer em liberdade.
A comunidade deve ser sacramento
(sinal) de salvação para todos. Atualmente não temos consciência dessa responsabilidade.
Passamos friamente pelos outros. Seguimos fechados em nosso egoísmo, inclusive
na vivência religiosa. A falha mais letal de nosso tempo é a indiferença. Martin Descalzo a chamou “a perfeição
do egoísmo”. Outro
a define como “homicídio virtual”. Seguramente é hoje o pecado mais difundido em
nossas comunidades cristãs.
O Papa Francisco continuamente nos
apela a passar da “cultura da indiferença” à “cultura do encontro”; sua
intenção é desmascarar a indiferença que prevalece em todos nós, a
superficialidade das relações, e buscar um encontro verdadeiro e profundo com o
outro.
Nessa
perspectiva, a comunidade é o lugar da “correção fraterna”; e o critério
para a correção não é a lei mas a presença de Jesus que está no meio da
comunidade. Quando a correção é feita a partir da lei, assumimos a posição de
juízes, rompemos a comunhão, criamos categorias de pessoas (perfeitas e
imperfeitas) e caímos no legalismo e moralismo.
Todos devem “corrigir-se”
mutuamente, tendo os olhos fixos em Jesus; no seguimento de Jesus ninguém chega
à “perfeição” a ponto de poder corrigir os outros. Por isso, a correção
fraterna é um estilo de vida que não se limita aos erros e fracassos; ela
implica em ativar mutuamente os dons e capacidades que ainda não puderam se
expressar. A presença de Jesus no meio da comunidade é sempre horizonte inspirador
para que todos cresçam na identificação com Ele. Nesse processo de crescimentos
os ritmos são diferentes para cada pessoa; não se trata de nivelar a todos mas
de respeitar os processos, as circunstâncias, as condições de cada seguidor(a)
de Jesus. A correção significa, então, estima e confiança no outro, pois ele é
muito maior que suas falhas.
Educados pela misericórdia de Deus,
todos somos chamados a exercer o ofício da “correção fraterna”, para que a comunidade
possa se revestir sempre mais do modo de ser e proceder de Jesus.
A correção fraterna, pois, não é tarefa fácil; e
isto por duas razões: em primeiro lugar, aquele que corrige pode humilhar
àquele que é corrigido, querendo realçar sua superioridade moral. Aqui temos
que recordar as palavras de Jesus: como pretendes tirar o cisco do olho do teu
irmão se tens uma trave no teu?
Em segundo lugar, aquele que é corrigido pode
rejeitar a correção por falta de humildade. Diante dessas duas razões necessita-se
de um grau de maturidade humana que não é fácil de alcançar.
No entanto, o importante não é a
norma concreta, mas o espírito que a inspirou é que deve inspirar-nos na
maneira de nos conduzir diante das rupturas das relações, visando sempre a
construção da comunidade.
Por isso, onde reina a competência
desleal, nós anunciamos a lealdade; onde reina o empenho em colocar-se acima
dos outros, nós anunciamos a igualdade; onde reina o afã da vaidade e da
aparência, nós anunciamos o serviço; onde reina a dificuldade nas relações
mútuas, nós queremos ser presenças de
acolhida; onde custa solicitar favores, nós queremos estar disponíveis àqueles
que clamam por ajuda; onde reina a
exploração, nós anunciamos a solidariedade e a luta contra a injustiça; onde
reina a indolência, a inibição, nós anunciamos e vivemos iniciativas em favor
da vida...
Texto bíblico: Mt
18,15-20
Na
oração:
A
comunidade cristã, onde você participa, é espaço instigante e inspirador, lugar
do novo e das mudanças, ambiente facilitador da autonomia e da criatividade dos
seus membros?
-
Sua presença na comunidade: colaborativa, inspiradora, confiança no outro, espírito
de serviço...?
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