“Ou
está com inveja, porque estou sendo bom? (Mt 20,15)
Sabemos
que toda parábola é um relato
provocativo, instigante, que envolve o ouvinte...
A
partir de conceitos simples, tomados da vida cotidiana e que todo mundo conhece,
a parábola projeta nossa consciência para um horizonte maior; por estar
profundamente conectada à vida, toda parábola mantém sua atualidade através do
tempo e das culturas.
O objetivo das parábolas é
substituir uma maneira míope de ver o mundo por outra, aberta a uma nova
realidade cheia de sentido; igualmente, elas ativam a olhar o mais profundo de
nós mesmos e a descobrir possibilidades ainda não conhecidas.
A parábola revela uma pedagogia que
permite não dizer nada a quem não está disposto a mudar, e a dizer mais do que
se pode dizer com palavras a quem está disposto a escutar. Quem a escuta, deve
deixar transparecer em sua presença a mensagem do relato e começar a viver de
acordo com o que foi narrado.
A
parábola, em si mesma, dá o que pensar,
pois questiona nossa maneira de ser, nos diz que outro mundo é possível e
espera de nós uma resposta vital.
Nesse
sentido, as parábolas de Jesus não foram dadas por concluídas; elas estão
sempre abertas às novas realidades dos ouvintes; por isso, não podem ser
entendidas em atitude passiva, pois elas abrem espaço para que cada um entre
nelas de maneira criativa. A parábola não é verdade fechada, mas verdade
dialogada, onde todo ouvinte deve interpretá-la com sua vida.
Em toda parábola existe um ponto
de inflexão que rompe a lógica do relato. Nessa quebra se encontra a
verdadeira mensagem. Na parábola do evangelho de hoje, a ruptura se produz no
final do relato.
É evidente que, em chave de lógica
econômica, esta parábola é estranha, fora do normal. Mas Jesus, semeador de
parábolas do Reino, sabe que há uma lógica mais alta, a do poeta criador.
Esta é a lógica da gratuidade e da
bondade do dono da vinha que se expressam no gesto generoso de pagar a mesma
quantia para os trabalhadores que foram chamados em diferentes horários do dia.
O contexto da parábola é a
controvérsia de Jesus com as autoridades judaicas por sua contínua relação com
pessoas de duvidosa reputação como os publicanos, pecadores, enfermos,
crianças, pagãos e mulheres. Precisamente aqueles que eram considerados impuros
e, portanto, excluídos do círculo de santidade.
Com
a parábola do dono da vinha que
contrata trabalhadores, Jesus não pretende dar uma lição de relações
trabalhistas. Qualquer referência a esse campo não tem sentido. Jesus fala da
maneira de comportar-se de Deus para conosco, que está para além de toda
justiça humana. Ele nos desafia a entrar em sintonia com esse modo de agir
original e gratuito de Deus, contrário à nossa mentalidade utilitarista. A
partir dos valores de justiça que manejamos em nossa sociedade, será impossível
entender a parábola.
O proprietário daquela vinha tinha
uma estranha forma de organizar sua empresa agrícola; não parecia se importar
muito com o dinheiro que investia na mão de obra. A relação entre diária e
tempo trabalhado não se ajusta aos cânones empresariais do nosso mundo capitalista:
não havia feito nenhum MBA em “racionalização de recursos humanos”, “índices de
produtividade” ou “salários mínimos, máximos benefícios”... Incompreensível sua
atitude: pagou a todos igualmente sem valorar tempo e trabalho realizado.
A
partir da lógica humana, não há nenhuma razão para que o dono da vinha trate
com essa deferência ao trabalhador de última hora. Por outra parte, o
proprietário da vinha atua a partir do amor
absoluto, coisa que só Deus pode fazer. O que a parábola nos quer dizer é
que uma relação de “toma lá e dá cá” com Deus não tem sentido. O trabalho na
comunidade dos seguidores de Jesus deve fundamentar-se no modo de agir de Deus
e ser totalmente desinteressado.
O sistema religioso do tempo de Jesus
centrava a prática religiosa no mérito e no pagamento. A salvação se havia
convertido num mercado de compra e venda. Jesus questiona a fundo esta
mentalidade que tanto mal fez ao povo. A salvação
é dom gratuito de Deus. E a graça, que é sempre surpreendente, tem a ver com o
amor misericordioso. Deus não maneja nossos esquemas contábeis de rendimento e
lucros. Para Deus, tanto os primeiros como os últimos são objeto de seu imenso
amor e misericórdia.
Na
realidade, o que está em jogo na parábola é uma maneira de entender a Deus,
completamente original. Tão desconcertante é esse Deus de Jesus que, depois de
vinte séculos, ainda não o temos compreendido. Continuamos pensando em um Deus
que retribui a cada um segundo suas obras. Uma das travas mais fortes que
impedem nossa vida espiritual é crer que podemos e temos que merecer a
salvação.
O
dom total de Deus é sempre o ponto de partida, não algo a conseguir graças ao
nosso esforço.
O
caminho de cada pessoa é saber-se filho (a) de Deus e comprometer-se na
construção do Reino, sendo este um caminho de conhecimento que dura toda a
vida. Uns tem o privilégio de compreendê-lo ao amanhecer; outros, no meio da manhã,
dão-se conta de que estão sendo chamados; e ainda ao cair da tarde, uns quantos
mais entendem que são enviados; por fim, ao anoitecer, todos receberão o
pagamento pela sua entrega, seu esforço e sua confiança em Deus.
Considerando
o denário da parábola como o amor
total de Deus, que não pode ser fragmentado, que não faz distinções e que não
considera ninguém como forasteiro ou excluído, é preciso e urgente colocá-lo em
circulação como “moeda única mundial”.
O amor de Deus não se fraciona como o dinheiro. Ele é total; paga sem
importar-lhe quando as pessoas se deram conta de sua presença. No amor
misericordioso de Deus estão implícitas a justiça e a alegria. E a justiça aqui
significa “ajustar-se
ao modo de agir de Deus”.
Se sairmos de nossos esquemas e
entrarmos em sintonia com o modo de agir de Deus, não teremos dificuldades em
entender a estranha maneira d’Ele realizar os pagamentos; também nós passaremos
a desejar aos nossos irmãos aquilo que Deus sempre desejou: que todos
compartilhem igualmente do seu amor surpreendente, superando a estreita visão
do mérito e da recompensa; também vibraremos de alegria quando aqueles que, ao
cair da tarde, vierem se integrar à nobre missão de construtores do Reino e
receberem o único pagamento possível: o denário
do Amor de Deus.
Não
percamos tempo pensando e esperando ingenuamente que o FMI ou qualquer outro
organismo financeiro vá interessar-se por esta mudança de moeda, já que ela nem
é cotada nas bolsas, nem é protegida em paraísos fiscais, nem flutua seu valor
conforme convenha a quem move os fios financeiros.
O
denário da parábola é cotado no
coração humano e quem compreende seu valor quererá compartilhá-lo com cada
pessoa que habita este mundo, começando pelos que “ao cair da tarde” estão
parados: refugiados, enfermos, excluídos, crianças sem acesso à educação nem
atenção sanitária, anciãos que não podem ter uma velhice digna e feliz junto às
suas famílias, imigrantes, jovens sem futuro enredados pela violência,
profissionais que não podem exercer o que sabem... São tantos os que aguardam!
Quando conseguirmos a “mudança de
moeda” em nosso coração, estarão em alta valores como a paz, a tolerância, a
fraternidade, o equilíbrio entre a natureza, a justa satisfação das
necessidades...
O amor será a única “moeda” aceita por todos; o amor será o único
meio para fazer que as diferenças caiam, as distâncias desapareçam, os erros se
emendem e a violência se extinga, o perdão sane e o abraço reconforte... Está
em nossas mãos a possibilidade e a esperança de concretizar tudo isso.
Texto bíblico: Mt
20,1-16
Na oração:
“Por que afligir-se em
comparações? Não queira ser o melhor, se certamente não é o pior.
Contente-se por
ser diferente na missão que recebe para que algo em você passe a enriquecer os
outros.
Deixe-se
acompanhar pela eterna surpresa e, encantado, exercite a divina criatividade” (Frei
Cláudio)
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