Apresentamos a seguir o texto do Pe. Adroaldo Palaoro, sj (Diretor do Centro de Espiritualidade Inaciana -CEI), como sugestão para rezar o Evangelho do Terceiro Domingo do Advento - Ano Litúrgico (Ano C), preparando-nos para as festividades do Natal.
“As multidões perguntavam a João: ‘que devemos
fazer?’” (Lucas 3,10)
Na iminência da vinda do Messias,
os que se deixam envolver pela pregação do Batista lhe pedem normas de
comportamento. Estas poderiam ser resumidas numa palavra: humanismo, ser gente.
Novamente, estamos acostumados
demais a estes textos, impedindo-nos de descobrir sua novidade. Mas, o normal
que se esperaria do profeta e asceta como o Batista, seria: exercícios de
penitência, jejum e cilício.
No entanto, o Batista tem as ideias
muito claras; não propõe às pessoas acrescentar às suas vidas novas práticas
religiosas, não lhes pede que fiquem no deserto fazendo penitência, não lhes
fala de novos preceitos. É preciso acolher o Messias, olhando atentamente e
comprometendo-se com os necessitados.
Em outras
palavras: viver a partilha; para os fiscais de imposto, serem honestos; para os
soldados, não devem molestar as pessoas e contentar-se com seu soldo.
Ser humano: esta é a exigência do momento
quando o Reino de Deus acontece no meio de nós.
Nesta terceira semana do Advento os sinais se
tornam mais concretos: é preciso abrir-se à alteridade para viver a partilha,
sair do estreito círculo do “meu”, para que o instinto de posse deixe passagem
à liberdade de preferir o bem maior da relação: oportunidade de humanizar nosso
louco consumismo, fazer-nos mais sensíveis ao sofrimento das vítimas, crescer
em solidariedade prática, denunciar os desmandos na gestão da coisa pública,
ativar a força da compaixão...
Essa será nossa
maneira de acolher com mais verdade o Messias em nossas vidas.
O Advento nos torna flexíveis, atentos às inspirações do Espírito; é
um estado de alerta, de escuta e de uma grande atenção em relação à realidade
que nos cerca, buscando ser presença que ajuda, que eleva e que salva quem está
em situação de necessidade. O Advento revela a natureza humana verdadeira,
quando esta não está entulhada pela ilusão e pelo ego; é des-centrar-nos,
desfazer-nos de tudo aquilo que acreditamos ser, para que somente fique em nós
o que é próprio de Deus.
Viver em “estado
de mobilidade expansiva” é sair de nossos hábitos, sair do conhecido.
Se entrarmos nessa aventura, nossa vida será virada pelo avesso e completamente
questionada.
O Advento é o que diz “sim” em nós: sim à vida, sim ao
compromisso, sim à compaixão...
É necessário que descubramos em
nosso interior, o sim mais profundo;
ativá-lo para que nossa vida cresça em humanidade e alargue nossa capacidade de
sair e caminhar para além de nós mesmos.
O sim interior deve ser uma
irradiação de todo o nosso ser.
Quando o impulso para o além,
para a transcendência nos habita, tudo se torna sagrado, nossos olhos se tornam
contemplativos e se fazem mais oblativos, movendo-nos em direção aos outros.
Podemos dizer
que o Advento, quando carregado por uma expectativa de Alguém que vem ao nosso
encontro, destrava nosso coração, mãos e pés: coração cheio de compaixão e ternura; mãos que curam, cuidam, abençoam... e pés que nos arrancam de nossos lugares estreitos e nos deslocam em
direção às margens, para junto dos pobres e excluídos.
Uma pessoa
marcada pela vivência do Advento não é aquela que, por medo, se distancia do
mundo, mas é aquela que, movida por uma radical paixão, desce ao coração da
realidade em que se encontra, aí se encarna e aí deixa transparecer o rosto da
velada presença do Inefável. Isso significa uma maneira diferente e original de
ser presença na realidade, dividida e conflituosa.
A espera do Messias não é
passiva; ela se revela na saída de si mesmo, des-centrar-se para entrar em
sintonia com o outro, sobretudo os mais necessitados.
A espera implica um “modo de
proceder” aberto e expansivo...
Também na vivência cristã somos
contaminados pela cultura do imediatismo e do ativismo; somos
vítimas ingênuas de uma competitividade que nos é imposta e que nos exige
desumanamente; com isso, o desejo de ajudar e de servir
ficam soterrados pelo esgotamento, pela descrença e pelo desgaste profundo.
Há uma doença
terrível e mortal que nos afeta a todos: a “compulsão prática”
(popularmente conhecida como “fazeção”) ou seja, preocupação sem
medida com o “fazer”. Com a chegada do “utilitarismo”, a pessoa passou a
ser definida pela sua “produção”: a identidade é engolida pela “função”.
E isto se tornou tão enraizado nela que, quando alguém lhe pergunta “quem
ela é”, responde imediatamente o “que ela faz”.
Estamos
mergulhados na cultura de resultados. A existência inteira faz-se
maquinal e rotineira; já não encontramos mais “tempo”
para desfrutar das atividades mais simples e humanas.
Sentimo-nos
invadidos por ruídos, pressas, atropelos, ansiedade, resultados imediatos,
vivências superficiais... Sem uma unidade interna e sem uma direção.
Vivemos uma quantidade de experiências rápidas,
amontoadas, sem possibilidade de avaliação... e vamos perdendo, pouco a pouco,
a história pessoal e comunitária. Com isso, nosso “modo de viver”
torna-se rotineiro, pesado, carregado de desencanto..., nos tornamos medíocres
e nos acomodamos na passividade.
Nossas
ações e nosso serviço se esvaziam, tornam-se “insensatos” (sem sentido, sem
inspiração e sem motivação: “para quê?” “para quem?”); fazemos coisas que não
faríamos se pudéssemos tomar distância e discernir a respeito do que estamos
fazendo. Tudo isso nos faz viver à margem de nós mesmos, na superficialidade...
sem poder captar o “mistério” escondido em nosso interior, nos
outros e nas criaturas.
É neste contexto dramático e
perigoso que devemos situar o lugar e o sentido do Advento, fonte primordial de inspiração do novo, de sentido
evangélico de nossa ação, de esperança ousada... Como um modo de ser, uma
atitude de base a ser vivida em cada momento e em todas as circunstâncias.
O Advento é a
contra-corrente do ativismo. Se, de um lado, o ativismo nos
arrasta para a repetição e a conservação, de outro lado, a espiritualidade
do Advento nos impulsiona para a busca, a criatividade, a ação discernida... Visando o “maior e melhor serviço”.
Devemos habitar um mundo onde a interioridade
faz a diferença, ou seja, onde as pessoas se definem por suas visões,
paixões, esperanças, sonhos, imaginação criativa...
Texto
bíblico: Lucas 3,10-18
Na oração:
A
realidade cotidiana (casa, comunidade, trabalho, militância, relações...) é o
“lugar” onde somos chamados a viver o Advento e a deixar-nos conduzir pelo mesmo Espírito que animou João
Batista, o levou a mergulhar na trama humana e a assumir o risco do
compromisso.
- Contagiar os outros com a nossa
esperança: esta é a disposição de uma “Igreja em saída” e que não aguarda numa
sala de espera.
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