“Olha que teu pai e eu estávamos,
angustiados, à tua procura” (Lucas 2,48)
Os laços de sangue e o ambiente amoroso e
afetivo, próprios de uma família, deveriam ser pontos de apoio para aprender a
sair de nós mesmos e ir ao encontro dos outros, com nossa capacidade de comunhão
e de serviço. As relações familiares
deveriam ser espaço de humanização e nos motivar a não nos deixar
determinar pelo nosso individualismo e egoísmo. Se na família superamos a
tentação do egoísmo amplificado, aprenderemos a tratar a todos com a mesma
humanidade.
Não nos deve assustar o fato de que a família, hoje, esteja em crise. O ser
humano está sempre em constante evolução; se assim não fosse, já teria
desaparecido há muito tempo.
Com o Evangelho da Infância na
mão, devemos buscar dar resposta aos problemas que a família hoje apresenta. A
Igreja não deve esconder a cabeça na areia e ignorá-los ou continuar acreditando
que isso se deve à má vontade das pessoas.
Como cristãos, temos a obrigação
de fazer uma séria autocrítica sobre o modelo de família que encontramos hoje.
Jesus não sancionou nenhum modelo, como não determinou nenhum modelo de
religião ou organização social. O que Jesus revelou não faz referência às
instituições, mas às atitudes que os seres humanos deveriam ter em suas
relações com os outros.
Não basta defender de maneira abstrata o valor
da família. Tampouco é suficiente imaginar a vida familiar segundo o modelo da
família de Nazaré, idealizada a partir de nossa concepção da família
tradicional. Seguir a Jesus, às vezes, pode questionar e transformar esquemas e
costumes muito enraizados em nós. A família não é para Jesus algo absoluto e
intocável. Mais ainda. O decisivo não é a família de sangue, mas essa Grande Família que, nós seus
seguidores, devemos ir construindo, escutando o desejo do único Pai-Mãe de
todos.
O Evangelho de hoje deixa claro
que Maria e José tiveram de aprender isso, não sem problemas e conflitos. Seus
pais “não compreenderam as palavras que lhes dissera”. Só aprofundando em suas palavras e em seu comportamento
diante de sua família, descobrirão progressivamente que, para Jesus, o primeiro
é a família humana: uma sociedade mais fraterna, justa e solidária, tal como o
Pai deseja.
Iniciado no templo de Jerusalém, o evangelho da Infância
também se encerra neste ambiente, que é o coração espacial da encarnação. De
fato, como dirá Jesus na sua última entrada na cidade santa, as pedras de Jerusalém
gritam.
É a primeira
iniciativa independente e consciente do adolescente Jesus: Ele está cortando muitos
vínculos com um só gesto; não pede permissão aos seus pais, pois vive em
sintonia profunda com o Pai.
À medida que Jesus vai crescendo em idade, cresce
também nele a consciência da sua relação com o Pai celeste. E, a partir dela, toma decisões por sua conta, sem
consultar seus pais terrenos; decisões que não os surpreendem, mas que os fazem
sofrer. O filho é um mistério para a
mãe.
Embora feita com todo o carinho
de um coração de mãe, a pergunta de Maria – “Meu filho, porque agiste
assim
conosco?”- mostra
sua perplexidade diante do comportamento de Jesus.
É a segunda estadia
de Jesus no templo, depois da visita da circuncisão.
Trata-se do seu
ingresso oficial na comunidade hebraica, inaugurando sua maioridade.
É nessa ocasião que
Jesus pronuncia as primeiras palavras registradas pelos evangelhos. E a primeira palavra, na prática é “Pai”,
dirigida a Deus; “Pai” será também a última
palavra pronunciada por Jesus, ainda em Jerusalém, mas no novo templo do
Calvário: “Pai, em tuas mãos entrego meu
espírito” (Lc. 23,46).
Jesus voltará a Jerusalém outras vezes; aí vai morrer e
ressuscitar, porque Jerusalém é o sinal da vida e da morte, das lágrimas e da
beleza, do sangue e da luz.
Em Jerusalém, Jesus encontrara alegria e
dor, morte e vida, acolhimento e rejeição;
Jerusalém é a cidade da história
humana e da história salvífica: lá está a “casa” do templo, a “casa”
do Senhor, e a “casa” da dinastia de Davi, da qual descende o Cristo.
Nas primeiras palavras de Jesus temos a
afirmação condensada do que será a sua vida, a revelação do seu mistério mais
profundo. A relação com o Pai é, com
efeito, a que determina todas as suas atitudes e ações.
Para Jesus é uma “necessidade”
realizar na história concreta de sua vida o desígnio salvífico do Pai. Ela tem
uma prioridade absoluta. Sobrepõe-se a todos os outros deveres, inclusive ao
dever sagrado da piedade para com os pais.
Porque não se pertence a si
mesmo, Jesus também não pertence a seus pais terrestres.
Ele – sua pessoa, sua vida e sua
missão – pertencem inteiramente ao Pai.
Estas primeiras palavras de Jesus
nos revelam onde está o centro de sua identidade e de sua missão: na sintonia e na comunhão com o Pai.
Na “perda
e encontro” de Jesus no Templo se condensa toda sua vida, que é buscar
a Vontade do Pai.
Mas Jesus não é
somente este jovem que decide “perder-se” no templo; é todo cristão que busca a
Vontade de Deus; somos todos nós, convidados a “perder-nos” na busca de
Deus, de seu Reino, da missão que Ele tem reservada para nós.
Hoje só há uma condição para
poder entrar em sintonia com o coração do Pai: sentir-se “perdido”, como Jesus, buscando o bem dos demais, o serviço da
Igreja, do Reino de Deus... Diferentes maneiras de expressar nosso chamado a servir.
Hoje, certamente Jesus não
se “perderia”
nos Templos (tão vazios) mas nos grandes centros, nos grandes shoppings, onde
estão os novos sacerdotes, sem história e sem futuro, fazendo sacrifícios nos
grandes altares do consumo. Ali poderíamos encontrá-Lo arguindo sobre a
humanidade, criticando-os por fazer destes lugares um templo fechado, um
verdadeiro bunker, um mercado de privilegiados, que fecha as portas aos irmãos
mais pobres e necessitados.
Igualmente, Ele se “perderia”
buscando os filhos do Pai abandonados à sua sorte, excluídos, perdidos nas ruas
fedidas, explorados nos lugares de trabalho e sem nenhum tipo de segurança
social.
Hoje Jesus se “perderia”
de novo em nossas peregrinações, se perderia
nos “novos templos”. E é ali onde podemos encontrá-Lo. É a partir dali
que Ele nos convida a encontrar a vontade de Deus nos imigrantes, nos
excluídos, nos irmãos e irmãos que arriscam tudo para dar vida, uma vida, às vezes
mínima, sem privilégios, nem extras, para que suas famílias vivam com um mínimo
de oportunidade.
Texto bíblico: Lucas
2,41-52
Na
oração: Para
inverter a “solidão desumanizante” na qual muitas famílias estão mergulhadas, é fundamental “re-tecer
vínculos”. Para
isso é preciso re-aprender a dizer e a ser “nós”, sem que ninguém
fique sobrando. E, na família, há espaços onde isto se pode viver, fazer
visível e viável.
Somente
uma vivência familiar humanizada nos capacita para construir “comunidades
de solidariedade”.
- Usando a imaginação,
coloque sua família junto à Família de Nazaré: há aspectos comuns? Discrepantes?
- O que é preciso ativar
para que sua família seja o rosto visível da Família de Jesus?
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