“Isto vos servirá de
sinal: encontrareis um recém-nascido envolvido em faixas e deitado numa
manjedoura” (Lucas 2,12)
“Jesus Cristo é o rosto
da misericórdia do Pai”. Frase de abertura da
Bula “Misericordiae Vultus”, onde o Papa Francisco motiva toda a Igreja a
celebrar o Jubileu da Misericórdia. E a festa natalina é uma ocasião
privilegiada para o encontro com a Misericórdia
de Deus que se tornou viva, visível e atingiu sua máxima revelação no rosto
de uma Criança.
Neste Natal o convite é
claro: abrir as portas da misericórdia para acolher uma Criança inocente, mansa
e misericordiosa. É ela que ativará a faísca da misericórdia presente no
interior de cada um de nós. Natal é Misericórdia
que se expande, envolve toda a Criação e nos move a sermos mais ternos e
humanos.
Ao aproximarmos de Belém para olhar e contemplar o rosto
do Menino-Deus, acessaremos, ao mesmo tempo, o mais profundo do coração humano,
carregado de misericórdia e bondade.
A misericórdia humana é uma
faísca divina que pode se atrofiar, jamais se apagar. São necessários alguns
momentos densos para que esta chama seja ativada. A vivência do Natal é um
deles.
Em Belém
somos pacificados de nossas ansiedades e pressas de fazer mais e de conseguir
mais, de nossa sede de poder e de vaidade; e se permanecemos em silêncio ali,
diante da manjedoura, brotará em nós um desejo profundo de sermos mais humanos,
de sermos aquilo que já somos, refletido no rosto aberto daquele Menino; ao
mesmo tempo, brotará um desejo de venerar cada ser humano, de contemplá-lo em
seu interior, esse lugar ainda não profanado em cada pessoa, o lugar de sua
infância e de sua paz.
No momento em que o Verbo de Deus assume um rosto,
todo ser humano chega à plenitude de sua realização: entra em comunhão com o
Infinito e recebe uma dignidade infinita.
“Deus se humanizou”: tal expressão revela que a Misericórdia de Deus significa também ternura.
Apareceu
um Menino: apareceu a ternura e a doçura do Deus que salva. No rosto de uma
criança se faz visível a Misericórdia que desce sempre mais abaixo, que nasce
no ventre da terra e se faz terra fértil.
A verdadeira Misericórdia sabe desta ternura e desta reverência diante do outro;
não é unicamente uma qualidade do modo de ser de Deus, senão o Ser mesmo que Ele
é. É o que se entrega, amorosa e delicadamente, e que para isso desce sempre
mais abaixo, nos extremos da condição humana.
Misericórdia carregada de humanidade:
possibilitadora de tudo o que existe, discreta presença expansiva que ilumina
todas as expressões de vida, Rosto que des-vela todos os rostos e a todos
dignifica.
Abrir-se à dinâmica da ternura
parece ser a grande aspiração de nosso tempo, marcado pela frieza nos relacionamentos,
pelo preconceito que cria barreiras, pela prepotência que alimenta violências.
Somos ternos quando nos abrimos à
linguagem da sensibilidade, entrando em sintonia com as alegrias e dores do
outro; somos ternos quando reconhecemos nossa fragilidade e entendemos que a
força nasce da partilha do alimento afetivo com os outros; somos ternos quando
acolhemos a diferença que nos enriquece; somos ternos quando abandonamos a
lógica da violência, protegendo os nichos afetivos e vitais (grutas) para que
não sejam contaminados pelas exigências da competição e produtividade.
Este é o convite insistente do
Natal: marcados pela ternura de Deus, viver misericordiosamente.
Na noite do Natal, a Misericórdia
“desce”
aos rincões da humanidade; uma intensa Luz brilha no interior da gruta e nos
convida a olhar contemplativamente todo o universo e descobrir o significado do
mundo. “Deus se fez
mundo, a misericórdia se faz carne”.
A contemplação do Nascimento
de Jesus nos impulsiona a fazer a travessia para o interior de uma Gruta: ali o Grande Mistério da
Misericórdia se faz visível e revelador do sentido da existência humana.
Trata-se de “entrar” nela com suavidade, de
percebê-la e fazê-la descer até o coração, de convertê-la em matéria de
consideração e oração silenciosa e surpreendida.
A contemplação desse Menino na Gruta revela que
Deus, na sua Misericórdia, assumiu a aventura humana desde seus começos até
seus extremos. Deus se fez “tecido humano”, revestiu o ser humano de sua
própria glória, plenificou-o de sentido e de finalidade. No nascimento de Jesus
é revelada a grandeza, a dignidade, o mistério inesgotável do ser humano. Nossa
humanidade foi divinizada pela “descida” de Deus. “Sendo
rico, Cristo se fez pobre para que nós participássemos de sua riqueza” (2Cor.
8,9).
Tudo isso é Deus na nossa carne quente e mortal. Um
Deus que “adentrou” na humanidade e de onde nunca mais saiu; um Deus que agora
pode ser buscado em nossa interioridade e em tudo o que é humano. Na pobreza,
na humildade da própria história pessoal, inserida na grande história da
humanidade, torna-se possível acolher o dom da Misericórdia de Deus visível na
Criança de Belém.
“Em uma carne espiritual calosa, fossilizada,
endurecida, Deus não pode vibrar. Deus vibra sempre no terno. O Natal evoca em
nós aquele menino que fomos e aquela criança na qual, quando sonhamos, ainda
captamos a presença de Deus... O menino é um olho aberto e maravilhado diante
desta Presença”
(A. Olivier).
A publicidade dos meios de comunicação, as
cadeias de televisão vão nos impondo olhos para ver o de cima, o que conta, o
que vale, o que impera. Enquanto que Belém arrasta nossos olhos para baixo, nos
convida a olhar para o que não aparece, o que não conta, o que quase não se vê.
Em tempos de deslocamentos
forçados para milhões de seres humanos, na era da tecnologia e da comunicação
virtual, somos convidados a olhar o “reverso” da história para encontrar
salvação, buscá-la sob o signo da debilidade em um entorno prepotente. O Natal nos aponta para o pequeno, o
último... Nos faz dirigir o olhar para a periferia, onde o coração de Deus armou sua tenda.
Deus pode ser encontrado não na
estrada suntuosa do domínio e do poder, mas na estrada da doação, da partilha,
da solidariedade... A única explicação da “descida” de Deus é sua “misericórdia
compassiva”.
A indigência e a fragilidade da
humanidade atrai a plenitude da ternura
e da graça de Deus. No Verbo feito homem nos é revelada a
grandeza, a dignidade, o mistério inesgotável de todo ser humano.
Texto bíblico: Lucas
2,1-14
Na oração: A cena do Nascimento
de Jesus pede tempo, presença, assombro... Para deixar-nos
afetar por ela.
- descer aos
rincões interiores com a luz do Nascimento de Jesus; abrir espaço para que a
luz chegue até os recantos mais escondidos; “nas
cavernas interiores está escondido nosso verdadeiro tesouro”;
- nós nos
humanizamos ao mergulhar na humanidade de Jesus.
Humanizando-se,
Jesus desatou todas as possibilidades humanas presentes em cada pessoa.
Que a
celebração do Natal faça emergir o que há de mais “humano” em cada um
de nós.
Um
“humano Natal” a todos.
Pe.
Adroaldo Palaoro, sj
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