quinta-feira, 29 de agosto de 2024

Coração compassivo, mãos oblativas

Texto do Pe. Adroaldo Palaoro, sj como sugestão para rezar o Evangelho do 22º. Domingo do Tempo Comum (Ano B).

 “Este povo me honra com os lábios, mas seu coração está longe de mim” (Mc7,6)

O relato do evangelho deste domingo se abre com a apresentação dos personagens. Jesus aparece como ponto de referência frente a dois grupos de indivíduos (“os fariseus e alguns mestres da lei”), representantes do poder religioso oficial, ou seja, grupos de piedosos que exerciam uma pressão religiosa sobre o povo em sua pretensão de submetê-lo a uma existência marcada pelo rigorismo religioso e pelo legalismo.

Como se explica esse fenômeno do farisaísmo religioso, tão frequente também entre nós? Estamos falando da eterna tentação, de ontem e de hoje: apresentar-se em nome de Deus para impor pesados fardos sobre as pessoas, ameaçando-as e impedindo-as de viver com mais leveza. Segundo o Papa Francisco, trata-se do terrível “poder de consciência”, exercido por autoridades religiosas, e que são profundamente manipuladoras e destruidoras da verdadeira identidade das pessoas. Na verdade, percebemos nas comunidades cristãs um florescer de práticas devocionais vazias, ritos estéreis, normas inúteis..., que só alimentam medo de Deus e culpa doentia.

Quando a religião (no sentido original de “re-ligar”) se transforma em culto vazio, em palavras ocas que são levadas pelo vento, em simples rotina..., esvazia-se a vida, fragiliza-se o compromisso com o outro e se distancia do verdadeiro Deus revelado por Jesus. De fato, para o Mestre de Nazaré, “Deus é leve”, não complica a vida humana com mais cobranças e ameaças; basta ser transparência do Seu Amor.

Aqui está a chave para compreender o conflito de Jesus com os homens mais religiosos e observantes de seu tempo. Tal conflito se centrou em questões relativas à imagem de Deus, ao caráter absoluto das leis e normas religiosas, descendo inclusive até às chamadas “normas de pureza”. De um modo esquemático, o conflito poderia resumir-se nestas contraposições: a gratuidade frente ao mérito; o valor da pessoa acima da lei; o cuidado da interioridade frente à absolutização das tradições.

De um lado, encontramos o “ritual” e o “sagrado” como componentes essenciais da religião dos sacerdotes, fariseus e mestres da lei; de outro, encontramos nos evangelhos que o central na vida e na mensagem de Jesus não foi nem o “ritual”, nem o “sagrado”, mas o “humano”. O centro da mensagem e da atividade d’Ele não estava no templo, nas observâncias das normas e leis, na preservação da tradição religiosa..., mas na saúde dos enfermos (curas), na alimentação das pessoas (refeições), nas sadias relações humanas.

Jesus viu claramente que a religião dos ritos e do sagrado (com seus poderes, privilégios e dignidades) gerava exclusão, culpa, medo... Tal realidade era o impedimento mais imediato e mais forte para as pessoas entenderem e viverem o que significava o “Reinado de Deus”.

O Evangelho deste domingo nos situa, portanto, diante desta desumana realidade provocada por uma falsa compreensão da religião. Para Jesus, nada do que vem de fora contamina o ser humano. Isso significa que toda pessoa possui uma interioridade impoluta e resguardada, que nada nem ninguém de fora poderá destruir. No mais profundo de cada ser humano há um “sacrário”, dotado de recursos e beatitudes originais que não podem ser alcançados pela “mancha” externa do legalismo e do moralismo. Dessa forma, Jesus declara o valor absoluto da pessoa humana como portadora de valores que ninguém poderá atingir.

O que mancha a pessoa é o que sai de dentro dela. Ninguém pode manchá-la, mas ela pode manchar-se a si mesma, porque “é” um ser de coração do qual brota o bem, a verdade, o amor..., mas pode brotar também o mal, o ódio, a intolerância... O ser humano é um “ser interior” que pode desenvolver-se de forma criativa, mas também de maneira destruidora. Esta é a maior revelação de Jesus, que anuncia o Deus que quer salvar a todos, mas a partir do lugar da verdadeira interioridade. O que decide o ser humano é o coração; se este estiver petrificado, é preciso arrancá-lo e colocar em seu lugar um coração de carne, capaz de crer e amar.

Este “princípio da interioridade”, indicado por Jesus, é que define e marca a novidade do evangelho; por isso, como Libertador, empenha-se por livrar as pessoas de tudo aquilo que lhes podia oprimir e destruir a vida. Jesus interpreta a pureza ou impureza como realidade que brota do coração e, dessa forma, devolve ao ser humano sua autoria, sua autonomia. A missão da verdadeira religião é facilitar para que homens e mulheres sejam autônomos na linha do bem, que ativem seus recursos internos, que sejam livres no compromisso e no serviço da vida dos outros.

Nenhuma religião pode ter a pretensão de anular a consciência das pessoas. Seria um fatal erro atrofiá-la com ritualismos, preceitos e normas, impedindo a manifestação da voz de Deus, única e original, no interior de cada um.

Despertar essa consciência é a tarefa de todo ser humano para chegar à plenitude de seu próprio ser. Daqui nasce a verdadeira sabedoria, unindo mente e coração. Nessa proximidade de Deus, que habita em nós e nos conecta com o universo, se forja nossa verdadeira identidade de filhos(as) d’Ele e irmãos(ãs) de todos. Quando conectamos com esta realidade interior toda nossa vida se equilibra e adquire sentido. Esbarramos na fonte não contaminada e que nos humaniza.

Nós vivemos a fé dentro da religião cristã, com raízes judaicas. A fé é nossa adesão de coração a um Deus que nos cria e nos ama, a um Pai que nos salva em seu Filho. Sem essa experiência fundante, nossa religião torna-se vazia, fica restrita a uma aparência vistosa, sujeita a manipulações de todo tipo.

Quanto “farisaísmo” há em nossos costumes cristãos! Quanto ritualismo, tradição, conservação e normas sem sentido! Quando perdemos a relação com a pessoa de Jesus Cristo tudo se converte em doutrina e ritualismo que nos conduzem a uma religião intimista e egóica. O que vem depois se enche de pré-juizos, julgamentos e sentenças. Esquecemos a medida do amor de Deus para impor a nossa medida moralista, excessivamente pobre, egoísta e insensata. Isso atenta contra nós mesmos e envenena as relações sadias que deveriam sustentar nossa vida.

O texto de Marcos nos situa, portanto, diante de duas maneiras opostas de entender e viver a religião: a estéril (ou perniciosa), que coloca a lei acima das pessoas, e a de Jesus, centrada no compromisso com os mais pobres e excluídos. Esta dicotomia na forma de entender a religião acontece em todos as épocas e culturas da história; por isso, a religião tem sido a mediação que fez emergir tanto o melhor quanto o pior da humanidade; ela tem possibilitado o surgimento de experiências sadias e profundas como também tem gerado tantas “doenças” nas pessoas, provocadas pela culpa e pelo medo.

Uma religião absolutizada, carregada de normas, leis, penitências, tradições... se faz indigesta e provoca automaticamente rejeição nas pessoas mais livres, lúcidas e abertas; estas se rebelam contra a imposição, o autoritarismo e qualquer pretensão exclusivista. E, na medida em que as pessoas crescem em espírito crítico, descobrem com facilidade que, detrás da fachada de solenidade com a qual muitas “autoridades religiosas” costumam se apresentar, se esconde uma incoerência humana que elas mesmas condenam. Jesus as chama de “hipócritas” e os desmascara porque manipulam Deus e usam da religião em proveito próprio.

Como cristãos, somos seguidores(as) de um Homem tremendamente livre diante das leis, das tradições, dos ritualismos..., pois o centro de sua missão está em despertar a vida e vida em plenitude. Suas palavras e seus gestos ousados despertam em nós uma atitude de sentinela diante deste “vírus” de aparência inofensiva, que entra em nós sob a forma de mero cumprimento de leis e sai com uma pesada carga de julgamento, de imposição, de condenação e controle sobre aqueles com quem convivemos. Um vírus antigo e contagioso, uma “Covid do espírito”.



Texto bíblico: Evangelho segundo Marcos 7,1-8.14-15.21-23

Na oração:

Reze tuas “mãos”. Tuas mãos... sacramento de Deus, pois tornam presentes e visíveis as mãos d’Ele.

Tens no coração o Amor de Deus. A força que te leva a amar o outro como Deus o ama. Serás a mão amiga de Deus, tua mão terna e carinhosa, tua mão forte e libertadora, tua mão criadora de vida, tua mão generosa que protege e cuida a vida.

Mãos para unir, criar, curar, abençoar... como as de Jesus.

Mãos abertas para compartilhar. Mãos que não retém o que o irmão necessita. Abrir a mão, abrir o coração, abrir as entranhas de misericórdia. Caminhas tu pela vida com tuas mãos abertas?

quarta-feira, 21 de agosto de 2024

Provocativas palavras

Texto do Pe. Adroaldo Palaoro, sj como sugestão para rezar o Evangelho do 21º. Domingo do Tempo Comum (Ano B).

“Esta palavra é dura. Quem consegue escutá-la?” (Jo 6,60)

O ser humano precisou de milhares de anos para desenvolver um sistema de comunicação tão complexo como a escrita e a palavra que manejamos hoje em dia, muito provavelmente, como parte de sua busca de transcendência, de seu interesse por deixar pegadas, por sobreviver em sua memória. Essa memória falada e escrita, pessoal e coletiva, é riqueza para continuar avançando. Somos o que somos pelo que falamos e pelo que escrevemos.

As palavras, por sua natureza, são ambíguas; podem brotar das profundezas mais sadias de nosso ser (palavras de vida) ou das regiões mais petrificadas e fétidas de nosso interior (palavras de morte); com elas nos humanizamos ou nos desumanizamos; através da palavra criamos ou destruímos, nomeamos ou eliminamos. Com a palavra podemos estabelecer um diálogo construtivo ou envenenar toda possibilidade de encontro e acolhida. As palavras elevam e afundam, constroem e destroem. Com elas se movem os sentimentos, os corações, as vontades. Podem ser usadas para formar ou deformar, para informar, manipular ou coagir. As palavras reforçam e fazem o outro sentir forte ou aumentam a fragilidade e o sentimento de vulnerabilidade. As palavras aproximam as pessoas construindo pontes ou afastam construindo muros e abismos. As palavras podem ser um canto que embeleza e estimula o coração ou podem provocar consequências devastadoras nas relações.

Com as palavras acompanhamos o outro em processos de pacificação e reconstrução de si mesmo, ou alimentamos o rancor e o ressentimento. Com pouco arsenal, as palavras são uma arma com imenso poder de destruição como as “fake News”, o ódio, a intolerância e o preconceito.

Hoje as palavras estão se enfraquecendo cada vez mais, feridas de morte. Palavras como participação, ética, democracia, povo, liberdade, amor, justiça... são usadas e abusadas tanto, conferindo a elas significados tão diversos, dispares e interessados que terminam convertendo-se em meros fetiches, palavras infladas e ocas, sem nada dentro. Quê quantidade de palavras costumamos dizer para, em muitas ocasiões, não dizer nada!

Vivemos cercados por uma aluvião de palavreado crônico que tem seus efeitos colaterais, ou seja, não só a palavra do outro acaba perdendo seu valor, como também a nossa própria palavra, que passa a ser uma a mais em meio a este oceano de vozes e palavras; torna-se “palavra líquida”, pois escapa pelos dedos sem deixar marcas. Palavras que sobram, palavras que faltam, palavras que dizem, palavras que escondem

Há palavras que é melhor não dizer, porque não são necessárias, porque julgam sem tentar compreender, porque são falsas; palavras de maledicência ou de crítica injusta, de fofoca e de condenação; palavras desnecessárias, ou conversa-fiada para preencher silêncios que assustam; palavras de zombaria que ignoram a dor do mais frágil; palavras que apunhalam pelas costas.

Para que a palavra dê fruto, não podemos nos contentar só com o fato de purificar a motivação quando a usamos, pronunciá-la no momento adequado, torna-se oportuna para aliviar, lubrificar, confrontar...; mas, também é preciso também apurar os ouvidos para escutá-la, acolhê-la com respeito, abrir espaço para que desperte ressonâncias em nosso interior. A palavra deve ser acolhida com disposição para deixá-la que se faça fecunda. E escutar, princípio de toda palavra, pede tempo, paciência, ausência de protagonismo e levar a sério o outro.

Como dizia Amado Nervo, “o sinal mais evidente de que se encontrou a verdade é a paz interior”, ou, como dizia Jesus, “a verdade vos libertará”. A verdade liberta das próprias falsidades e arrogância, dos medos e ataduras.

O Evangelho de hoje pode ser uma estupenda ocasião para esquecer velhas palavras desgastadas pelo uso, pronunciadas para afirmar nosso ego ou para conseguir aprovações alheias... e substitui-las por palavras essenciais, nascidas do espírito, que saem do coração e se dirigem ao coração dos outros, fazendo ressoar neles um eco da expressão proferida por Pedro: “A quem iremos, Senhor? Tu tens palavras de vida eterna”.

Ele sente que as palavras de Jesus não são palavras vazias nem enganosas. Junto a Jesus descobriram a vida de outra maneira. Sua mensagem lhes abriu à vida eterna. Com que poderiam substituir o Evangelho de Jesus? Onde poderiam encontrar uma Notícia melhor de Deus?

Pela primeira vez Jesus experimenta que suas palavras não têm a força desejada. No entanto, não as retira senão que reafirma mais ainda: “As palavras que vos falei são espírito e vida. Mas entre vós há alguns que não creem” (Jo 6,63). Suas palavras parecem duras, mas transmitem vida, fazem viver, pois contém Espírito de Deus.

Jesus não perde a paz; o fracasso não lhe inquieta. Dirigindo-se aos Doze, faz uma pergunta decisiva: “Vós também quereis ir embora?”. Não os quer reter pela força; deixa-lhes a liberdade de decidir. Seus discípulos não devem ser servos, mas amigos. Se quiserem, podem voltar às suas casas.

Também hoje, as palavras de Jesus continuam nos provocando, nos chamando, des-velando nossas incoerências e contradições internas. Elas podem nos assustar quando nos sentimos incapazes de segui-lo com mais intensidade; elas nos inquietam quando pedem renúncia de nosso próprio ego. São palavras que falam de seguimento e radicalidade, de paixão e entrega, de morte e de Vida. Palavras inspiradoras e, ao mesmo tempo, provocativas, pois nos arrancam de uma vida estreita e petrificada. Palavras que despertam o melhor que há em nosso interior, humanizando-nos e humanizando nossas relações. Palavras que fazem brotar uma “palavra nova e original” de nosso ser profundo, revelando nossa verdadeira identidade.

Por isso, as palavras nobres de Jesus não podem ser domesticadas e manipuladas segundo nossos interesses.

É preciso valentia para deixar que cada palavra d’Ele cale fundo, para vivermos com mais seriedade, para deixar que nos desnude um pouco mais, para revestir-nos do modo de proceder d’Ele.

É no encontro com as palavras de Jesus que temos a chance de recuperar a força e o sentido de nossas palavras, de torná-las oblativas, abertas e portadoras de vida. “Palavras cristificadas”, pois revelam a força da cura, do cuidado, da benção, do perdão...

É preciso unir Palavra e silêncio, para que cheguem ao mais profundo de nosso núcleo essencial, sempre insondável, buscando a Fonte que mana em abundância e sai à superfície, cantarolando e fecunda.

Assim, nossa palavra, viva em Jesus, sussurrada pelo mesmo Espírito d’Ele, torna-se como um rio caudaloso que salta qualquer obstáculo, leva vida às margens e nos impulsionam em direção ao Grande Oceano. Uma palavra que se revela como um bálsamo relaxante, remédio doce que acalma, embeleza e faz recordar sadiamente, que insufla ânimo e vida no nosso próprio corpo. Palavra que se manifesta como um grito de envio que nos lança em direção às pessoas, para partilhar, amar, curar...; uma revelação que ilumina nossas incertezas ou que nos enche de alegria. Só assim, o Evangelho se torna sempre boa notícia que fala dos outros, de nós, de Deus, de tudo...

Texto bíblico: Evangelho segundo João 6,60-69

Na oração:

Cave palavras nas minas do seu silêncio, palavras carregadas de sentido e de ânimo.

Silêncio para poder dialogar com seu eu profundo, para ver o que há por detrás de suas palavras, de seus sentimentos, de suas intenções... Silêncio para tentar ir ao coração de sua verdade. Pois somente o silêncio poderá germinar as palavras portadoras de vida.

- Em que me inquieta, me sacode e me provoca a Palavra de Jesus?

segunda-feira, 12 de agosto de 2024

Maria, “terra” da Encarnação

Texto do Pe. Adroaldo Palaoro, sj como sugestão para rezar o Evangelho da festa da Assunção de Nossa Senhora.

“O Todo-Poderoso fez grandes coisas em meu favor” (Lc 1,49)

 

A Assunção de Maria foi, durante muitos anos, uma verdade de fé aceita pelo povo simples. Só em meados do século passado proclamou-se como dogma de fé.

É preciso levar em conta que uma coisa é a verdade que se quer definir e outra, muito diferente, a formulação em que se introduz esta verdade. A Assunção é uma “realidade” que quer balbuciar algo que se encontra mais além dos conceitos e das palavras: que Maria entra plenamente na Vida de Deus.

Certamente soaria estranha para a mentalidade bíblica a definição do dogma (“A Imaculada Mãe de Deus, a sempre Virgem Maria, terminado o curso de sua vida terrestre, foi assunta em corpo e alma à glória celeste” - 1º. nov. 1950). Simplesmente porque foi formulada a partir de conceitos filosóficos e teológicos completamente alheios à sua maneira de pensar. Para a antropologia bíblica o ser humano não é um composto de “corpo e alma”, mas uma única realidade que se pode perceber sob diversos aspectos, mas sem perder nunca sua unidade.

Não podemos entender “literalmente” o dogma da Assunção. Pensar que um ser físico, Maria, que se encontra em um lugar, a terra, é transladada localmente a outro lugar, o céu, não tem sentido. O próprio papa João Paulo II afirmou que o céu não é um lugar, mas um estado. Em linguagem bíblica, “os céus” significam o âmbito do divino; portanto, Maria está já “nos céus”; Maria “desapareceu em Deus”.

Quando o dogma fala de “corpo e alma”, não devemos entendê-lo como o material ou biológico por uma parte, e o espiritual por outra. O dogma não pretende afirmar que o corpo biológico de Maria está em alguma parte, mas que todo o ser de Maria chegou à mais alta meta.

Realiza-se em Maria a situação final, já dentro da história, situação prometida a toda humanidade: “ser um dia de Deus e para Deus”; Maria o é desde o início (imaculada) até o final (assunção), através de uma fidelidade de toda a sua vida.

A Assunção de Maria é considerada, também, como antecipação da nossa ressurreição, que seremos ressuscitados em Cristo. Portanto, a glória de Maria não a separa de nós, mas se une mais intimamente a nós. Maria na glória concretiza, de modo eminente, nosso próprio destino futuro; ela vive agora em plenitude aquilo que nós, um dia, iremos viver. A Assunção é realidade compartilhada, solidária.

Ela foi “assunta” porque assumiu tudo o que é humano, porque “desceu” e se comprometeu com a história dos pequenos, dos pobres e excluídos... Maria foi glorificada porque se fez radicalmente “humana”.

Crer na Assunção de Maria implica crer na exaltação dos pequeninos e humilhados, dos pobres esquecidos, dos injustiçados sem voz, dos sofredores sem vez, dos abandonados sem proteção, dos misericordiosos descartados, dos mansos violentados...

O mistério da Assunção vem, portanto, afirmar que a biografia de Maria começa na eternidade. Maria “cheia de eternidade”, vivendo na mente e no coração de Deus. Vem de Deus e volta para Deus. Ela está situada na encruzilhada da história salvífica: AT e NT. Com seu “sim” radical, a distância entre Deus e o ser humano foi quebrada, o divino se humanizou e o humano se divinizou. Mulher nova e livre, em Maria ouvimos a resposta perfeita, o “fiat” da criatura dito ao Criador; ela é a mulher da oblação. Nela a Trindade vê sua obra levada à plenitude. Seu “sim” tornou possível a Encarnação. Nela, a ação da liberdade humana e da graça divina harmonizam-se perfeitamente.

O “Amém” de Maria, seu “Fiat”, é um Amém ao “Sim” de Deus à humanidade. Deus é para nós o “Sim” eterno, ativo e criativo.

Nosso “Abbá” é aliança fiel, permanente, definitiva. Sua oferta de Aliança de amor sempre paira sobre a humanidade. Por isso, derrama seu Espírito com abundância sobre toda a terra e sobre “todo ser vivente”.

Maria disse “fiat” (“faça-se”) a essa oferta. Nela, a humanidade, cada um de nós, é chamado a dizer “fiat”. O “sim” proferido por ela é o melhor que a humanidade apresentou a Deus e desencadeou outros inúmeros “sins oblativos” na história.

Maria é o verdadeiro Templo, é espaço de presença do Espírito, lugar sagrado onde habita a divindade para, a partir dela, expandir-se depois a todo o povo. Ela é lugar de plenitude do Espírito, “Terra” da nova criação, Templo do Mistério.  Evidentemente, esta presença é dinâmica: o Espírito de Deus está em Maria para fazê-la mãe, lugar de entrada do Salvador na história.

Ela não é um instrumento mudo, não é um meio inerte que Deus se limitou a utilizar para que fosse possível

a Encarnação. Maria oferece ao Espírito de Deus sua vida humana para que, através dela, o mesmo Filho Eterno pudesse entrar na história.

Em Maria descobrimos aquilo que, na essência, todos somos. Não devemos nos conformar em olhar Maria para ficarmos extasiados diante de sua beleza. O que descobrimos nela, devemos também descobrir em nosso próprio ser. O que importa realmente é que em Maria e em todo ser humano há um núcleo intocável que nada nem ninguém poderá manchar. O que há de divino em nós será sempre imaculado. Tomar consciência desta realidade, seria o começo de uma nova maneira de entender a nós mesmos e de entender os outros.

Maria é grande em sua simplicidade e não temos nada que acrescentar ao que ela foi desde o princípio. Basta olhar para o seu verdadeiro ser e sua maneira original de se fazer presente junto aos outros para, então, descobrir o que há de Deus em seu interior; isso é que sempre será puríssimo, imaculado. Se descobrimos isso nela, é para tomar consciência de que também está presente em cada um de nós.

De nada nos servirá descobrir a pérola em Maria se não a descobrimos também em nós mesmos. Somos milhões de diamantes que habitamos esta terra, embora cobertos de terra e barro.

Contemplar Maria, assunta ao céu, é des-velar (tirar o véu) a nobreza humano-divina escondida em nosso interior.

Porque se fez presente a Deus, Maria se faz também presente na vida das pessoas, através da atitude de serviço, de uma maneira sempre mais criativa e atenta; presença que se faz manancial de vida para os outros, tornando-se, ao mesmo tempo, amiga, irmã e mãe de todos.

A presença silenciosa, original e mobilizadora de Maria desperta e ativa também em nós uma presença inspiradora, ou seja, descentrar-nos para estar sintonizados com a realidade e suas carências. Tal atitude nos mobiliza a encontrar outras vidas, outras histórias, outras situações; escutar relatos que trazem luz para nossa própria vida; ver a partir de um horizonte mais amplo, que ajuda a relativizar nossas pretensões absolutas e a compreender um pouco mais o valor daquilo que acontece ao nosso redor; escutar de tal maneira que aquilo que ouvimos penetre na nossa própria vida; implicar-nos afetivamente, relacionar-nos com pessoas, não com etiquetas e títulos; acolher na própria vida outras vidas; histórias  que afetam nossas entranhas e permanecem na memória e no coração.

Texto bíblico: Evangelho segundo Lucas 1,39-56

Na oração:

Deus continua enviando mensageiros para comunicar-nos sua vontade; o que nos falta é ter o espírito desperto para discernir e reconhecê-los. As pessoas dispostas, os cristãos vigilantes, os santos e santas se encontram com muitos mensageiros que lhes comunicam mensagens do Senhor. Discernir é realizar uma limpeza de ouvidos para escutar cada vez mais fielmente os mensageiros (anjos) do Senhor.

- “Sentir Maria” é reencontrar em nós mesmos aquilo que diz sim à vida, quaisquer que sejam as formas que esta vida tomar. “Sentir Maria” é superar toda expressão de desconfiança, de dúvida, de temor diante daquilo que a vida vai nos oferecer para viver. 

sábado, 10 de agosto de 2024

Ser “pão” no “Pão da Vida”

Texto do Pe. Adroaldo Palaoro, sj como sugestão para rezar o Evangelho do 19º. Domingo do Tempo Comum (Ano B).

“Eu sou o pão da vida” (Jo 6,48)

 

Jesus Homem se faz “pão”, Humanidade convertida em alimento para os outros. A Vida Eterna não se revela num gesto de pura interioridade, mas no encontro e comunhão de uns com outros... Quem crê nos demais, quem compartilha com eles a vida (fazendo-se eucaristia) tem a vida eterna, porque Deus é Comunhão de Vida e porque Jesus é a revelação mais alta desse Deus entre nós.

Jesus deseja e se faz para nós um alimento substancioso. É preciso que tenhamos acesso a um alimento que possa nutrir nossa identidade essencial. É preciso nutrir em nós o que não morrerá.

Existe em nós algo que se alimenta de ternura, que se alimenta de poesia, que se alimenta da qualidade de nossas relações. O silêncio, a luz, a gratuidade, o encantamento, a simples presença... alimentam nosso ser espiritual

Portanto, não podemos transformar a Eucaristia em um rito puramente cultual, ou numa pesada obrigação que pesa sobre as pessoas, nem convertê-la em uma cerimônia rotineira, que demostra a falta absoluta de convicção e compromisso. Cada vez que participamos, devemos fazer com profunda gratidão e veneração, e, sobretudo com compaixão pelos que dela não podem participar.

Nesse contexto é preciso dizer que o verdadeiro alimento é a vida mesma do ser humano: Jesus se fez alimento para os outros, saciou a fome de justiça e amor. Ele é o alimento que gera vida nova no mundo, vida oferecida e compartilhada. Um alimento “subversivo” porque subverte a tradicional “ordem” das coisas. “Eu sou o pão da vida”. Antes de partir o pão, Jesus parte-se a si mesmo, faz-se alimento. Toda sua vida foi entrega. Sua vida inteira dá significado ao partir, compartilhar e repartir o pão da vida.

Jesus, desde pequeno, admirava o milagre do pão; sabia sua história: os minúsculos grãos de trigo semeados na terra, desaparecidos, mortos; a surpresa do pequeno broto verde, tão tímido; o prodígio da espiga, esbelta e frágil, que vai amarelando ao sol; a abundância contida, apertada, das dezenas de pequenos grãos, filhos renascidos do velho grão, enterrado e morto; o moinho implacável, que parece matar sem piedade os grãos indefesos; a farinha, a flor da farinha tão pura que podia ser apresentada como oferenda ao Senhor; o milagre do pão.

Em sua casa, certamente Jesus tinha visto, inúmeras vezes, sua mãe amassar o trigo, pôr na massa uma pitada de fermento, deixá-la em repouso. Quando criança, Jesus levava a massa já fermentada ao forno comunitário; esperava um pouco ou saía a brincar, ou ajudar José na oficina; depois, voltava à casa cantarolando, abraçado ao pão para sentir seu calor, embriagado de seu aroma, com vontade de tirar um pedacinho enquanto subia à sua casa.

O milagre do pão, nascido da morte do grão de trigo; nascido para morrer e dar a vida.

Partir o pão e reparti-lo antes de começar a refeição. Isto fazia José, bendizendo o Senhor pelo dom tão precioso. E Jesus, com seu pedaço de pão na mão, pensava, sem dúvida, no grão desaparecido meses antes na terra, multiplicado pela força sagrada em seu interior, pelo poder e sabedoria do Pai dos Céus, que agora, com a primeira mordida, iria desaparecer para sempre e transformar-se em seu próprio corpo.

Não sabemos quando nem como Jesus soube que para isso estava no mundo: para ser semeado, para morrer no inverno debaixo da terra, para ser pisado e apertado até que morresse para multiplicar a vida.

E, algumas horas antes de morrer, na ceia que Ele sabia que ia ser a última, Jesus se viu a si mesmo, em cima da mesa, em forma de pão. E disse: “meu corpo entregue é pão”. E Ele sabia que ia ao moinho para ser triturado e se tornar pão para muitos. “Fazei isto em memória de mim”. “Isto” se refere ao partir e partilhar o pão em torno à mesa; “isto” significa comungar com Jesus e com todos que O comungam, formar um só Pão para alimento do mundo.

Porque Jesus é “pão descido do céu” e porque compartilhamos sua vida, também nós podemos e devemos “descer” e sermos comunhão de vida. Neste sentido, todos somos pão de Eucaristia.

Cada ser humano é “pão vivo, descido do céu” para outro ser humano; cada homem, cada mulher é revelação de Deus, pão de vida eterna para os outros. Por viver neste nível, por entregar-se e compartilhar a vida neste plano, os homens e mulheres “não morrem”, tem vida eterna.

E é isso que, no nível mais profundo, somos todos. Todos somos Vida, todos somos “pão de vida”.

O pão da vida não se encontra fora de nós; é o que “somos” em profundidade; é nossa essência.

Somos pão quando alimentamos o outro na esperança, no perdão, na acolhida, na compaixão, no compromisso... Sim, podemos multiplicar o pão da festa, da alegria, o pão da justiça, o pão da ajuda fraterna...

Quanto pão para ser dividido! “Tornar-nos pão” significa “descer” em nossa própria condição humana para expandi-la em atitudes de serviço, partilha, solidariedade...

Já estamos saturados do “pão venenoso” do ódio, da intolerância e do preconceito...

Ser “pão para a vida” é confessar que ser seguidor(a) de Jesus é ser-para-os-demais, é comprometer-se a ser fermento de unidade, de amor, de paz, é consumir-se para que outros vivam. Se nossa participação no “pão da mesa” não colocar em questão nossos egoísmos, nossos preconceitos, nossas rivalidades, nossos complexos de superioridade..., não tem nada a ver com o que Jesus quis expressar com o “discurso do Pão da Vida”.

Aproximar-nos do Pão da Vida para sermos “pão de vida” constitui-se como o momento mais “subversivo” (subverte nossa maneira petrificada de ser e viver) que podemos imaginar: fazemos memória do que Jesus foi durante sua vida (pão para os outros) e nos comprometemos a viver como Ele viveu (“fazer-se pão para os outros”). N’Ele, também nós tornamos “pão” para o mundo.

Por isso Jesus Cristo, em sua oração messiânica, nos motiva a dizer: “o pão nosso de cada dia nos dai hoje”. Este continua sendo o “pão nosso”, pão de todos, produto do trabalho de homens e mulheres, que deve ser compartilhado. Mas, ao mesmo tempo, é “pão de Deus”, dom a ser multiplicado. Enquanto houver fome no mundo, a Eucaristia não está completa.

Ao comer o pão e beber o vinho “fazendo memória”, estamos prolongando um “estilo de vida”, fundamentado no modo de viver de Jesus. Isso quer dizer que fazemos nossa Sua vida e nos comprometemos a nos identificar com o que Ele foi e fez. Tomar o pão e o vinho na Eucaristia é fazer memória de uma presença que nos devolve à realidade, faminta de sentido, de esperança, de comunhão...

Texto bíblico: Evangelho segundo João 6,41-51

Na oração:  

Ao “amassar” a minha vida para querer ser pão... de que sou feito? A massa de minha vida é constituída, em primeiro lugar, de farinha; é ela que dá consistência e firmeza ao pão, brin-dando-o com diferentes formas e aromas. A farinha é a minha verdadeira identidade, minha essência; é nela que minha vida se sustenta; ela é constituída dos meus recursos, dons, capacidades...

- A água me dá maciez e elasticidade; é também aquela que me dá unidade, que une os diferentes ingredientes, transformando a mistura numa autêntica massa. Significa o afeto que me revitaliza, me devolve a ternura, me faz terno como o pão recém-assado. E, assim, me dá um sentido na vida, um “para que”.

- O sal é o que torna saboroso o pão, aquele que lhe realça sua característica. Meu sal é meu próprio sabor, o mais original e único em mim.

- O fermento é o que faz aumentar o tamanho do pão. Meu fermento é aquilo que me faz crescer, o que me impulsiona a sair de mim mesmo, a superar meus limites, me desafia a ser mais, a ir mais além, a transcender-me. É constituído de meus sonhos e minhas esperanças, para alcançar aquilo que “quero e desejo”. É a força criadora que me habita, que potencia tudo o que sou e tenho, para que cada dimensão de meu ser se faça plena.

- Por fim, o forno. Não é exatamente um ingrediente, mas é igualmente imprescindível para eu deixar de ser massa, e revelar minha identidade de pão. Não há verdadeiro pão sem forno, assim como não há homem ou mulher sem paixão, sem amor, sem o calor daquilo que me faz vibrar, que me comove, que me transforma.

quinta-feira, 1 de agosto de 2024

De qual “pão” temos fome?

Texto do Pe. Adroaldo Palaoro, sj como sugestão para rezar o Evangelho do 18º. Domingo do Tempo Comum (Ano B).

“Pois o pão de Deus é aquele que desce do céu e dá vida ao mundo” (Jo 6,33)

 

Com o evangelho de hoje iniciamos a reflexão sobre o Discurso do Pão da Vida, que se prolongará durante os próximos domingos. Depois da multiplicação dos pães, o povo foi atrás de Jesus; tinha visto o milagre, comeu com fartura e queria mais! Procurou o milagroso e não buscou o sinal e o apelo de Deus que nele se escondia. Quando o povo encontrou Jesus em Cafarnaum, teve com ele uma longa conversa, chamada “Discurso do Pão da Vida”, um conjunto de sete pequenos diálogos que explicam o significado da multiplicação dos pães como símbolo do novo Êxodo e da Ceia Eucarística.

O milagre da multiplicação dos pães provocou um sério mal-entendido. O povo viu o que aconteceu, mas não chegou a entendê-lo como um sinal de algo mais alto ou mais profundo. Buscou pão e vida, mas parou na superfície: a fartura de comida. No entender do povo, Jesus fez o que Moisés tinha feito no passado: deu alimento farto para todos no deserto.

Indo atrás de Jesus, eles queriam que o passado se repetisse. Mas Jesus pede que o povo dê um passo adiante. Além do trabalho pelo pão que perece, deve trabalhar também pelo alimento não perecível. Este novo alimento será dado pelo Filho do Homem; Ele traz a Vida que dura para sempre. Ele abre para todos um novo horizonte sobre o sentido da vida e sobre Deus.

No longo diálogo com a multidão, no outro lado do mar, João recolhe as palavras de Jesus e que sua comunidade considerava como as chaves do seguimento. Jesus não responde à pergunta: “como e quando chegaste aqui?”, mas responde às verdadeiras intenções das pessoas, trazendo o diálogo para o seu terreno. O que tem importância de verdade é o compromisso de entrega, de “fazer-se pão” para os outros. Tais palavras de Jesus põe em questão as religiões de todos os tempos, ou seja, o perigo de manipular Deus para colocá-lo a serviço e interesse próprios.

Segundo o evangelista João, a necessidade de “passar para a outra margem do mar” foi provocada porque a multidão faminta ficou saciada de pão, graças à ação de Jesus que lhe deu de comer, multiplicando os poucos pães e peixes que um menino levava consigo. Neste contexto, segundo o final do evangelho do domingo passado (Jo 16,15), as pessoas pretendiam proclamar Jesus como rei. O pão é um bom símbolo da riqueza e a realeza um instigante símbolo do poder. Estas são as “margens” nas quais a multidão e os discípulos queriam se instalar.

Infelizmente, estes também são nossos desejos ocultos: o poder e o dinheiro que, no fundo, são as duas caras da mesma moeda. Este é o “pão” venenoso que alimenta divisão, competição e ódio.

Compreende-se assim, o apelo de Jesus a passar para a outra margem, deixando de lado as solicitações do ter, para buscar o caminho do compartilhar. Em algumas determinadas circunstâncias é preciso dar alimento a quem está com fome; mas, ao mesmo tempo, é preciso ativar a liberdade e a autonomia para que ele possa buscar o pão e aprenda a partilhá-lo.

O Pão partido e preparado para ser comido é o sinal daquilo que foi Jesus em toda sua vida. O sinal não está no pão como “coisa” perecível, mas no fato de que Ele é partido e re-partido, ou seja, na disponibilidade na qual se encontra para poder se tornar alimento de todos. Jesus esteve sempre preparado para que todo aquele que dele se aproximasse pudesse assimilar Sua Vida, revestindo-se de seu modo de ser e fazer: ser tudo para todos. Deixou-se partir, fez-se alimento, deixou-se assimilar; embora essa atitude terá como consequência que fosse aniquilado pelos encarregados da religião.

O sinal de Jesus é pão partilhado. Não o alimento das purificações e dos ázimos rituais, que só os judeus piedosos podiam comer, mas o pão de cada dia, aludido no Pai-Nosso: a refeição que se oferece aos pobres e excluídos, se compartilha com os pecadores e se expande em forma universal.

Este é seu sinal: tudo que disse, tudo o que fez se condensa e se expressa na forma de alimento que sustenta e reforça os vínculos entre as pessoas.

O pão suscita e cria Corpo. Jesus não anuncia uma verdade abstrata, separada da vida, uma lei puramente social, um princípio religioso... Ao contrário, Jesus, Messias de Deus, é Corpo, isto é, Vida expandida, sentida, compartilhada. O Evangelho nos situa, desta forma, no nível da corporalidade próxima, acolhedora e compassiva. Aqui não há mais castas e nem exclusão.

Na Eucaristia se concentra toda a mensagem de Jesus, que é o Amor. O Amor é Deus manifestado no dom de si mesmo e que Jesus deixou transparecer durante sua vida. Isto somos nós: dom total, amor total, sem limites. Ao comer o pão e beber o vinho, estamos completando este sinal. Isso quer dizer que fazemos nossa Sua vida e nos comprometemos a nos identificar com aqueles que Jesus se identificou.

O pão que nos dá Vida não é o pão que comemos, mas o pão no qual nos convertemos quando vivemos de modo oblativo, ou seja, quando vivemos des-centrados, voltados para os famintos que suplicam o pão da amizade, da presença solidária e comprometida.

“Eu Sou” em João é a suprema manifestação da consciência de quem era Jesus. Cada um de nós deve descobrir o que verdadeiramente somos, como Jesus descobriu. Somos o mesmo que era Jesus.

“Quem vem a mim não terá mais fome, e quem crê em mim nunca mais terá mais sede”. Que significa “ir a Ele, crer n’Ele”. Aqui se encontra o núcleo do discurso. Não se trata de receber nada de Jesus, senão de descobrir que tudo o que Ele tinha, também nós temos. Temos um “celeiro” interior, dotados dos mais diversos pães: recursos, dons, sonhos ... O que Jesus quer dizer é que se os seres humanos descobrissem que se pode viver a partir de uma perspectiva diferente, que alcançar a plenitude humana significa descobrir o que Deus é em cada um, responderíamos como respondeu Jesus.

Jesus não nos convida a buscar a nossa própria perfeição, nem nos limitar a práticas piedosas egóicas e estéreis, mas a ativar a capacidade de vivermos descentrados, partilhando o que somos e temos.

Buscar nossa própria “perfeição” significa edificar nosso próprio pedestal, para colocar ali nosso “ego” que se alimenta do pão do poder, do prestígio, do consumismo, do preconceito e da intolerância.

 “Ser pão para os demais”, pelo contrário, significa esvaziamento das fomes egóicas para despertar fomes humanizadoras: pão da comunhão, da festa, do encontro. Só assim é possível alcançar a unidade e a plenitude de vida. A Páscoa do pão sinaliza para a Páscoa da vida que se faz pão e do pão que permanece para sempre.

Texto bíblico: Evangelho segundo João 6,24-35

Na oração:

Somos profundamente gratos quando temos pão sobre a mesa de nossas casas; no entanto, “nosso pão de cada dia” nos provoca: qual é o alimento que mais precisamos? Qual é o pão cotidiano nos faz falta? Com que saciamos nossa “fome” de cada dia? O pão vem de Deus ou mendigamos migalhas de coisas que não nos satisfazem?...

- Descubra na sua mesa o seu pão; na sua jornada, o seu chão; no seu cotidiano, o inesperado que vem, o outro em sua fome, em busca de mãos abertas que saibam partilhar.

- Com o pão nas mãos viva em contínua ação de graças.

Inácio de Loyola: um santo dos “tempos novos”

A festa de de Santo Inácio de Loyola é celebrada no dia 31 de julho. Nesta ocasião também fazemos memória dos 500 anos de sua peregrinação a Jerusalém. Segue uma reflexão para este dia.


Inácio de Loyola: um santo dos “tempos novos”

Em todo momento histórico, quando a Igreja e a sociedade são sacudidas por grandes mudanças, surgem homens e mulheres que rompem com esquemas e seguranças envelhecidos e se deixam conduzir pelo Espírito ao deserto, às margens, às fronteiras... rompendo um ambiente e uma ordem asfixiantes.

A fronteira, para eles, passa a ser terra privilegiada onde nasce o “novo” por obra do Espírito.

Eles(elas) descobrem na realidade do mundo e da história os “sinais dos tempos” e entram em comunhão com tudo, porque tudo é “diafania” (transparência) de Deus. Enraízam sua convicção nesta visão, nesta mística da presença de Deus em sua obra, na contemplação de um mundo chamado a se transformar em justo e belo, verdadeiro e pacífico, unido e reconciliado, entranhado em Deus, como no primeiro dia da Criação.

Foi num contexto assim que o “peregrino” Inácio de Loyola, “sozinho e a pé” pelos caminhos da Europa, situou-se nas fronteiras da humanidade em busca da comunhão universal; aqui se situa o seu processo original da vivência da santidade.

Depois de cinco séculos, Santo Inácio continua sendo uma figura única e paradigmática. O que é marcante nele está no fato de ter sido capaz de situar-se, de maneira original, no contexto das mudanças de seu mundo e de seu tempo. Ele é considerado o santo dos “tempos novos” que despontavam perante seus olhos deslumbrados. Novos valores emergiam, novos modos de pensar e sentir, de viver.

S. Inácio é o homem da mudança, da transição no tempo, dos tempos novos, agitados, turbulentos, de transbordantes novidades que colocavam em questão tudo o que até então era recebido. Ele não se fechou e nem resistiu a elas, mas abriu-se ao diferente e surpreendente.

O itinerário da sua vida foi um processo constante de “leitura orante da realidade”. Por isso, S. Inácio foi um homem de síntese: num mundo em mudança e até contraditório, ele assumiu com abertura total, sem preconceitos, sem nostalgias estéreis, a mudança de tempo que lhe coube viver. Isso lhe abriu horizontes culturais novos, nos quais vai deixar sua marca original.

Até à época de Santo Inácio, todo aquele que se sentisse chamado à santidade deveria naturalmente afastar-se do mundo e de seus “perigos” e buscar refúgio no deserto, nas montanhas ou nos mosteiros.

S. Inácio não se afastou do mundo para encontrar a Deus; ele fez a “experiência” do Deus agindo no mundo; aí O encontra e caminha com Ele. O mundo não é só o “habitat” da sua missão: é sobretudo a fonte da sua espiritualidade, o lugar certo para encontrar a Deus e escutar o Seu chamado.

Da experiência de “amar a Deus em todas as coisas e todas as coisas em Deus”, nasce uma espiritualidade radicalmente “mundana”, de contemplação do mundo e de ação no mundo.

A partir de então as velhas fronteiras geográficas e políticas pelas quais Inácio lutou apaixonadamente, serão substituídas por outras, aquelas do coração humano.

A santidade, para ele, passa a significar experiência de fronteira: rendição de uma fortaleza, troca de bandeira e de senhor no próprio coração, esvaziamento de si mesmo como “ego inflado” e oferecimento de sua pessoa ao verdadeiro “Senhor” que o chama a segui-lo, ou seja, situar-se com Ele nos “extremos” humanos. Falamos da admirável aventura espiritual de um homem que, dia após dia, aprende, tenaz e apaixonadamente, a viver para Deus no cenário do tempo que lhe coube viver, sacudindo e abalando as consciências daqueles que o rodeavam.

Mas, ao longo de todas as mudanças, de lugar e de horizontes, bem como as profundas transformações ocorridas no interior do próprio Iñigo, notamos que nele permanece idêntica a abertura ao surpreendente e idêntico o discernimento como instrumento para deixar-se interpelar pelos novos mundos e pelos novos desafios que se abriam diante dele. De maneira original e inspiradora, Iñigo assume com intensidade e abertura total a mudança de tempo e de cultura que lhe coube viver.

Isso lhe abriu horizontes culturais novos, nos quais ele vai se fazer presente criativamente.

E a “Narrativa do Peregrino” (autobiografia) nada mais é do que o relato da admirável aventura espiritual e cultural de um homem sincero e obstinado, livre e aberto, sempre empenhado em discernir, nos “sinais dos tempos”, aquilo que vêm de Deus (para acolhê-lo), e aquilo que vem do mal (para rejeitá-lo).

O itinerário de Inácio não é unicamente geográfico. Mais que um simples deslocar-se, trata-se de um modo de viver e de situar-se no mundo. Depois de ter posto literalmente seus pés sobre as “pegadas” de seu Senhor e beijar o solo que Ele havia pisado, Iñigo de Loyola compreende que a terra de Cristo era o vasto mundo de seu tempo. Desde então, para além do deserto e da peregrinação a Jerusalém, abre-se diante de

seus olhos, outro caminho. Decididamente, ele se volta para o mundo, esse borbulhar de acontecimentos sócio-político-religiosos, no qual reconhece o lugar da Encarnação.

Buscando considerar todas as coisas em sua referência a Deus, Inácio quer serví-Lo em toda circunstância. Dado que seu Criador e Senhor está presente e ativo em todo e qualquer lugar, ele se dirige ao mundo sem temor a nada, seguro de que cada um de seus passos o conduz ao lugar da adoração e do serviço.

Inácio contempla o mundo com Deus; longe de representar um espaço de tentações e de dispersão, o mundo é para ele o lugar do serviço. O olhar que pousa sobre a realidade reacende nele a saudade de Deus e o sentimento de sua presença.

A partir de então, o mundo o aproxima de Deus e a saudade de Deus não o afasta do mundo.

O olhar de S. Inácio para seu tempo e seu mundo pode nos ajudar a nos situar melhor e mais lucidamente no nosso. Também nós estamos vivendo profundas mudanças sociais, religiosas, culturais… que provavelmente não são de menor porte que as do Renascimento.

Ouve-se dizer hoje, com frequência, que estamos assistindo o fim de uma época e o princípio de outra; emergem novas formas de cultura, entendida como novos modos de relacionamento do ser humano com os outros e com o mundo. Os modos de pensar e de sentir em que vivíamos e estávamos instalados parecem decompor-se aos nossos olhos, ao passo que emergem por todos os lados, dispersos, sem que se veja claramente o perfil, mundos novos, novas visões, novas maneiras de se situar na realidade, novas culturas que nos interrogam, solicitam e inquietam.

Estes nossos tempos, novos e turbulentos, pedem de todos nós, críticos, inquietos e vigilantes, uma constante re-leitura dos novos “sinais” que surgem, a necessidade de viver em estado de atenção permanente, capacidade de re-analisar tudo o que vemos, e decidir a seu respeito no discernimento.

Se alguém se mantém constantemente de olhos abertos diante do que está vivendo, como fez S. Inácio, encanta-se em meio às grandes descobertas da ciência que ampliam o conhecimento do ser humano, às novas formas de socialização que estão transformando o nosso mundo, às novas formas e funções do saber, aos novos desafios que se apresentam diante de seus olhos, às novas esperanças de uma humanidade que é diferente, às novas formas de expressar a experiência religiosa... Este, certamente, estará assumindo uma atitude ativa e acolherá tudo o que humaniza e rejeitará tudo o que desumaniza.

Pondo-nos na escola de Inácio, é aqui, neste mundo, que Deus nos chama a estender o seu Reino, trabalhando cada dia como amigos(as) de Jesus que passam, observam, curam, se compadecem, ajudam, transformam, multiplicam os esforços humanos.

O(a) santo(a) dos tempos modernos é aquele(a) que na liberdade, afirma: “Fora do mundo não há salvação”.

Textos bíblicos: Mc 4,35-41; Ex 33,7-17; Ex 3,1-10; Jo 6,1-15

Na oração:

Para viver em atitude de “travessia” é preciso estar em eterna vigilância; e, ao mesmo tempo, abrir-nos a um constante assombro e gratidão, porque cada manhã é um milagre.

- A nossa vida é um êxodo, um sair constante de uma realidade para entrar em uma outra realidade nova. O peregrinar é o elemento determinante e com maior valor simbólico para toda a vida.

- Existem ainda céus por explorar, aventuras por empreender, pensamentos por experimentar e experiências por aceitar; falta-nos ainda muito por saber, por ver, por sentir, por desfrutar...

- No “mapa espiritual” do meu interior, ainda existe uma “terra desconhecida”, que desperta interesse, suscita curiosidade, me põe a caminho...?

- Vivo uma atitude de busca permanente (discernimento)? Minha presença no mundo faz diferença?...

A dádiva do pão

Texto do Pe. Adroaldo Palaoro, sj como sugestão para rezar o Evangelho do 17º. Domingo do Tempo Comum (Ano B).

“Jesus tomou os pães, deu graças...” (Jo 6,11)

São João situa na Última Ceia o mandamento do amor e o lava-pés (serviço); mas, a Eucaristia – “Eu sou o pão da vida” – ele a situa no cap. 6º. de seu Evangelho, no relato da multiplicação dos pães – “Eu sou o pão que desceu do céu”. O acontecimento da “multiplicação dos pães” ficou muito gravada na memória e no coração dos primeiros cristãos, pois aparece seis vezes nos quatro evangelhos.

De fato, a partilha dos alimentos é uma das mais sólidas e atrativas mensagens evangélicas. Certamente, nós cristãos, devemos atender ao que Jesus prega quando nos revela que Deus é nosso Pai e fonte de misericórdia; mas, é preciso também nos deixar inspirar pelos seus atos quando dá de comer aos famintos, atos que dão suficiente fundamentação à sua pregação.

Jesus sempre se preocupou com as necessidades dos enfermos, dos marginalizados e, no relato deste domingo, deixou clara sua sensibilidade diante da fome daquela multidão que fora ao seu encontro para escutá-lo. Afinal, todo ser humano precisa comer, no amplo sentido do termo “alimentar-se”.

Seguramente, o problema mais grave que a humanidade padece, em todos os tempos, está no fato de não saciar a fome de tantos milhões de seres humanos, deserdados da possibilidade de se alimentarem. Diante desta triste realidade sentimo-nos impotentes e incapazes de encontrar uma solução.

Os critérios, profundamente egóicos, que regem nossas sociedades, dificilmente resolverão o problema da fome. O milagre da multiplicação dos pães é um forte apelo a nos libertarmos de nossa indiferença diante daqueles que morrem de miséria e fome. Quando somos solidários, há pão para todos, inclusive sobra.

Nesse sentido, a multiplicação dos pães significa também multiplicar o trabalho, acolher os imigrantes, dividir os bens... Na terra há alimento para todos; inclusive sobra, quando não é especulado.

O pão de vida não vem do dinheiro ou da compra abundante, que não sacia; o pão de vida vem do coração, da boa relação, da solidariedade e da partilha entre os seres humanos. O pão de vida é um dom, uma graça (gratuidade) do Senhor. Jesus sabe disso: aqueles que tem dinheiro não resolverão nunca o problema da fome no mundo, porque, para resolver este problema é preciso algo mais que o dinheiro: partilha, solidariedade, boa vontade, sensibilidade oblativa... É muito difícil ensinar a partilhar quando unicamente sabemos comprar com ansiedade.

Diante da fome, Jesus propõe uma solução diferente daquela do comprar. Fala da partilha dos poucos pães e peixes que um menino anônimo levou consigo e que dispõe para saciar a fome dos outros. O menino põe seus pães de cevada (pão do pobre) e peixes a serviço dos demais, como a pobre viúva do evangelho que deposita seus poucos centavos na urna da coleta do Templo: era tudo o que tinha para viver.

Ao tomar os pães e peixes em suas mãos, Jesus, cheio de gratidão, dirige-se ao Pai; não é possível crer n’Ele como Pai de todos e continuar deixando que seus filhos e filhas morram de fome.

Por isso, profere a benção de ação de graças. A Terra e tudo o que nos alimenta, recebemos de Deus. É dom do Pai destinado a todos os seus filhos e filhas. Ninguém tem o direito de acumular e especular os alimentos. Se vivemos privando os outros daquilo que necessitam para viver é que já nos distanciamos de Deus e atrofiamos nossa sensibilidade solidária.

No evangelho deste domingo podemos também perceber uma profunda conexão entre a cena da multiplicação dos pães e peixes e o relato da Última Ceia; também nessa multiplicação “Jesus tomou os pães, deu graças e os repartiu entre aqueles que estavam sentados à mesa”. Aqui, Jesus acrescenta um pedido para que a ceia fosse celebrada “em sua memória viva”, ou seja, que todos recordassem que Ele passou neste mundo fazendo o bem, servindo e amando a todos.

Diante de tudo isso, sem refeição compartilhada, sem serviço efetivo e sem amor incondicional, não pode haver Eucaristia em sentido pleno. Percebemos, nas atuais “missas católicas”, que há muito culto, muita genuflexão, muita adoração..., mas, pouca partilha, pouca vivência do amor e reduzido serviço; “missas” que não deixam transparecer a “memória viva” da vida de Jesus, nem é o lugar do cumprimento das recomendações tão caras que Ele nos fez no momento mesmo de sua partida.

A Eucaristia nos recorda que o pão é dom de Deus a receber; se ele leva a marca do dom, ele convida à partilha. A ação de comer deixa de ser somente um ato biológico, mas um ato social e, portanto, um ato espiritual.

Alimentar-se é também uma questão moral e teológica. É preciso examinar como nossa atitude diante do alimento foi superficializado pela narrativa moderna e pela redução dele a uma mercadoria. O entendimento espiritualmente empobrecido do alimento só poderá ser corrigido se começarmos a pensar na alimentação como um “exercício espiritual”.

O alimento é uma dádiva de Deus oferecida a todas as criaturas para fins de nutrição, partilha e celebração da vida. Quando se realiza em nome de Deus, a alimentação é a realização terrena do eterno amor de comunhão de amor do Pai com todos os seus filhos e filhas

A consciência do dom nos convence que o alimento não é um simples punhado de nutrientes que simplesmente precisamos ingerir nas quantidades, variedades e proporções certas; o alimento é muito mais que um combustível de que necessitamos para manter nosso corpo funcionando, como uma máquina, em um nível ideal. Nessa visão falta aquela atitude para o maravilhamento e reverência.

Normalmente as pessoas costumam parar e dizer uma oração antes de tomar uma refeição, mas grande parte das pessoas aprendem que o alimento é apenas um produto manufaturado que é controlado e especulado.

O pão tem sido, há muito tempo, um elemento central para o coração e a vida das culturas ocidentais e do Oriente Próximo. Por gerações, as pessoas têm associado pão com alimento, e a disponibilidade de pão com tempos bons e segurança alimentar. A ausência de pão, ou medo da escassez dele, com frequência, eram suficientes para causar revoltas. Na mente de muitos, ao longo do tempo, sem pão simplesmente não há vida.

A importância do pão ainda permanece em nossa imaginação quando nos referimos ao dinheiro como o “pão nosso de cada dia” ou aos salários como o “ganha-pão” dos trabalhadores.

O aroma do pão saído do forno é suficiente para fazer que as pessoas queiram se sentar, se acomodar e se deliciar com várias fatias. A presença visível, aromática e tátil de um pão quentinho convida ao compartilhamento e ao companheirismo (“companheiro” – do latim “cum-panis” é alguém que “compartilha o pão”).

Além de proporcionar nutrição, o pão comunica aconchego, hospitalidade, fraternidade, compartilhamento de nossa vida juntos. Podemos olhar para uma refeição e ver apenas uma variedade aleatória de nutrientes, inconscientes da graça de Deus que nela se manifesta. Podemos esquecer que o alimento é um dos meios básicos e duradouros de Deus expressar a providência e o cuidado divinos.

Compartilhar uma refeição é participar de uma comunicação divina (cf. Sl 104,10-15).

Recebido à mesa eucarística como o corpo de Cristo, é nossa nutrição para reforçar nossos laços comunitários.

Texto bíblico: Evangelho segundo João 6,1-15

Na oração:

Não é possível reconhecer o Corpo do Senhor presente na Eucaristia se não reconhecemos o Corpo do Senhor na comunidade onde alguns passam necessidades. Pois, se fechamos os olhos às divisões e às desigualdades mentimos ao dizer que Cristo está presente na Eucaristia.

Enquanto não nos mobilizamos a mudar nossa sociedade de maneira que mais pessoas aceitem a alegria de compartilhar o pão e a vida, faltará algo em nossa Eucaristia. Essa “ferida” o cristão deve sempre tê-la presente.

- Sua participação na Eucaristia desperta uma sensibilidade solidária diante das diferentes “fomes” que afetam tantas pessoas?