Texto do Pe. Adroaldo Palaoro, SJ, como sugestão para rezar o Evangelho do 5º Domingo da Quaresma (2022).
“De madrugada, voltou ao templo, e todo o povo se reuniu ao redor dele. Sentando-se começou a ensiná-los” (Jo 8,2)
O tempo litúrgico da
Quaresma é um tempo privilegiado para nos deixar ensinar pele Mestre da Galileia;
somos alunos(as) da escola da vida, centrados no ensinamento e na mensagem de
vida de Jesus.
A imagem de Jesus educador atravessa os evangelhos.
De fato, o cristianismo é um projeto de educação messiânica, uma escola de vida
universal, fundada por Jesus na Galileia.
Seu ensinamento entrou
em conflito com os representantes do judaísmo oficial, centrado no templo e na
prática da lei, e com o poder romano, que não admitia um ensinamento diferente.
Jesus foi perseguido e morto por seu magistério, mas sua mensagem foi recolhida
e expandida pelos seus discípulos.
Jesus não fundou uma
escola de especialistas, mas quis educar a todos os homens e mulheres, nas
vilas e campos, nas sinagogas, no Templo ou em suas próprias casas. Ele não
tinha nenhum doutorado na Lei judaica, não tinha nenhum Master em questões do
Templo; não era um perito a quem consultar sobre as leis. Diferentemente dos
mestres da Lei e dos escribas, cujo ensinamento estava centrado em “decorar” e
conservar a Lei, o ensinamento de Jesus partia da realidade humana
de sofrimento, exclusão, preconceito...
Jesus era
Ele mesmo; seu único título era sua verdade, sua honestidade, sua bondade, sua
capacidade de sanar a dor daqueles que sofriam e libertá-los dos maus espíritos
que os escravizavam. Era a identidade de si mesmo, plena: a identidade entre o
que dizia e fazia, entre o que era e o que ensinava.
Podemos afirmar que Jesus era um “pedagogo
da vida”, um “mestre da vida humana digna”. Não tinha estudado em outra
universidade a não ser a universidade da vida, do amor, da liberdade...
Jesus, o Grande Mestre, contemplava
os rostos das pessoas e via, no interior delas, ricas possibilidades humanas,
ainda latentes. Sua presença humanizadora reconstruía a humanidade ferida e abria
sentido para sua existência.
No seu magistério, Jesus foi
semeando humanidade, um conhecimento criativo e inspirador, que se fazia vida
naqueles que escutavam e acolhiam sua palavra. Esta era a sua missão: ensinar
aos homens e mulheres, para que fossem eles mesmos em liberdade, para que
descobrissem e ativassem a verdade por dentro, sua verdade fontal, para que
todos se guiassem e se ajudassem e, assim, fossem e vivessem em plenitude.
Frente aos sábios e entendidos,
representantes do poder estabelecido, Jesus descobriu e cultivou a sabedoria de
Deus nos pequenos que acolhem sua Palavra e se deixam transformar por ela.
O evangelho deste domingo nos diz que Jesus se
encontrava na esplanada do Templo ensinando o povo, quando levaram até ele uma
mulher surpreendida em adultério. De um lado, rostos dos fariseus e Mestres da
lei, endurecidos pela lei, com pedras no coração e nas mãos; de outro, o rosto
de Jesus, que transparece amor, compreensão, bondade. Suas mãos acolhedoras e
seu coração misericordioso estão mobilizados para dar segurança e abrir nova
possibilidade de vida à pecadora.
Uma “nobre” justificação era
apresentada pelos escribas e fariseus e, assim, condenar uma mulher ao
apedrejamento: “a lei” mata. Salva-se a lei, mata-se a pessoa.
A lei manda apedrejar; mas a lei
não tem coração, não tem misericórdia; ela é fria, fixa no passado, condena e
não oferece chance de um novo futuro.
É o eterno conflito do ser humano
entre fidelidade à lei ou fidelidade ao coração. A fidelidade à lei prefere a
morte do(a) pecador(a), prefere as pedras que ferem e matam; a fidelidade ao
coração e ao amor prefere a vida do(a) pecador(a), prefere o abraço acolhedor
que devolve a confiança e esperança de vida.
Partindo da perspectiva da lei, a mulher não tinha
possibilidade nenhuma de viver; não havia saída nenhuma. Só a misericórdia poderia
destravar a vida, colocar a mulher em movimento, arrancá-la do círculo
legalista de morte e abrir para ela um novo e amplo horizonte de sentido.
A retirada de cena dos mestres da
lei e dos fariseus é patética. É o sistema legalista e opressor que termina
cedendo o lugar a uma nova relação, instaurada por Jesus, centrada na
misericórdia. A mulher permanece aí, no centro, porque o sistema que decretava
sua morte terminou. Agora, inicia-se um novo diálogo, entre Jesus e a mulher.
Não é um diálogo inquisitório, mas uma oferta de salvação: esta mulher,
humilhada e condenada por todos, envergonhada de si mesma, se encontra com
Jesus que lhe diz: “Eu também não te condeno”. Desde modo, Jesus nos ensina que
não se extirpa o mal eliminando quem o cometeu, mas oferecendo ao pecador
condições de vida nova e plena. E a mulher, talvez, se sentiu profundamente
amada pela primeira vez.
Jesus é o “pedagogo misericordioso”
pois ativa nas pessoas as melhores possibilidades, riquezas escondidas,
capacidades, intuições... e faz emergir nelas sua verdade mais verdadeira de pessoas amadas, únicas, sagradas,
responsáveis...
A força criativa da sua
presença misericórdia põe em movimento os grandes dinamismos da vida; debaixo do modo paralisado e petrificado de
viver, existe sempre uma possibilidade de vida
nova nunca ativada.
O “princípio
misericórdia” é o núcleo e a essência do Evangelho. E a misericórdia é o “amor
em excesso”. Na misericórdia, Deus sempre nos
surpreende, sempre excede nossas estreitas expectativas, abrindo caminho a
partir de nossas fragilidades. Só o amor misericordioso de Deus nos
reconstrói por dentro, destravando-nos e abrindo-nos em direção a horizontes
maiores de coragem, responsabilidade e compromisso.
A misericórdia constitui a resposta de
Deus à nossa indigência.
A misericórdia é expansiva, pois abre um
novo futuro e desata ricas possibilidades latentes em cada um. Ela não se
limita ao êrro e às fragilidades, mas impulsiona cada um a ir além de si mesmo.
Onde não
há misericórdia, não há sequer
esperança para o ser humano.
A misericórdia, portanto, não só é a mais divina mas também a mais
humana das virtudes. É aquela que melhor revela a essência do Deus Pai e Mãe de
infinita bondade. É a que revela, igualmente, o lado mais luminoso da natureza
humana. Por isso, ela é o atributo que mais humaniza as relações entre as
pessoas.
Fundamentalmente, a misericórdia significa assumir como própria a miséria do outro, inicialmente como sentimento que comove, mas que, logo em seguida, leva à ação.
A misericórdia
parte das “entranhas” e se dirige instintivamente ao próximo na forma de presença, acolhida, compaixão, ternura e
consolo.
Misericórdia é exatamente: “ter coração” para o outro, dando preferência aos mais frágeis e limitados.
A misericórdia é a caridade que “toma mãos e pés”, ou seja, o amor que se expressa em uma ação decidida e generosa, capaz de
transformar e libertar.
Ser presença misericordiosa é um “modo de proceder”, um “estilo de vida” que não
está ligado a uma transgressão; é muito mais um estilo de bondade, compreensão, magnanimidade, estilo de quem não
se fixa no que o outro merece, nem se escandaliza com sua miséria.
"Devemos ser presença misericordiosa como
pecadores, não como justos”.
A misericórdia é fundamentalmente uma mensagem de estima e confiança no outro, crer na sua amabilidade e bondade. Por isso, a presença misericordiosa é força que provoca no outro a re-descoberta de sua própria identidade (uma pessoa amada e acolhida pelo Deus misericordioso). Quem é misericordioso está convencido de que o irmão é melhor que aquilo que aparenta ser.
Texto bíblico: Jo 8,1-11
Na oração:
Uma vez mais somos chamados(as)
a aprender de Jesus, que sempre olha o que há de mais autêntico em cada pessoa,
isto é, a imagem de seu Pai.
- Entrar no movimento da
misericórdia nos humaniza e nos cristifica. Como seguidores(as) de Jesus,
somos seu coração, seus olhos, suas mãos e seus pés juntos aos que mais sofrem
rejeições, julgamentos, condenações...; somos “canais de misericórdia”
por onde flui a Misericórdia e a Compaixao de Deus Pai-Mãe.
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