Texto do Pe. Adroaldo Palaoro, sj (Centro de Espiritualidade Inaciana), como sugestão para rezar o Evangelho do dia do Natal.
A "celebração agradecida" do Natal nos abre os olhos e todo o nosso ser para o grande presépio que é a nossa realidade, grávida de ricas possibilidades e surpresas; assim, admirados(as) e encantados(as), entraremos no fluxo da grande "descida" de Deus para nos comunicar Vida em plenitude.
Um inspirado Natal a todos!
“Encontrareis um recém-nascido envolvido em faixas e deitado
numa manjedoura” (Lc 2,12)
Jesus “desce” aos rincões da humanidade;
sua Luz brilha no interior da gruta e a partir daí ilumina todo o universo. As grutas
sempre despertaram fascínio nos seres humanos; possuem uma força atrativa e
guardam segredos em seu interior. Ao mesmo tempo simbolizam o desejo permanente
de retornar ao ventre materno, lugar de segurança, de aquecimento...
A contemplação do Nascimento de Jesus nos
impulsiona a fazer a travessia para o interior de uma Gruta: ali o Grande
Mistério se faz visível e revelador do sentido da existência humana.
Trata-se de “entrar” nela com suavidade, de
percebê-la e fazê-la descer até o coração, de convertê-la em matéria de
consideração, de oração silenciosa e surpreendida.
A contemplação do Menino Jesus na Gruta revela que
Deus assumiu a aventura humana desde seus começos até seu limite (vida, amor e
morte). Deus se fez “tecido humano”, revestiu o ser humano de sua própria
glória, plenificou-o de sentido e de finalidade. No nascimento de Jesus é
revelada a grandeza, a dignidade, o mistério inesgotável do ser humano. Nossa
humanidade foi divinizada pela “descida” de Deus.
Acolhido pela natureza, presente na Gruta, Deus se
deixou impactar por tudo aquilo que o rodeava. Tudo isso é Deus na nossa carne
quente e mortal. Um Deus que “adentrou” na humanidade e de onde nunca mais
saiu; um Deus que agora pode ser buscado em nossa interioridade e em tudo o que
é humano.
Na pobreza, na humildade da nossa própria história pessoal, inserida na grande história da humanidade, torna-se possível acolher o dom do amor de Deus visível na Criança de Belém.
A
linguagem da Gruta de Belém é poderosa; é intensa; é urgente; é um
reflexo de presenças e encontros, de assombro e de silêncio. No seu interior
ressoam as palavras mais humanizadoras e mais vivas: justiça, bondade, liberdade,
igualdade, paz, compaixão, alegria, acolhida... Palavras que não podem
ser esquecidas, sepultadas ou banalizadas por modismos ou novidades. Palavras
que só podem ser pronunciadas diante do “Deus que se faz Criança” para que
fiquem gravadas a fogo em nosso coração e se visibilizem na nossa maneira de
ser e viver.
A Gruta também nos recorda que “Deus é Palavra”; uma Palavra que se fez Vida e acampou entre nós. Uma Palavra inspiradora, chocante, coerente, feita “carne e sangue”, feita “lágrima e riso”. Palavra que se faz proximidade, encontro, abraço...; Palavra que é de sempre e é eterna.
O fato de que Deus tenha decidido salvar-nos a
partir de uma gruta que recolhia animais é, sem dúvida alguma, a
revelação mais desconcertante d’Ele. Nosso Deus é certamente contracultural,
inesperado, surpreendente, pois não corresponde às ideias que forjamos d’Ele, é
diferente, não é óbvio que Ele seja assim.
É preciso estarmos abertos para as surpresas de
Deus!
Entremos, pois, na gruta, mas não de
qualquer maneira. Estamos frente a um mistério santo: Deus se fez um de nós,
compartilha nossa pobreza e precariedade. Aqui só tem lugar as atitudes
interiores e corporais de agradecimento, humildade, reverência e serviço.
Se contemplarmos Jesus na
manjedoura, longa e amorosamente, experimentaremos que algo nos move a mudar
dentro de nós: uma mudança de sonhos e esperanças, uma mudança no modo de nos situar
no mundo, de nos relacionar com os outros, conosco mesmos e com Deus.
Aqui está enraizada a convicção de que Belém pode mudar nossa vida. O “mistério” contemplado atinge as camadas mais profundas do afeto e do coração, gerando novidade em nossa vida cotidiana.
A contemplação do mistério do Nascimento de Jesus ativa em nós uma maneira cristificada de ser e de estar no mundo;
nossa presença e nossa missão fazem do mundo em que vivemos um lugar transparente,
santo e luminoso em Deus. “Entrar na Gruta” do Nascimento nos expande e nos lança em direção ao mundo, à
humanidade, nos faz mais universais e nos capacita para sermos contemplativos
nas relações.
Na espiritualidade cristã, quem experimenta o encontro com o Deus vivo e amoroso,
começa a “ver” os homens e as
mulheres no mundo como Deus mesmo os vê. Precisamente por ter-se encontrado com
o Deus-Amor, a pessoa torna-se mais “encarnada”
na realidade e mais comprometida com os outros, sobretudo com os mais pobres, os
mais sofridos e excluídos; é aquela que mais se compromete com a justiça e é a que mais desenvolve uma criatividade eficaz na história, com obras que nos surpreendem.
O
mistério do Nascimento nos sensibiliza e nos capacita para nos aproximar
desse nosso mundo com uma visão mais contemplativa. O “subir” até
Deus passa pelo “descer” até às profundezas da humanidade.
Como
“contemplativos nos encontros”, movidos por um olhar novo, entramos em comunhão com a realidade tal como ela é. É olhar o mundo como “sacramento de Deus”; um olhar capaz de descobrir os sinais de esperança
que ali existem; um olhar afetivo,
marcado pela ternura, pela compaixão e gerador de misericórdia; um olhar
gratuito e desinteressado, “janela da alma”, que nos expande numa atitude
acolhedora de tudo que nos rodeia; um olhar
que rompe distancias e alimenta encontros instigantes.
É preciso sair dos limites conhecidos; sair de
nossas seguranças para adentrar-nos no terreno do incerto; sair dos espaços
onde nos sentimos fortes para arriscar-nos a transitar por lugares onde somos
frágeis; sair do inquestionável para enfrentarmos o novo...
É decisivo estar
dispostos a abrir espaços em nossa história a novas pessoas e situações, novos
encontros, novas experiências... Porque sempre há algo diferente e inesperado
que pode nos enriquecer...
A vida está cheia de possibilidades e surpresas; inumeráveis caminhos que podemos percorrer; pessoas instigantes que aparecem em nossas vidas; desafios, encontros, aprendizagens, motivos para celebrar, lições que aprendemos e nos fazem um pouco mais lúcidos, mais humanos e mais simples...
Queremos, neste Natal, manter abertas as portas da
esperança para todos os seres humanos, em um caminho que vai nos conduzindo à
Vida. É preciso fazer a “travessia” do “natal” do nosso ego, autocentrado e
consumista, ao Natal que desperta em nós as melhores energias de vida,
sempre em favor da vida.
E
poderemos sentir a alegria de Maria, de José e dos anônimos pastores; a
indizível alegria, aquela que só pode ser recebida como presente e da qual
nasce o compromisso mais radical e esperançoso pela transformação social que
nosso mundo tanto necessita.
O nascimento de Jesus em uma Gruta desmascara esta dura realidade: portas fechadas, uma cidade cheia, a falta de hospitalidade ou de atenção de um povo... Natal continua sendo um tempo de contrastes, uma história de luz e sombra, de possibilidades e de oportunidades; enquanto uns se deixam afetar pela surpresa de Deus que entra na história pelo lado dos mais fracos, outros nem se dão conta daquilo que está acontecendo. Enquanto alguns estavam despertos e bem atentos, outros estavam bem protegidos, perdidos em suas histórias, em suas preocupações e compromissos, em suas urgências e interesses, dormindo tranqui-lamente, sem se inteiraram de que ali, a poucos metros, um menino nascia. Não foram capazes de descobrir algo admirável naquele Menino dei-tado numa menjedoura, porque nem sequer o viram; per-deram a capacidade de estar atentos, de manter os olhos abertos e o coração sedento.
Texto bíblico: Lc 2,1-14
Na oração:
Faça um
“deslocamento” em direção à sua “gruta interior”; com os olhos bem abertos e
curiosos dos “humildes pastores” descubra as surpresas que ali Deus continua
realizando.
- Abra-se, com
profunda gratidão, ao dom da Vida que se faz vida nas profundezas de seu ser.
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