Texto do Pe. Adroaldo Palaoro, sj (Centro de Espiritualidade Inaciana), como sugestão para rezar o Evangelho do 3º Domingo do Tempo do Advento (Ano C).
“Quem tiver duas túnicas, dê uma a quem não tem; e quem tiver comida, faça o mesmo” (Lc 3,11)
Advento
e Natal nos situam no clima das grandes esperanças da humanidade;
neste dezembro mágico nosso coração caminha mais rápido, rompe o tempo, já está
lá na frente, pronto para acolher a surpresa.
Tudo aponta para o Eterno que nos
escapa e nos encontra. Aqui a imaginação trabalha e cria momentos felizes. Com
essa esperança, podemos dar sabor à nossa vida, muitas vezes modesta e
simples.
A esperança não é só uma virtude
teologal, mas uma habilidade que temos de exercitar; podemos aprender a ter
esperança, e esta destreza nos faz mais humanos e mais fortes diante das
adversidades da vida.
Quem vive o clima do Advento não é
prisioneiro da “cotidianidade”; toda a nossa vida se transforma
na história de uma espera e de um encontro surpreendente. Nessa espera
vislumbramos detalhes decisivos: a vivência da ternura, a reinvenção da vida em
cada amanhecer, a gratuidade amorosa, a alegria descontrolada, o despertar de
sonhos... Espera-se Jesus vivendo os valores que Ele encarnou: a
sintonia com os pobres, o coração dilatado no serviço, o cuidado terapêutico, a
ajuda gratuita...
Nessa atitude de espera o cristão pode dar sabor à sua vida: nos pequenos gestos ela floresce e aponta para um sentido novo.
“O
povo estava na expectativa...”: uma bonita maneira de indicar uma atitude
positiva de espera diante de João Batista que, sob o impulso da Palavra
brotada no deserto, tocou o coração de muitos.
De fato, João Batista é um personagem instigante e
provocativo; muitas pessoas, impactadas pelo seu modo de falar, vão até ele
para escutá-lo. João não fala do cumprimento minucioso das normas legais ou dos
ritos religiosos. Em nenhum caso faz alusão a uma nova religião, que exigisse
um culto diferente, e sim a uma nova forma de viver que dá sentido à própria
existência e desperta um modo de proceder para que a relação com os demais seja
realmente fraterna, carregada de respeito, de cuidado, de partilha.
O chamado de João à conversão e seu
apelo a uma vida mais fiel a Deus despertou em muitas pessoas uma pergunta
concreta: “Que devemos fazer?”. Com algumas
pinceladas João reforça a necessidade de mudar a maneira de pensar e de agir;
isto é, ativar o que já está presente em nosso coração: o desejo de uma vida
mais justa, digna e fraterna.
Todas as propostas que João Batista
faz estão direcionadas a melhorar a convivência humana. Percebe-se uma maior
preocupação por tornar mais humanas as mútuas relações, superando toda atitude
egocentrada.
De fato, uma religiosidade que não
se alarga em direção aos outros não é a religiosidade que Deus deseja.
Aqui não se trata propriamente de fazer coisas nem de assumir deveres, mas ser de outra maneira, viver de forma mais humana; em outras palavras, a partir do centro de cada um, despertar aquilo que é o mais verdadeiramente humano, para que flua humanidade em todas as direções. Que todo o nosso ser se mova na perspectiva do amor oblativo, que se expressa em “entranhas solidárias”.
João
Batista é mais um personagem de Advento; tudo estava tranquilo até que ele apareceu
no deserto. Sua pregação sacudiu as consciências, fazendo reacender o espírito
solidário que estava atrofiado no coração de todos: a multidão, os
publicanos, os soldados...
Segundo a
definição do Papa Francisco “a solidariedade deve ser vivida como a
decisão de devolver ao pobre
o que lhe corresponde”
(EG 189). A solidariedade é uma decisão, carregada de afeto. A razão, por si
mesma não nos leva a ela. É uma decisão pessoal, cordial, livre, voluntária...
A solidariedade é
espontânea, não se impõe a partir de cima, senão que supõe uma predisposição
favorável ao encontro com o outro, deixando-nos afetar cordialmente pela
realidade de quem sofre.
A solidariedade nasce da
gratuidade e nos faz mover em direção dos outros, sobretudo dos excluídos,
daqueles privados de sua dignidade humana.
O encontro com o “outro” marginalizado dá
um “toque”
especial à nossa espiritualidade e nossa espiritualidade faz nossa ação mais radical – mais enraizada em
si mesma e vai mais fundo nas raízes da injustiça. Aproximar-nos do “pobre”
e deixar-nos “afetar” pelo seu sofrimento torna-se a maior fonte de nossa
espiritualidade. Suas “fraquezas” suscitam em nós o melhor
de nós mesmos e, ao nos envolver afetivamente em sua vida, faz com que vivamos
um misto de ternura e indignação a que chamamos compaixão.
A solidariedade nos leva a reconhecer no outro (sobretudo o outro que é excluído, marginalizado...) uma dignidade e uma capacidade criativa de superar sua situação; ela gera protagonismo e nunca dependência; compartilha sem humilhar; cria humanidade em seu entorno, com generosidade, humildade e silêncio; supera todo exibicionismo, sentimentalismo ou instrumentalização do outro.
Sabemos que
há uma profunda afinidade entre “sólido” e “solidário”;
ambas as palavras, etimológicamente, procedem da expressão latina “solidus”.
Diz-se “sólido” em virtude de sua firmeza, densidade, fortaleza ou por ser
aquilo que se estabelece com razões fundamentais e verdadeiras; a pessoa
“solidária” é aquela que encarna tais virtudes. Há um “plus” maior quando essa
pessoa vive a fé cristã. Porque, uma fé ausente de solidariedade carece de
coerência e sentido; não é firme e não tem a suficiente densidade para suportar
as incompreensões daqueles que não estão em sintonia com suas atitudes
solidárias.
Portanto, solidariedade é
uma “questão de entranhas”, ou seja, encontrar, experiencial e vitalmente, os
“outros” excluídos e despojados de tudo, e sentir-se tocado, afetado pela
imensa dor que marca a vida de tantos. A partir daqui o rosto da pessoa
solidária é modelado pela compaixão e gratuidade.
A “solidariedade compassiva”, que
brota do “patire cum” ou compadecer-nos diante da dor e da
miséria do outro, devolve a todos nós a imagem de seres humanos. A
solidariedade nos humaniza.
Trata-se aqui de viver a cultura da
solidariedade, entendida evangelicamente, que forja nosso ser e nosso
fazer no manancial que brota da compaixão e se desenvolve realizando a justiça.
A solidariedade que nasce da
compaixão não acaba nela mesma, mas leva a reconhecer no outro
uma dignidade e uma capacidade criativa de superar sua situação.
Isto pede de nós uma atitude de abertura ao outro, o que
implica colocar-nos em seu lugar, deixar-nos questionar e desinstalar por
ele... Importa, pois, re-descobrir com urgência a solidariedade como valor ético e como atitude permanente de vida...;
não uma solidariedade ocasional, mas
uma solidariedade cotidiana que se
encarna nos pequenos gestos de serviço no dia-a-dia.
Só assim o tempo Advento deixará transparecer seu sentido mais profundo. Deus, ao entrar na história, se faz solidário com a humanidade, salvando-a. O rosto solidário de Deus se visibilizará em cada um de nós quando entramos no fluxo do Seu amor descendente e comprometido.
Texto bíblico: Lc 3,10-18
Na oração:
A
originalidade do Advento está em “alargar” o espaço interior para que os outros
encontrem lugar. A atitude da partilha, da solidariedade e do compromisso com
os últimos são expressões deste Tempo tão nobre e inspirador.
* Na sua vivência
cristã, como responder frente ao chamado tão simples e tão humano de João
Batista?
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