Texto do Pe. Adroaldo Palaoro, sj (Centro de Espiritualidade Inaciana), como sugestão para rezar o Evangelho do 4º Domingo do Tempo do Advento (Ano C).
“Quando Isabel ouviu de Maria, a criança pulou no seu ventre e Isabel ficou cheia do Espírito Santo”
A grande e boa notícia da
Anunciação não levou Maria a ensimesmar-se e a submergir-se numa reflexão
estática do Mistério que se desenvolvia em seu ventre. Pelo contrário, moveu-a
a colocar-se prontamente e com pressa em caminho: “levantou-se, dirigindo-se
apressadamente à região montanhosa”.
De onde brota tanta
prontidão?
O caminho interior, que começou com um chamado de Deus, não é um caminho reto e plano, mas serpenteante e tortuoso, interpelador e cheio de novidade. O anjo deixou Maria motivada para empreender uma nova etapa em sua vida através do encontro com sua prima Isabel. Está claro que a Anunciação estava pedindo Visitação desde o primeiro momento. Maria, a quem foi anunciada, corre a visitar para anunciar.
O ícone da Visitação,
com o forte abraço de Isabel e Maria, nos ajuda a entrar e interiorizar o tempo
do Advento, com sua mensagem esperançosa, aberta ao novo. Lucas nos diz que o
AT chegou a seu fim, já não pode gerar mais vida. Isabel representa a
“travessia” porque está aberta às surpresas de Deus. Zacarias, no entanto,
representa o antigo, é o incrédulo diante da grande novidade que Deus lhe abre.
Por isso, ele é representado como mudo; sua fé está adormecida, ancorada em um
passado. O primeiro testamento já não tem mais nada novo a comunicar. Isabel,
embora sendo estéril biologicamente, permanece aberta a deixar que Deus
presenteie o novo em seu ventre.
Na Visitação,
Lucas revela a centralidade do feminino para emudecer Zacarias da lógica e das
garantias. Ao recuperar o feminino realça-se a perspectiva do Amor acima da
razão; Isabel, apesar de sua esterilidade e velhice, abre-se a um projeto que vai
além do natural.
O sacerdote Zacarias,
no entanto, está mudo e ausente do relato da Visitação; ele não tem nada que
dizer, enquanto sua mulher, idosa, estéril e não considerada, crê, e seu ser se
enche de vida. É o início do Novo Testamento. Isabel faz de mediação entre a
instituição e a profecia que anuncia a vinda do Messias.
Os varões
(sacerdotes, escribas, fariseus...) também permanecem silenciosos, ficaram
mudos como Zacarias. No fundo, todos eles têm medo do Messias.
Maria, com sua inocente e
profunda sabedoria, enquanto descobre seu ser habitado, recebe a notícia de que
também sua prima anciã está gestante; com a força e a prontidão próprias de
pessoas guiadas pelo Espírito, “ela se pôs a caminho, dirigindo-se com
toda pressa às montanhas”. Deixa seu lar, sua segurança, se desinstala... Não perde tempo
considerando o esforço que este deslocamento para as montanhas implica. O
serviço é urgente. O caminho que ela deve percorrer é símbolo de outra forma de
viver.
Maria poderia recorrer ao
Templo e relatar aos sacerdotes a passagem de Deus por ela; mas, atenta a seu
interior habitado, descobre que é guiada a “outros lugares sagrados” onde a
presença de Deus se revela surpreendente através de uma mulher considerada
estéril, fora dos rituais vazios do passado.
Entra em casa de
Isabel, dá-se o encontro e o reconhecimento. Visita que faz explodir a alegria
entre ambas.
Elas se acolhem, se
abraçam... “e eles se movem em seus ventres”. Há esbanjamento de vida.
Nessa casa,
pratica-se a hospitalidade, a acolhida entranhável, o cuidado, a palavra justa
e a escuta infinita... Maria é hóspede, ao mesmo tempo que hospeda o Mistério
em seu ventre.
Na cena da Visitação,
Maria não só reconhece a Isabel, mas também é reconhecida por ela. Encontram-se
frente a frente as duas mulheres, levando em suas entranhas o segredo de Deus,
o presente e o futuro da vida.
Um duplo reconhecimento,
que os pintores souberam expressar maravilhosamente apresentando as duas
mulheres colocando mão sobre o ventre, uma da outra. Gesto de profundo
reconhecimento: o que está acontecendo em seus ventres só pode ser surpresa de
Deus. Com certeza, este reconhecimento é o segredo de toda a alegria e de toda
a luz que dimana desta Visitação; reconhecimento que consiste no ato de
abraçar, beijar, tocar, constatar, acolher...; mas, reconhecimento que é também
gratidão, ação de graças, agradecimento que as invade diante do Dom de Deus.
O “futuro precursor”
cresce nas entranhas de Isabel e recebe ali, em clima de exultação, a certeza
de que se cumprem as antigas esperanças; por isso salta, bailando de alegria,
no ventre mesmo de sua mãe.
Agora Isabel “bendiz”:
como mulher emocionada, satisfeita, contempla Maria e não tem inveja dela;
recebe o dom ou graça que provém do Senhor (do Filho de Maria) e o agradece;
por isso, com palavra clara, culminando o Antigo Testamento e tomando a palavra
dos sacerdotes de seu povo (já mudos como o mostra Zacarias), ela bendiz a Mãe
messiânica e o fruto de seu ventre que é Jesus.
Maria se deixou encher pela benção e bem-aventurança de sua prima. Não tem nada que acrescentar, não deve explicar ou comentar coisa alguma, pois tudo é claro. Simplesmente, consente.
Concluímos afirmando que
o ícone por excelência de Advento é o da uma mulher gestante. A
vida que está pulsando nela é imagem para que compreendamos e tomemos
consciência de que todos estamos implicados nessa gestação. Somos convidados a
entrar nesse silêncio habitado, para experimentar, em uníssono, o pulsar do
divino em nós, dentro de nós. Deus “pula de alegria” em nosso interior quando
abrimos espaço para sua presença e sua ação em nossa vida.
Podemos considerar o
encontro das duas mulheres, grávidas da Vida, como um “abraçar o passado” para
despedi-lo, deixá-lo ir porque já está estéril, e acolher o futuro, a
comunidade de Jesus que Maria está gestando. Se, com profunda gratidão, nos
despedimos do passado, evoluímos, para um presente-futuro em contínua mudança,
em contínuo processo para a Vida.
O
autêntico Advento vai além da espera, é gestação; não é só a arte
de viver despertos e mobilizados, é gerar em nosso interior “algo novo” para
entregar ao mundo que, gritando, pede de nós uma presença compassiva e
servidora.
O
que gestamos em nós deve ter a feição do amor invencível, do amor valente, do amor
capaz de romper fronteiras, de superar os ódios, de quebrar as distâncias, de
aplainar os “egos inflados”. Gestação de vida, de esperança, de paixão por um
mundo diferente.
A
Igreja precisa de seguidores(as) “gestantes”, não só de fiéis “expectantes”.
Deus dança em nosso interior quando sentimos o impulso para o outro, o despertar de nossos desejos mais nobres, o emergir de sonhos adormecidos, nosso espírito criativo, nossos sentimentos oblativos... Muitas vezes, é preciso uma presença inspiradora de alguém, também “carregada de Deus e de espírito serviçal” que nos visite e faça saltar tudo o que é mais “humano” em nós, o “joão” que todos carregamos. Tudo isso nos enche de alegria serena, de esperança benfazeja, de generosidade aberta...
Texto bíblico: Lc 1,39-45
Na oração:
Maria recebe a visita de Deus em
sua casa e desloca-se para a casa de Isabel para lhe dar o abraço mais longo e
apertado da história. Abraço que se prolonga em nós quando estamos habitados de
Vida e a presença da Vida nos outros faz com que todo nosso ser dance de
alegria e de esperança.
Nosso interior é um “ventre
fecundo”, espaço onde são gestados desejos nobres, sonhos inspiradores,
sentimentos mobilizados, impulsos criativos...
- Qual é o “novo e surpreendente”
que está sendo fecundado e que fará toda diferença no amanhã de sua vida?
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