Texto do Pe. Adroaldo Palaoro, sj (Centro de Espiritualidade Inaciana), como sugestão para rezar o Evangelho da Solenidade de Todos os Santos e Santas.
“Alegrai-vos e exultai, porque é grande a vossa recompensa nos céus” (Mt 5,12)
À luz do Evangelho, alegria e santidade, não se dissociam; ao contrário, implicam-se
mutuamente.
A alegria
é um sentimento central da santidade cristã. Nisto consiste a verdadeira
alegria: sentir que um grande mistério, o mistério do amor de Deus, nos visita
e plenifica nossa existência pessoal e comunitária.
Alegria que brota do interior e é um dom do
Espírito. “O fruto do Espírito é: amor,
alegria”
(Gal 5,22). Este dom nos faz filhos(as) de Deus, capazes de viver e saborear
sua santidade e bondade.
Não é correto que os cristãos associem, com tanta
frequência, a fé à dor, à renúncia, à mortificação, mas à alegria, à vida em
plenitude.
A vida cristã, por vocação e
missão, deve ser alegre. Toda ela é profecia de alegria e esperança. A participação
afetiva na alegria de Cristo é a forma de expressar o desejo da íntima comunhão
no amor que reforça o seguimento. “A alegria do Evangelho enche o coração e a vida
inteira daqueles que se encontram
com Jesus. Com Jesus Cristo sempre nasce e renasce a alegria” (Papa Francisco).
A alegria na vida cristã aninha-se e cresce na vivência do mistério pascal. A ressurreição de Jesus causou uma imensa alegria na comunidade dos discípulos. Alegria que é contagiosa e tem uma dimensão social e comunitária. Nós não estamos alegres porque Jesus está vivo, mas porque nos fez partícipes de sua ressurreição, de sua nova vida. Assim nossa alegria é também a alegria de Jesus.
Os Santos
e Santas, por viverem profundamente
no amor de Deus, são testemunhas da alegria.
Este amor é o que nos faz sair de nós mesmos, reencontrar-nos
e viver em sintonia com outros. E aqui está o “peso” do amor, o vigor da
alegria. O amor que Deus nos tem desperta a alegria e esta motiva, dá energia,
gera confiança. O amor é o princípio que ordena a vida e a alegria irradia
harmonia e bem-estar àqueles que nos rodeiam. Quem vive a partir da alegria,
vive a partir do essencial e sabe discernir o autêntico das aparências e o útil
do supérfluo. A alegria mantém alta a utopia e não se cansa em sua irradiação.
Seguimos o conselho agostiniano: “A felicidade
consiste em tomar com alegria o que a vida nos dá, e deixar com a
mesma alegria o que ela nos tira”.
Quem é transparente e coerente
transmite alegria em seu falar e em seu agir. Costumamos dizer: “alegrar a
casa”, “alegrar a cor”, “alegrar o fogo”... ou seja, dar-lhe vida.
Desse modo, alegria confunde-se com plenitude, com vida em cheio, com entusiasmo, com a sabedoria que permite harmonizar tudo isso com a nossa fragilidade, com as nossas feridas e dores, perdas e desencontros, erros e tristezas.
Ser testemunhas e profetas da alegria constitui a
essência da santidade cristã.
O profeta
da alegria, longe de fugir dos conflitos da vida, os enfrenta e os integra com
sentido. Não tem fronteiras, não exclui gênero, classe social, cor, língua,
religião, não descarta o aparentemente inútil. Por isso, sua vida e sua palavra
querem ser anúncio e compromisso de concórdia e comunhão nos conflitos, unindo
pontos, integrando diferenças, curando feridas. Sua presença alegre desmonta a
hipocrisia, as ambições, a intolerância, o preconceito...
Quem vive a santidade na alegria se sente sereno,
livre, pensa positivamente, está próximo dos pobres, acolhe as adversidades,
integra suas contradições, ama sem pôr condições, louva, canta e bendiz sem
cessar...
No
pensamento hebraico, quando se diz que uma pessoa é santa não significa que ela seja apenas virtuosa, que tenha um
comportamento ético impecável, mas, sim, que essa pessoa é diferente, é “outra”,
que manifesta sua alteridade no mundo, revela uma maneira original de viver,
uma outra maneira de amar.
Significa uma pessoa que introduz amor onde há ódio, que revela a paciência onde existe intransigência, que manifesta compreensão onde existe revolta, comunica paz onde existe a violência, deixa transparecer uma presença alegre onde impera a tristeza.
É assim
que a santidade está ao alcance de
todos aqueles e aquelas que reconhecem sua própria finitude e desejam ser
transformados pelo amor que é maior e os faz plenamente humanos. Ser santo(a)
não é para campeões de perfeição, mas para pecadores que se reconhecem como
tais e se deixam conduzir pelas asas da Graça de Deus e pelo clamor que vem da alteridade
desfigurada de todo aquele(a) que sofre e necessita cuidado e atenção.
“Ser santo(a)” é sermos dóceis para “nos deixar conduzir” pelos impulsos
de Deus, por onde muitas vezes não sabemos e não entendemos. Seus caminhos não são os nossos caminhos. Ser
santo(a) é “arriscar-nos” em Deus; é
navegar no oceano da gratuidade, da compaixão, da solidariedade...
Nesta atitude de “deixar-nos
conduzir” é que entramos no fluxo da Santidade de Deus, nos atrevendo a planar sobre ela para mobilizar
todas as possibilidades da nossa existência.
Essa é a nossa essência: em Deus, somos todos(as) santos(as).
Nesse sentido, as bem-aventuranças des-velam o verdadeiro rosto do(a) santo(a). Quem
é ditoso(a)? Quem é bem aventurado(a)? Quem é feliz? As
bem-aventuranças são a exposição
mais exigente e, ao mesmo tempo mais fascinante, da mensagem e da “intenção
de Cristo”.
Não temos de pensar somente nos “santos e santas”
canonizados(as), nem naqueles que viveram virtudes heróicas, mas em todos os
homens e mulheres que descobriram a marca do divino neles(as) mesmos(as), e
sentiram-se impulsionados(as) a viver com intensa humanidade. Ser santos(a) é
ser humano por excelência.
Não se trata de nos fixar nos méritos de pessoas
extraordinárias, mas de reconhecer a presença de Deus, que é o único Santo, em
cada um de nós. Assim, no chamado à santidade,
aspiramos somente a sermos cada dia mais humanos, ativando o amor que Deus
derramou em nosso ser.
Para humanizar nosso tempo, os(as) santos(as) revelam atitudes e critérios que nos fazem mergulhar de cheio nos desafios e problemas que afligem grande parte da humanidade. Os(as) santos(as), de hoje e de sempre, não são encontrados nos pacíficos ambientes dos templos ou dentro dos limites da instituição eclesial, mas nas encruzilhadas da pobreza e da injustiça, nas “periferias existenciais”, em perigosa proximidade com o mundo da violência e da marginalidade, em situações de risco, onde a luz do amor brilhará mais do que nunca.
Quem são
esses Santos e Santas que celebramos
cada ano e que são multidões ao longo dos tempos?
Santas e
Santos desconhecidos, mínimos, ocultos, simples, com biografia que não aparecem
na Wikipédia. Pessoas anônimas que estão presentes em todos os lugares, como
fermento na massa, despertando esperança em tempos difíceis.
Numa cultura de morte e de violência como a nossa, as Santas e os Santos são os anônimos que arriscam suas vidas na defesa daqueles que não tem voz, agindo como samaritanos em favor da vida. Sua presença faz toda a diferença. Santa diferença!
Texto bíblico: Mt 5,1-12
Na
oração:
O
melhor modo de rezar as
bem-aventuranças é seguir um dos “modos de orar” proposto por S. Inácio,
ou seja: “Contemplar o
significado de cada palavra da oração”
(EE. 249).
* Rezar as dimensões da vida que estão paralisadas, impedindo-lhe viver a dinâmica das bem-aventuranças.
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