Texto do Pe. Adroaldo Palaoro, sj (Centro de Espiritualidade Inaciana), como sugestão para rezar o Evangelho do 29º Domingo do Tempo Comum (Ano A).
“De quem é a imagem e a inscrição desta moeda?” (Mt 22,20)
Sempre é importante estar atento ao contexto em
que se situa o evangelho de cada domingo. Hoje, os chefes religiosos
compreenderam que as parábolas polêmicas (os dois irmãos convidados pelo pai a
trabalhar na vinha, os vinhateiros homicidas, o banquete de casamento) se
referiam a eles; por isso, contra-atacam a Jesus com três perguntas capciosas
que são como que armadilhas para ter de quê acusá-lo (pagar ou não o imposto a
César, a ressurreição dos mortos e qual é o primeiro mandamento).
Hoje, perguntam a Jesus sobre o
imposto a ser pago aos romanos. Era um assunto polêmico que dividia a opinião
pública. Os adversários de Jesus querem a todo custo acusá-lo e, assim,
diminuir a sua influência junto do povo. Muitas vezes, pessoas ou grupos,
inimigos entre si, se unem para defender seus privilégios contra aqueles que os
incomodam com o anúncio da verdade e da justiça.
As perguntas dirigidas a Jesus,
mesmo aquelas que revelavam uma intenção de incriminá-lo, são para Ele ocasião
privilegiada para ir além das mesmas perguntas e acabam gerando respostas
surpreendentes, que ninguém esperava.
No evangelho deste domingo, Jesus responde ao que não lhe haviam perguntado, indicando uma atitude vital que vai além da alternativa que lhe foi proposta: a licitude de pagar ou não o imposto a César.
Em primeiro lugar, Jesus denuncia a submissão dos
fariseus e herodianos que carregavam consigo moedas com a imagem do imperador
romano: viviam como escravos submissos a um poder que desumanizava e humilhava
a todos com pesados impostos e com violência extrema.
Na prática, eles já reconheciam a autoridade de
César. Já estavam dando a César o que era de César, pois usavam as moedas dele
para comprar e vender e até para pagar o imposto ao Templo!
Em segundo lugar, Jesus, ao perguntar – “de quem é essa imagem e essa inscrição” – está fazendo clara
referência ao Gênesis, onde se diz que o ser humano foi criado à imagem
de Deus. Se o ser humano é imagem de Deus, é preciso dar a Deus o que lhe fora
tirado, ou seja, o próprio ser humano.
O ser humano é “imagem” de Deus e só a
Ele pertence. O único absoluto é Deus. Trata-se de uma “submissão amorosa” que não
se impõe (imposto), pois o convida a entrar em sintonia com Ele, numa comunhão
de vida e compromisso com os outros.
Alguns biblistas traduzem a
expressão “dai a César o que é de César e a Deus o que é de
Deus”
por “retirai de César o que é de Deus”, ou
“não dai a César o que é de Deus”, ou ainda,
“dai a César
o que é de César, mas não lhe deis o que
é de Deus”.
O que interessa a Jesus é que “deem a Deus
o que é de Deus!”,
isto é, pratiquem a justiça e a misericórdia, para entrar em sintonia com o
coração do Pai, pois a hipocrisia dos fariseus e herodianos negava a Deus o que
lhe era devido.
Em outras palavras: não entregueis a nenhum “césar” o que é de Deus: os pobres e os pequenos que são os prediletos do Pai; o Reino de Deus pertence aos últimos. Não se pode sacrificar a vida e a dignidade dos indefesos a nenhum poder político, financeiro, econômico ou religioso. Os humilhados pelos poderosos são de Deus e de ninguém mais. Que nenhum poder abuse deles; que nenhum “césar” se imponha sobre eles.
Com sua
resposta, Jesus propõe um princípio de validade permanente: rejeitar, de
maneira absoluta, qualquer tipo de poder.
César se impõe (imposto) pelo poder, que oprime e exclui; Deus não se
impõe (não é imposto); faz-se dom, esvazia-se de todo poder e se
aproxima de cada um de nós, se faz comunhão.
O relacionamento entre o ser humano e Deus dá-se na esfera da mais pura
liberdade, lá onde as decisões são ditadas pelo amor. O Deus que Jesus nos
revelou é o Deus que se faz presente no pequeno, no simples, naqueles que não
tem voz e nem vez neste mundo. Não é o Deus do poder absoluto, nem o
Deus que exige obediência e submissão àqueles que se apresentam como
representantes do divino.
Esta identificação de Deus com cada ser humano não vai na linha do poder que se impõe, mas na direção do amor que se faz oferta. Deus revela sua transcendência não no poder que tanto buscamos, mas na humanidade da qual queremos constantemente escapar.
A
afirmação lapidar de Jesus vai da imagem
impressa na moeda à imagem que
trazemos impressa em nossas vidas, ou seja, a imagem de Deus. O dinheiro traz
impressa a imagem dos poderosos; o ser humano traz impressa a imagem de Deus; o
dinheiro vale o que vale o poderoso que o imprimiu; o ser humano vale o que
vale Aquele que o criou à sua própria imagem. O denário traz impressa a imagem
de César; por isso, vale o que vale o César.
O ser humano traz impressa a imagem de Deus; por isso, tem valor absoluto. Com o denário, pode-se pagar os impostos, mas o ser humano não é moeda de circulação, que se compra ou se vende. O ser humano é a única “moeda” que vale a vida mesma de Deus. Por isso, o ser humano não pode ser “produto” que é vendido aos interesses humanos.
Jesus desencadeou um movimento de vida, centrada
na comunhão de bens, sem um dinheiro divinizado em forma de capital autônomo,
valioso em si mesmo. Estritamente falando, seu projeto se opunha (em um nível
diferente) à ordem imperial de Roma, que mantinha seu poder, assentado sobre
fundamentos de dinheiro.
Nesse contexto se situa e deve ser entendida esta
passagem sobre o tributo a César, que os adversários apresentam a Jesus para
pegá-lo em algum tipo de contradição e assim poder acusá-lo diante do povo (se
defendesse o tributo) ou diante da administração romana (se rejeitasse o
tributo).
A partir deste cenário de fundo as
comunidades cristãs apresentam o tema da relação entre a “economia do Reino”,
ou seja, a comunhão gratuita de bens, e a “economia de César”, que se
fundamenta e se expressa nos tributos a serviço da administração militar do
império e do sustento de um tipo de política, que se expressava em domínio dos
poderosos.
Vivemos em um contexto social e
econômico onde o “deus dinheiro” determina todas as relações humanas, inclusive
no campo religioso. O neo-liberalismo (“césar” pós moderno) endeusou o “poder
monetário”, destruindo aquela “imagem” divina impressa no coração de cada um. E
o ser humano passou a ter “valor de mercado”, e toda pessoa que não produz ou
não é rentável (doentes, idosos, pobres...) é descartado.
São os “césares” que se infiltram nas profundezas de nosso ser, conduzindo-nos a um profundo processo de desumanização.
Texto bíblico: Mt 22,15-21
Na
oração:
Alimentamos
diferentes “césares” em nosso coração, aos quais nos fazemos submissos:
instinto de posse, busca de poder e prestígio, consumismo, obsessão por um
bem-estar material sempre maior, o espírito de competição... Quando é “césar’
que determina nossa vida, sua influência envenena nossa relação com Deus,
deforma nossa verdadeira identidade e rompe nossa comunhão com os outros e nos
desumanizamos...
Como
seguidores de Jesus, devemos buscar nele a inspiração e o alento para viver de
maneira livre e solidária.
-
Dar nomes aos “césares” que comandam seu coração e que exigem pesados
impostos.
O evangelho de hoje faz emergir a seguinte pregunta: sinto-me “denário de césar”? sinto-me imagem de Deus?
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