Texto do Pe. Adroaldo Palaoro, sj (Centro de Espiritualidade Inaciana), como sugestão para rezar o Evangelho do 28º Domingo do Tempo Comum (Ano A).
“Ide às encruzilhadas dos caminhos e
convidai para a festa todos os que encontrardes” (Mt 22,9)
Mais uma vez nos encontramos diante de outra
parábola luminosa e inquietante. Há um banquete para todos, o banquete da
fraternidade, da vida partilhada, do mundo convertido em Reino. Mas muitos
querem sua própria refeição, seu lugar à parte, para não se misturar com os
outros, para não se “contaminar”.
É uma parábola que desmascara nosso contexto
atual, onde o mundo se divide em banquetes de alguns e misérias de outros, em
luta por um pão que cria guerras em vez de alimentar abraços e mesas
partilhadas.
É típico do Evangelho comparar o
Reino de Deus com uma festa de casamento. Jesus nos revela a imagem de um Deus
festeiro, que organiza um surpreendente banquete, convidando a todos “bons e
maus”.
Não é um convite a uma vida sem alegria; não é um convite a uma vida amarga, a uma vida onde tudo está proibido. Deus convida sempre à festa; o Evangelho é convite à festa de Deus com a humanidade.
Diante da
recusa de muitos em participar do banquete, Deus nunca fracassa; a festa de
casamento será celebrada; Ele sabe que mesmo aqueles que não receberam o cartão de convite
estão dispostos a participar do evento. E Deus não gosta de ver cadeiras
vazias; Ele quer “ver sua casa cheia”.
E dá a impressão de que quanto mais a sala do
banquete se enche de convidados, mais aumenta o espaço; porque “ainda havia lugares”. No coração do Pai cabem
todos. Ainda há lugares para aqueles a quem ninguém convida; sobram lugares
para os excluídos; sobram lugares para esses a quem nós marginalizamos; ainda
há lugares para esses que nunca encheram seu estômago; ainda há lugar para
esses que nós julgamos como maus; ainda há lugar para esses que nunca ouviram
falar do Reino.
A sala do banquete estará cheia. Os
empregados serão enviados para as encruzilhadas dos caminhos da vida
para convidar a todos. E o curioso: “maus e bons”.
Também os maus são convidados à festa de Deus.
Deus convida aqueles que ninguém
convida; Deus convida não aqueles que tinham preferência; agora os convidados
não têm nome, são todos, são todos os nomes.
Convite, casamento, festa, banquete... tudo está maravilhoso. Mas não se pode estar de qualquer maneira na festa; é preciso estar vestido festivamente, ou seja, estar vestidos do amor e da graça daquele que convidou. Trata-se do traje da alegria, do amor, da graça.
O Reino
não é um lugar, mas um novo espaço de relações fundadas na gratuidade e na
doação. Isto depende da nossa decisão pessoal de preferi-lo a outras coisas, de
confiar na bondade em excesso que nos é revelada. Este salto no vazio não é
fácil. Preferimos as seguranças daquilo que conquistamos com nosso próprio
esforço. Não confiamos naquilo que não depende de nossos méritos, de nossa
conta de crédito e débito. Por isso mesmo, muitos rejeitam o convite que aqui
se desenha como uma festa de casamento.
Talvez o que mais impede nossa
adesão ao Reino seja a perda da capacidade de surpresa diante do que nos é
proposto. Parece que já temos tudo sabido, que conhecemos de antemão a vontade
de Deus que pedimos todos os dias no Pai-Nosso. Por isso, o rei envia os
empregados a que saiam pelos caminhos e convidem aqueles que não esperam o
convite para a festa, aqueles que não se sentem dignos ou à altura de tal
honra.
Talvez, agora seja o tempo propício para deixar as seguranças dos negócios, daquilo que trazemos nas mãos sem contar com Deus nem com os irmãos e sair pelos caminhos da surpresa, do inesperado, do presenteado. Só a partir daqui poderemos receber o convite ao banquete da abundância. Porque só aos buscadores do Reino e de sua justiça lhes é oferecido este dom precioso.
O centro
da mensagem do Evangelho de hoje está em que o Pai convida a todos: “bons e
maus”; o banquete é o mesmo
para todos. A resposta é a que marca a diferença entre uns e outros;
quem prefere as “terras” ou os “negócios”, indica o que de verdade lhe
interessa.
Em torno
da mesa comum, reúnem-se as pessoas que, de algum modo, se sentem
convidadas ou convocadas. Esta convocação compromete o convidado,
porque ele aceita e, aceitando o convite, aceita participar, e, aceitando a
participação, aceita tomar parte ativa na vida daqueles com quem vai
assentar-se à mesa. Entra, assim, na comunidade.
O apego aos bens e aos negócios
podem nos impedir de escolher o caminho da vida expansiva; uma vida
bem-sucedida é o maior inimigo da transformação. Quem se acomoda no sucesso não
prosseguirá em sua caminhada interior e ficará parado em sua imaturidade
humana. Quem confia demais em seus próprios negócios ou em seu sucesso pode
romper o vínculo com o coração e renegar seu verdadeiro eu.
Os sentimentos de “apego”
vão se avolumando e vão nos fixando “às margens da vida que flui”. As “coisas” nos fazem
sentir em segurança, protegidos e importantes: nosso emprego, nossas posses,
nossas ambições, ideias fixas, status...
O perigo está em ter ouvidos para os cantos das sereias, e não para o convite que vem do mais profundo de nosso ser, que nos chama a uma plenitude humana.
Esse mesmo chamado a uma vida festiva, que pede
saída de si e abertura ao encontro, fica ofuscado pelo “ego” fechado em seus
negócios e apegos aos bens. Aqui, as recusas bloqueiam o fluir da vida.
Nesse sentido, as encruzilhadas da vida se revelam como o lugar da gestação do novo.
Dizia o teólogo Karl Rahner que o melhor da vida
sempre vem a nós como “presente”, como algo inesperado, surpreendente. Somos
envolvidos permanentemente pela Graça..., e nem sempre estamos atentos. São as
oportunidades vitais e únicas que aparecem de maneira inesperada. “Não peças a Deus maravilhas,
mas a capacidade de maravilhar-te”.
É preciso estar em sintonia profunda com a vida.
Quando menos esperamos, ela nos chega como oportu-nidade inédita, como
possibilidade que excede a tudo o que imaginamos.
Em chave de interioridade,
o evangelho deste domingo também nos ajuda a des-velar por onde flui a vida,
onde é possível a celebração festiva do casamento. O convite à festa é dirigido
a todas as dimensões do nosso ser. Causa-nos surpresa que é justamente nas
encruzilhadas dos caminhos interiores onde o convite tão generoso do Senhor
encontra ressonância. Geralmente são os aspectos de nossa vida que estão à
margem, as nossas feridas e fragilidades, as nossas limitações..., que são mais
sensíveis para escutar e acolher o chamado à mesa do Reino.
O ser humano é o único
ser que, sendo limitado, é totalmente aberto ao infinito.
É da fragilidade e da limitação que nasce também a criatividade.
Podemos, então, afirmar que a vida
está nas encruzilhadas de nossa existência; afirmando de outro modo: as
encruzilhadas estão também carregadas de vida. É das encruzilhadas existências
que pode nos surpreender com o surgimento do novo. É ali que o convite à
plenitude de vida ressoa com mais intensidade.
Nossa razão, nosso “eu
perfeccionista”, nosso “ego inflado”, nossas “afeições desordenadas”...não se
deixam impactar pelo convite para a festa da vida. Estão seguros de si mesmos,
atrofiados e petrificados em nossos mundos estreitos e estéreis.
Construímos ao nosso redor um
micromundo que parece permanente e sólido.
Andamos enredados e sem tempo para o essencial e perdemos a conexão com o centro de nosso corpo, de nossa vida, e esse centro é o coração, ali onde está oculto o mistério de cada um. Cada um de nós tem suas próprias feridas e seus tesouros no mesmo lugar.
Texto bíblico: Mt 22,1-14
Na oração:
Vida
nova é aceitar o que é fragilidade e
limite em nós mesmos (nossa
encruzilhada). Não existe subida para a luz
sem a aceitação e a travessia de nossa sombra.
- Dê nomes às suas “afeições desordenadas” (apegos) que o (a) tornam insensível à Voz d’Aquele que convida ao festim do Reino.
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