Texto do Pe. Adroaldo Palaoro, sj (Centro de Espiritualidade Inaciana - CEI), como sugestão para rezar o Evangelho da festa da Assunção de Nossa Senhora.
“Maria ficou três meses com Isabel; depois voltou para casa” (Lc 1,56)
Descobrimos
o sentido da Assunção de Maria não
tanto contemplando o céu, mas a terra. Na terra não veneramos a tumba de Maria,
nem celebramos funerais por ela, ou em sua memória. Embora possa parecer
estranho, os santuários onde se venera a memória de Maria são, para nós, não
lugares funerários, mas fontes de vida, espaços onde a sentimos vivente, mãe,
mulher do serviço, cuidadora nossa.
Ascenção, Assunção são dois nomes que damos a esta
experiência de presença transformadora. Em Jesus, e a partir de Jesus, Maria
também “é assunta” e se faz presente junto a seus filhos e filhas. Sua
bendita presença nos abençoa e nos enche de graça.
Maria “foi assumida por Deus” porque “desceu” ao mais profundo da vida, comprometendo-se e sendo presença solidária. Ela viveu a “assunção” em todos os momentos de sua vida, de maneira especial, quando se deslocou em direção aos outros.
Por isso, o
Evangelho, indicado para a festa de hoje, nos fala da “presença visitante” de
Maria.
Maria fecha
a porta de sua pequena casa em Nazaré e inicia, apressada, o caminho para a
montanha, onde vivia Isabel. O impulso do seu coração movia velozmente seus
pés. Este relato nos mostra o que é “visitar”.
Maria “saiu
em visita” porque, antes, foi “visitada” pela presença surpreendente de Deus.
Ela entrou no fluxo do “Deus visitador”, prolongando e visibilizando as visitas
divinas. Ela foi “assunta” porque, nas suas “visitas”, ela “subiu e desceu” em
direção aos outros, numa atitude de serviço gratuito.
Maria
foi visitar; podia não ter ido. Isabel, com mais idade e grávida, seguramente
estava bem atendida. Mas, Maria foi... para estar, escutar, partilhar,
ajudar...
Visitar implica mover-se, para perto
ou para longe, sair, pôr-se em marcha; abandonar o espaço de conforto,
adentrar-se na realidade do(a) outro(a), na expectativa de que este(a) outro(a)
abra a porta de seu espaço e de sua vida, entrando em profunda sintonia com
quem o(a) visita.
É uma ação pessoal, uma atitude
aberta, um estar atentos aos detalhes da vida próxima, do entorno. Visitar não
conta nas estatísticas. É uma ação muito silenciosa que não requer estruturas
organizativas, nem contratuais. Visitar exige irremediavelmente investir tempo,
gratuitamente; quem tem tempo hoje para presenteá-lo desinteressadamente?
A pessoa visitada tem também sua
vida “expandida”, pois, receber o(a) outro(a) implica mudar a rotina do seu
cotidiano, acolher a nova presença que vem, dedicar atenção e escuta...
Se re-lemos com atenção o relato de Lucas, encontraremos Isabel, a prima de Maria, como protótipo de uma vida “visitada”, de uma existência que poderia fechar-se na pequena felicidade de sua fecundidade surpreendente; no entanto, ela abriu passagem a uma voz que vinha mais além dela mesma. Isabel escutou aquela voz e soube reconhecer Maria como a nova Arca da Aliança que carregava a salvação dentro dela. E Lucas realça o detalhe de que “a criança pulou de alegria no ventre de Isabel”.
Vamos nos deixar conduzir por Maria e vamos com ela “de
visita” à casa de Isabel, para recuperar o sentido do “visitar” e “ser
visitado” no nosso contexto atual.
Deus visita
a nós e visita através de nós, assim como Ele nos visita por meio dos outros.
Há uma infinidade de anjos mensageiros, cruzando nossos espaços cotidianos,
inspirando-nos, ajudando-nos, movendo nossas vidas a saírem de seus lugares
fechados, a romper muros, a ultrapassar fronteiras... A intolerância, o medo do
diferente, a suspeita, o preconceito... são a morte de toda possibilidade de
viver a “cultura da visita”.
Uma característica de nossa
sociedade é o individualismo, o fechamento narcisista que nos centra e nos
concentra em nosso “ego” como lugar preferencial de atenção, dedicação, cuidado
e investimento de quase todas as nossas energias disponíveis. Neste contexto
social em que vivemos, cada vez mais fragmentado e individualizado, as relações
vão se tornando líquidas, restando as manifestações muito superficiais, reduzidas,
talvez, a um mero contato tecnológico através das redes sociais.
Temos a sensação de que, a partir de fora, tudo nos convida a viver auto-referenciados e surdos às vozes que nos vem do mais além de nós mesmos. Muitas forças externas a nós nos pressionam a reduzir nossa vida ao tamanho de um “bonsai”, a atrofiar os desejos até reduzi-los aos pequenos bens acessíveis e a conformar-nos com pequenas doses de prazer egoísta.
Mesmo numa
vida fechada, também aí irrompem as “visitações”; Maria, a “visitante” e
Isabel, a “visitada”, podem nos ensinar a reconhecer Aquele que nos visita e
vem a nós escondido no humilde e insignificante.
Aquelas duas mulheres grávidas, Maria e Isabel, cheias e fé e grandes expectativas, envolvidas no silêncio da promessa de Deus, se encontram e no mesmo instante do abraço, a palavra se faz presente com a intensidade da compreensão, da acolhida, da alegria e da intimidade partilhada.
A visita
começa a dar fruto desde o primeiro instante se há uma boa predisposição. A
atitude de quem vai ao encontro e quem acolhe é elemento primordial.
Elas
estavam felizes. Isabel gritou de júbilo e “a criança saltou de alegria em seu
ventre”. E Maria proclamou, exultante, a oração de louvor e agradecimento ao
Deus da Vida. “O Magnificat
recolhe a prece da orante que se descobre,
desde a humildade, fecundada por seu Senhor dentro da História da Salvação” (Mari Paz Lopes).
O Magnificat é o grande resumo da experiência de Maria; Magnificat
não é um parêntese: supõe tudo o que Maria viveu. É impossível conhecê-la sem
saborear demoradamente estas palavras, que são a tradução dos seus sentimentos
íntimos diante da nobre missão de ser a mãe do Salvador.
No Magnificat, Maria canta a sua
própria história. E isso nos desafia a fazer o mesmo. Ninguém vive uma vida
espiritual fecunda enquanto não for capaz de construir a relação com Deus como
um diálogo vivo entre um “eu” e um “Tu”. A oração de Maria não é feita de
fórmulas. Ela expõe a sua vida naquilo que diz.
Através do Magnificat Maria vai ter a oportunidade de prolongar o seu “sim”, revelando que conhece bem as suas implicações profundas. No Magnificat, Maria sai de seu silêncio e explica o que significa o seu consentimento a Deus. E faz isso da forma mais simples e verdadeira, interpretando primeiro a sua própria experiência de fé e ancorando-se, depois, naquilo que a História da Salvação lhe ensina sobre a ação de Deus e sobre a missão do Povo de Deus neste mundo.
Maria permaneceu
em casa de Isabel “três meses e voltou para sua casa”. Moveu-se, investiu seu
tempo e podemos imaginar quê maravilhosos três meses passaram juntas, vendo
como a vida crescia dentro delas, cuidando-se, rindo, partilhando....
Deixemo-nos inspirar por este “ícone da Visitação”.
Texto bíblico: Lc 1,39-56
Na oração:
Depois de empapar-se
do evangelho deste dia é preciso perguntar-se: “o que me inspira o ‘movimento’
de Maria visitando Isabel? E se realmente, o fato de visitar, tem um
significado em minha vida.
- Diante da situação
pandêmica, quê outras formas de visita poderiam ser ativadas? São tantas as
pessoas que estão esperando uma visita, mesmo virtualmente. Há muitas carências
de abraços e de afeto.
- Recorde aqui as
obras de misericórdia: duas delas se referem ao fato de “visitar” – “enfermos e
presos”.
Nenhum comentário:
Postar um comentário