“Os discípulos distribuíram os pães às
multidões”
(Mt 14,19)
Poderíamos dizer que o relato do Evangelho deste
domingo é uma parábola em ação.
A cena acontece em um “lugar despovoado”,
afastado da vida cotidiana organizada segundo o pensamento da sinagoga e a
lógica dominadora do império. Sair do centro, ou ser deslocado do centro, pode
ser uma vantagem à hora de perceber o que Deus realiza em nossas situações
concretas.
Quando Jesus e seus discípulos vão pelo mar, a
multidão sai caminhando ansiosamente por terra e os alcança. Jesus é ponto de
confluência de todas aquelas fomes, dispersões e diferenças. É o povo pobre das
pequenas aldeias que está sofrendo grandes injustiças e muita pobreza.
De alguma maneira, este “fora”
evoca a saída do povo judeu do Egito ao deserto, onde se encontrou com Deus
numa experiência que o fará passar de multidão dispersa de escravos a um povo
unido e livre.
O povo tomou distância com relação
ao seu mundo rotineiro e agora se encontra com Jesus, que encarna a novidade de
Deus ao alcance da mão. Também pode ser o “fora” de todos os excluídos da
história que se encontram com Jesus, tornando realidade o sonho do Reino: o
mundo da igualdade e da comunhão.
Jesus, nos diz o relato, primeiro sente compaixão
das multidões, e depois convida a partilhar.
Em contraste com atitude compassiva do Mestre, os
discípulos, percebendo a hora avançada, pedem que as multidões sejam despedidas
para que comprem pão e se alimentem. Esta é a lógica desumanizadora: devolver
as pessoas às suas próprias possibilidades limitadas, à escassez e à privação
que a sociedade as relegou. Os discípulos são sensíveis à fome do povo
empobrecido, mas o deixam à mercê de seus próprios recursos. Não conhecem outra
solução.
Jesus abre outra lógica: a da partilha,
frente à lógica do mercado, da apropriação e da acumulação.
Os produtos da terra estão situados
na lógica do amor, que é a única força transformadora da história. Esta é a
utopia do Reino: um povo reunido harmoniosamente pela mesma busca faminta e
pela mesma saciedade, onde os alimentos da terra, produzidos com esforço, são
compartilhados com todos, sem que ninguém negocie ou acumule.
Tudo aparece reconciliado: o
cosmos, com a natureza verde e em paz; os produtos do trabalho humano, da
generosidade do mar e da terra; e as pessoas, em uma relação entre elas mesmas
e com Deus sem exclusões, competições nem privilégios. Isto é possível porque
todos se deixaram afetar pelo dom do mesmo Reino que cresce já no coração de
todos.
Só será efetiva a nova comunidade
quando pães e peixes entrarem na lógica do Reino. Sem oferecer o próprio pão,
os próprios recursos, a própria pessoa, não há possibilidade de construção do
Reino de Deus.
Jesus não pediu a Deus que
solucionasse o problema da fome, e sim, mobilizou os seus discípulos para que
encontrassem uma saída diante daquela penúria. E a saída está na capacidade de
partilha de todos.
Também
aqui é preciso “ouvidos” e “olhos” bem abertos para encontrar a chave de
compreensão da cena. Há um risco de permanecermos na superfície do relato,
assombrando-nos com o prodígio da “multiplicação dos pães”. Na realidade, não
foram os pães que “se multiplicaram”, mas a generosidade da partilha do
alimento.
O certo é que, tudo o que as pessoas tinham, foi
colocado à disposição de todos. Esta atitude desencadeia o prodígio: a
generosidade se contagia e realiza o “milagre”. Quando se deixa de monopolizar
os bens, eles chegam a todos. Quando os bens imprescindíveis para a vida são
monopolizados, provoca-se a miséria, a fome, e a morte. Na intenção do
evangelista, Jesus demonstra, deste modo, que o problema não é a carência de
recursos, mas a falta de solidariedade.
Realmente foi um verdadeiro
“milagre” que um grupo tão numeroso de pessoas compartilhassem tudo o que
tinham até conseguir que ninguém ficasse com fome. Porque o texto não fala de
“multiplicar” o alimento, mas de “dividi-lo”: quando ele é partilhado, costuma
sobrar.
Que acontece com os pães e os peixes
nas mãos de Jesus? Não os “multiplica”. Primeiro, bendiz a Deus e lhe dá
graças: aqueles alimentos vem das mãos de Deus: são para todos.
A dinâmica normal da vida nos diz
que o “pão”, indispensável para a vida, deve ser adquirido com dinheiro, porque
alguém o monopoliza e não o deixa chegar ao seu destino, a não ser cumprindo
algumas condições que, aquele que monopolizou, impõe: o “preço”.
O que Jesus faz é livrar o pão
desse monopólio injusto. O olhar voltado para o céu e a benção são o
reconhecimento de que Deus é o único dono do pão e que a Ele é preciso
agradecer este dom. Liberado do monopólio, o pão, imprescindível para a vida,
chega a todos sem ter que pagar um preço por ele.
Em seguida, Jesus, com suas mãos
solidárias, vai partindo os dons e entregando-os aos discípulos. Estes, por sua
vez, prolongam as mãos de Jesus, e vão distribuindo os pães e peixes à
multidão; estes alimentos vão passando de mãos e mãos, de uns aos outros.
Assim, todos puderam saciar sua fome.
A multidão dispersa, transformada pelo encontro
com Jesus, já é capaz de sentar-se em grupos ordenados sobre a relva, iguais,
sem divisão em hierarquias, que costuma criar fissuras na comunhão. Jesus pede
que todos se assentem sobre a relva para celebrar uma grande refeição.
Rapidamente, tudo muda. Aqueles que estavam a ponto de se separar para saciar
sua fome em sua própria aldeia, se assentam juntos em torno a Jesus, para
partilhar o pouco que tem.
Os que tinham algo para comer também foram
repartindo com os outros. Na realidade, o verdadeiro milagre foi o da partilha, onde as pessoas famintas não
se lançam vorazmente sobre os pães numa luta para conseguir os alimentos
escassos. Compartilhar gratuitamente com os outros, com desconhecidos, e não
acumular o que sobra, isso sim é milagre.
Em cada migalha de pão, em cada
pedaço de peixe, há uma história de amores e trabalhos que vão passando de mão
em mão, sem cobiça devoradora. Os bens deste mundo, carregando dentro uma
vocação fraterna e universal, são dons para todos.
Nesta refeição de todo o povo sobre
o campo verde não se discrimina ninguém, não se pergunta a ninguém pelo seu
passado, sua profissão ou sua situação moral. Todos são acolhidos como
expressão das entranhas compassivas de Deus, que chama todos a compartilhar na
Sua Grande Mesa festiva. Todos se sentem pessoas dignas e amadas. É a grande
refeição da inclusão de todos.
Algo inaudito está começando nesse
povo com a chegada de Jesus. No Reino de Deus só há uma Mesa, à qual todos são
convidados, sem discriminação sem exclusão de nenhum tipo.
É assim que Jesus quer ver a nova
comunidade humana.
Temos nas mãos e no coração a opção de viver “em
chave desumanizadora” (“despede as
multidões!”) ou
“em chave de benção” (“os discípulos
distribuíram os pães às multidões”), descobrindo na vida, para
além de sua fragilidade, a presença que fazia Jesus estremecer-se de compaixão
quando sentia a dura situação dos prediletos do Pai.
Assim quis Deus que nossas mãos fossem a presença e o sinal de Suas mãos criadoras, que acolhem
e cuidam da mãe Terra e da vida das pessoas. Somos as mãos de Deus, não só para
alimentar, mas para acariciar e curar, para cuidar do planeta terra, nossa
casa, para “multiplicar vida”...
Texto bíblico: Mt 14,13-21
Na oração:
Quais são as duras situações das pessoas do mundo
atual que fazem emergir novamente o apelo de Jesus: “Dai-lhes vós mesmos de
comer”.
Deus torna visível suas mãos através de nossas mãos
abertas e que compartilham. Onde você percebe que pode ser a mão bendita de
Deus que atua em favor da vida?
Quando
ouvimos em nossas eucaristias o grito de Jesus: “Dai-lhes vós mesmos de comer”?
Nós,
depois de anos seguindo a Jesus, o quê somos capazes de partilhar?
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